Diamond

4 meses depois

— Já estamos chegando? — Mike perguntou impaciente.

O Sol estava se pondo, e nós estávamos migrando para Amethyst Mountain desde quando seus primeiros raios matinais surgiram no céu.

— Quase. — papai respondeu sem nem olhar para trás. Ele já havia respondido essa pergunta umas vinte vezes hoje.

Estávamos numa espécie de formação. Mamãe e papai liderando, eu e Mike logo atrás deles, Nix um pouco atrás de nós e Midnight bem ao fundo.

Midnight. Ela estava tão diferente desde... o acidente.

“Esqueça isso, Diamond.” — disse em pensamento e olhei para o céu, buscando alguma orientação.

— Vai demorar muito, mãe? — ela perguntou e eu dei uma olhadela para trás.

Por um momento, meus olhos puderam emergir naquele amarelo brilhante e ir mais fundo. Talvez eu até tivesse visto sua alma, se ela não tivesse desviado o olhar. Mamãe percebeu o pouco contato que tivéramos ali e apenas reforçou o que papai havia dito.

“Que cheguemos logo.” pensei. “Não suporto mais pensar em nosso antigo lar.”

 ***

— Aqui parece perfeito. — papai declarou. Havíamos chegado em Amethyst Mountain e ele procurava um bom local para estabelecer um território.

— Concordo, querido. Áreas de caça por perto, mas ainda assim, estamos afastados de territórios inimigos.

Os dois sorriram e começaram a demarcar o local. Logo nós, os filhotes já quase crescidos, começamos a marcar também. Cada um foi para um lado, pois assim terminaríamos mais rápido. O ponto de encontro seria a pequena caverna que encontramos.

Fiquei feliz por nos afastarmos. Ficar perto da Midnight estava me dando calafrios; parecia que ela ia avançar no meu pescoço a qualquer momento.

Permaneci um bom tempo marcando a área, solitariamente. O silêncio era agradável, de certa forma, mas eu estava um pouco cansada. Viajamos o dia inteiro. Eu sei que nós, lobos, nascemos para isso e estamos sempre em constante movimento percorrendo grandes distâncias e blá, blá, blá. Mas não significa que não sentimos cansaço após a atividade.

Quando finalmente conseguia sentir um odor forte o suficiente, resolvi parar. Com um suspiro, decidi então voltar. 

A caminhada até a caverna teria demorado menos se eu tivesse acelerado os passos. Mas acelerar pra quê? Eu iria apenas ver os mesmos lobos que vejo todos os dias naquela caverna. A diversão começaria apenas amanhã.

Sentei-me e fiquei observando a Lua. Eu poderia sair explorando tudo hoje, mas no meu nível de cansaço, eu duvido que andaria mais de alguns quilômetros. Já estava sendo um desafio chegar em casa, se é que podemos chamar assim. Me levantei e continuei a andar, mas resolvi correr. Só queria dormir um pouco depois de um dia tão cansativo.

Enquanto corria, minha mente viajou para Slough Creek.  No meio de tantos devaneios, quando voltei a realidade já estava praticamente no ponto de encontro. Pude ver três pares de olhos brilhantes. O mais brilhante pertencia ao papai, o que estava ao seu lado era de mamãe, e o terceiro era do Mike.

Ao chegar os três vieram me farejar. Aquilo foi estranho, mas resolvi ignorar.

— Só fiquei marcando por algumas horas, não é como se eu tivesse fugido. — revirei meus olhos.

— Ah, mas você sabe como eu me preocupo com você, maninha. — ele disse e pulou em cima de mim.

Mamãe e papai entraram na caverna rindo e murmurando algo como “Isso nunca perde a graça” ou “Velhos hábitos nunca mudam”.

— Saia de cima de mim, droga! — empurrei o peito de Mike com as patas dianteiras, mas pelo jeito, não estava surtindo muito efeito.

