Midnight

Semanas depois

— Que tal isto? — disse apontando com o focinho para uma flor amarela.

— Não... Eu já dei flores demais a ela. — Mike respondeu.

Eu estava o ajudando a escolher um presente para Amber, que era praticamente sua companheira. Eu não sabia que nós, filhotes, podíamos ter companheiros, mas pelo visto podemos.

— Assim fica difícil. Precisa mesmo dar um presente a ela? — rolei meus olhos.

— Sim, eu preciso. Apesar de dar flores a ela às vezes, não sei... ando sentindo essa necessidade de demonstrar como me sinto com Amber. 

— Uau, quanto sentimento! — a ironia preencheu minhas cordas vocais.

Ele pulou em cima de mim e me derrubou. Mas que saco! Juro que não o vi se preparando!

— Droga, Mid! Você tem que me ajudar! — ele suplicou enquanto mantinha-se sob meu corpo.

— Se você me deixar sair daqui eu ajudo, oras!

Ele me liberou e eu fui analisar a flor amarela.

— Por que não pede ajuda à Diamond? Ela é sua melhor amiga e aposto que entende disso.

Eu estava meio frustrada por não conseguir ser útil. Queria tanto ajudar Mike, mas nunca consigo fazer nada. Diamond sempre consegue fazer tudo, e eu só queria ser um terço do que ela é. Por mais que todos dissessem que eu tenho potencial, eu não consigo enxergá-lo.

— Diamond detesta Amber. — Mike riu. — Ela acha que Amber está roubando seu lugar ou coisa parecida.

Eu dei um sorriso amarelo a ele e voltei a me concentrar na flor.

— Ei, o que foi?

— Nada. E-eu só... — dei um longo suspiro para conter minhas lágrimas. — Diamond consegue fazer tudo o que quer com tanta facilidade. Ela ajuda a todos, e papai gosta tanto dela. Eu também amo Diamond, e queria ser como ela. É só que... Eu não consigo.

— Você não consegue porque você é você, Mid. Não a Diamond. — ele me abraçou. — Não tem que provar nada a ninguém. Nós te amamos por ser você.

Não aguentei mais. Soltei as lágrimas que tanto queriam correr por todo o meu focinho. Mike continuou me abraçando enquanto me acariciava. Ele era o melhor irmão que eu poderia desejar.

— A-apenas dê esta flor à Amber. — eu disse enquanto fungava. — Aposto que nunca deu nenhuma flor amarela, e irá combinar com seu pelo.

— Tem razão, Middy. — ele sorriu e lambeu minha bochecha. — Eu disse que você poderia me ajudar.

Ele arrancou a flor do chão de terra e saiu correndo para encontrar Amber. Ao sair de perto de mim, ele levou consigo toda a minha alegria.

Fiquei sentada olhando a grama se mexendo com as rajadas de vento. Parecia uma linda dança da natureza. Fechei meus olhos e senti a brisa também. Era como se meu pelo seguisse a grama, realizando os mesmos passos. Eu estava num estado tão calmo e tranquilo. Acabei encostando numa rocha que estava próximo a mim e fechei os olhos novamente.

Com um sorriso, fui me afastando da realidade.

— Midnight? — ouvi alguém chamar. Era uma voz tenra e suave, que entrou nos meus ouvidos com leveza.

— Midnight? — a voz chamou novamente. Dessa vez, abri meus olhos, e o que vi era inacreditável.

O lugar onde eu estava era irreconhecível. A terra era branca, parecia até coberta de neve. A grama era dourada, assim como as folhas das árvores. Eu não entendi o que estava acontecendo, então só sacudi minha cabeça repetidas vezes.

— Midnight, você finalmente está aqui. Se acalme. — era a voz, e ela vinha de uma grande loba alada de pelos dourados e brancos.

Espera... O quê?!

Era a Deusa Loba! Eu estava sonhado, afinal.

“Não me lembro de ter dormido... Mas não importa! Vou descobrir meu dom!” — pensei, e então me curvei diante da grande loba.

— Você não deve se sentir inferior diante de sua irmã, Midnight. É tão boa quanto ela.

Permaneci em silêncio. Eu queria acordar, mas ao mesmo tempo, queria ficar naquele lugar para sempre. Era tão silencioso e calmo.

— Como já espera, irei revelar sua virtude. Mas como é apenas uma filhote, não será diretamente. — ela disse. — Está destinada a grandes feitos, Midnight. Será grandiosa quando se tornar adulta. Mas enquanto isso não chega, terá que passar por grandes tragédias e decepções. Você não estará pronta para isso, mas infelizmente, não terá escolhas.

Eu não estava entendendo. Grandes feitos, mas grandes tragédias. Aquilo parecia ótimo, mas terrível. E eu estava com medo.

— Seus instintos a guiarão para as decisões corretas, mesmo que não pareça. Apenas confie neles. Quando tiver domínio sobre eles, saberá seu verdadeiro dom. Boa sorte até lá, Midnight. E não conte seu sonho a ninguém até que o momento chegue.

A Loba começou a desaparecer, o que significava que eu estava acordando. Mas eu ainda tinha muitas perguntas!

— Espera! Quando saberei qual é o momento?!

— Você apenas saberá.

E com aquelas palavras, eu acordei. Assustada e confusa, olhei ao meu redor; tudo estava como deveria estar: a grama — verde! — continuava a dançar com o vento, a terra continuava marrom, e as árvores estavam normais.

Respirei fundo e resolvi voltar à toca com normalidade. Mas como agir normalmente depois disso?

***

— Então, conseguiu ajudá-lo? — Moon perguntou com um sorriso assim que cheguei.

Eu ainda estava levemente perturbada, digamos assim, então demorei um pouco a responder.

— Ahn, é... Ele irá dar uma flor amarela.

Moon me olhou torto, como se dissesse “Você está estranha e eu sei disso. Conte o que houve.”

— Que bom que a princesa ganhou mais um presente. — Diamond grunhiu de dentro da toca.

Papai estava no pequeno relevo atrás de nossa toca, observando todos. Eu o observei e ele notou minha presença com um sorriso. Sorri de volta, e mesmo querendo contá-lo tudo o que aconteceu, mantive segredo e fui em direção à toca.

— Ei, irmã... Não se sinta inferior em relação à Amber. Ela não é melhor do que você. — usei as palavras da Deusa Loba em meu favor.

Diamond me olhou de um jeito diferente e me abraçou.

— No fundo eu sei disso. Mas ainda assim, é como se Mike estivesse me deixando de lado. — ela sussurrou em meu ouvido.

— Só tente não pensar assim, pois não é verdade. — sorri e saí da toca.

Eu me sentia diferente. O sonho com a Deusa Loba obviamente me mudou. Mas eu ainda me sinto incompleta.

Afinal, qual é meu dom?