— Saia você de baixo de mim. — ele deu seu típico sorriso provocativo e eu me lembrei das milhares de vezes que ele disse essa maldita frase, então não pude deixar de sorrir também.

Por um milagre, meu último empurrão conseguiu afastá-lo, e eu saí da jaula.

— Rá! Parece que alguém venceu aqui! — estufei o peito.

— Não será para sempre. Aproveite, pois estou cansado. — ele lambeu minha bochecha e entrou na caverna também.

Olhei lá dentro e vi que mamãe já havia dormido, mas papai permanecia acordado ao seu lado, verificando tudo. Ele queria ter certeza de que Nix e Midnight iam chegar seguras aqui.

De repente, comecei a sonhar de novo. Mamãe e papai eram um belo casal, sempre unidos, não importa o que aconteça. Tenho orgulho que sejam meus pais, e de que somos todos família. 

Meus pensamentos carinhosos foram bruscamente interrompidos por uma cauda negra e peluda batendo na minha cara.

— Midnight, que agradável ver que você chegou bem. — disse com ironia.

— Pena que não posso dizer o mesmo. Pensei que você tivesse sido atacada por um urso, poxa. — ela olhou com desdém para trás, ergueu sua cauda e foi entrar na caverna.

Nix veio também. Ela sorriu com leveza e logo entrou junto à Mid. 

Fiquei pensando se deveria entrar ali. Até cogitei a possibilidade de dormir do lado de fora, mas do jeito que as nuvens cobriam a Lua, parecia que ia chover forte naquela noite, então conclui que seria mais sensato dormir lá dentro mesmo.

Entrei e senti a frieza das rochas percorrer a almofada da minha pata. Fui andando cautelosamente até encontrar um cantinho o qual pudesse dormir. Girei três vezes — velha mania — e me deitei.

Não demorou muito para que minhas pálpebras se fechassem.

 ***

 — Deixem de moleza e acordem logo! — ouvi uma voz bem animada para o meu gosto.

— Diamond, dá pra levantar?! — era mamãe. Certeza.

Abri meus olhos bem lentamente e lá estava ela com uma cara que dizia “Como ousa ainda estar aí deitada?”.

— Muito bem, muito bem, estou acordada. — bocejei e olhei ao redor. Papai tentava acordar Nix de todo o jeito, mas ela se recusava a ter de olhar para o Sol.

 — Onde estão os outros? — perguntei ao notar a ausência de Mike e Midnight.

— Foram explorar o local. — mamãe explicou. — Midnight acordou bem cedo e Mike levantou logo depois.

— Oh... Bem, então quero ir explorar também. Posso?

— Mas é claro, querida! Tente convencer sua irmã a ir com você.

Olhei para Nix, que lutava contra papai para sair da caverna e ir conhecer o local. Ela sempre foi a mais chata de se acordar.

— Eu não. Isso é com vocês. — dei uma piscadinha e saí da caverna.

A luz do Sol iluminou meus pelos e senti algo novo. Era uma sensação boa, como um abraço quente num dia frio de inverno. Algo... acolhedor.

Observei o horizonte, que parecia me olhar de volta, mas de forma desafiadora. Amethyst Mountain era um lugar novo, e eu queria investigar cada pedra. E, obviamente, conhecer lobos novos.

Farejei o ar e segui ao norte. Acabei chegando num lugar cheio de árvores secas, quebradiças e sem folhas.

— Definitivamente não há ninguém aqui. – disse e farejei o ar de novo.

Dessa vez, meus instintos me levaram a noroeste. Comecei a ver mais árvores e uma vegetação árida, porém relativamente alta. Então, senti um cheiro. Mas não era apenas um cheiro qualquer. Era o cheiro. O cheiro que eu estava buscando: um lobo!

Para confirmar minhas suspeitas e ver se o indivíduo era amigável, uivei de forma não ameaçadora. Aguardei por um tempo, e o lobo uivou de volta, dando a entender que eu deveria segui-lo.

Dei um largo sorriso e fui.