Mike

Corri animado para a toca. Mal podia esperar para dizer um belo “Rá! Eu avisei!” às minhas irmãs. Porém, comecei a pensar um pouco nas consequências desse meu ato impulsivo. Papai mataria aquelas duas pobres lobas? Isso não parece com ele.

Não. Ele nunca faria isso.

Ele iria saber os motivos de elas estarem vivendo ali, de forma escondida. Ao meu ver, elas não estão fazendo nada errado. Não roubaram nossa comida, então não vejo porque machucá-las ou expulsá-las.

Assim que fui chegando, comecei a gritar:

— Papai! Papai! Eu estava certo!

Ele estava distraído observando as meninas, que brincavam numa rodinha.

— Hã? Ah, você voltou, Mike. Estava certo sobre o quê?

— Há outros lobos vivendo aqui. — disse ainda ofegante. — Duas lobas, na verdade.

— O quê?! Como isso é possível? — ele arqueou uma sobrancelha enquanto me encarava. As garotas também tinham parado de brincar e passaram a prestar atenção em nós.

— Papai, fique calmo. — eu comecei a me preocupar com a sua postura. Ele estava muito irritadiço.

— Estou calmo. — ele tentou disfarçar. — Só quero saber como essas tais duas lobas conseguiram se esconder. Explique-me tudo, Mike.

Engoli em seco e contei toda a verdade. Disse que estava refletindo sobre tudo, pensando se eu realmente tinha visto os olhos verdes na floresta, e então tropecei num galho, caindo pra perto de uns arbustos, e pude notar a presença das lobas — uma adulta e uma filhote — envoltas por um forte odor de flores.

— Bem... Talvez se a mãe dessa Amber quiser, ela pode ajudar sua mãe a caçar e podemos tê-la aqui conosco. — papai se prontificou.

Eu não pude deixar de sorrir, e então comecei a pular de um lado pro outro, em sinal de felicidade. Minhas irmãs me olharam confusas.

— Parece que alguém está apaixonado. — Midnight disse rindo.

— Concordo! — Moony deu língua.

Logo as quatro estavam pulando também, dizendo que eu estava apaixonado. O que não é verdade; apenas estou ansioso para conhecer novos lobos. É chato ver os mesmos focinhos todos os dias.

— Meninas, quietas. — papai riu. — Fiquem na toca. Eu vou atrás das duas lobas, agora que sei como encontrá-las. Logo trarei notícias.

Assim, fomos para a toca novamente. Mas dessa vez, minhas irmãs não me fuzilavam com os olhos. Elas sorriam também, talvez animadas com a ideia de ter mais uma garota pro clube.

Elas começaram a tagarelar sobre como ia ser divertido ter mais uma filhote conosco, me fizeram perguntas sobre sua aparência, disseram que eu estava totalmente caído por ela (não é verdade! Eu mal a conheço!) e blá, blá, blá.

“Como elas conseguem ter tanto assunto?!” – eu me perguntava.

No fim, não queria mais saber a resposta. Queria apenas ver Amber de novo. Então dormi, e nos meus sonhos pude ver a loba dourada.

***

— Infelizmente, elas não podem se tornar parte de nossa alcateia. — papai explicou, depois de ir falar com Amber e sua mãe, Sonya.

Mamãe já tinha chegado e estava a par da situação. Mas naquele momento, eu nem ligava pro gordo caribu que ela havia trazido para nós.

— Por que não?! — eu questionei visivelmente frustrado.

— Sonya tem uma pata machucada, o que a impede de caçar presas grandes. — explicou. — E não podemos manter uma loba adulta e sua filhote aqui sem reforços para a caça. Sinto muito, Mike.

Eu abaixei a cabeça e bufei. Acho que mamãe percebeu minha chateação e se manifestou.

— Mas isso não significa que elas não possam continuar vivendo aqui! — ela sorriu para mim e para papai.

— Sério? Elas podem ficar? — eu fiz meu melhor olhar de filhote para convencê-lo a não expulsá-las. De repente, minhas irmãs começaram a suplicar sem parar, e todas fizeram seus respectivos olhos de filhote.

— Tudo bem, vocês venceram. — papai sacudiu a cabeça. — Não irei expulsar Sonya e Amber. Mas elas continuarão a viver como sempre viveram.

— Está certo! — exclamei e saí em disparada.

— Ei, aonde vai?! — ouvi Diamond gritar.

— Encontrar Amber! — respondi sem olhar para trás.

***

Amber

Ainda estou tentando descobrir como aquele filhote nos encontrou. Não que eu esteja reclamando nem nada, é muito bom na verdade! Sei que não poderei ficar com minha mãe junto à eles todo o tempo, mas agora posso ir brincar com eles se eu quiser! Bem... Isso se eles quiserem brincar comigo.

Minha mãe dormia tranquilamente, enquanto sua pata traseira estava apoiada num monte de grama. Ela feriu aquela pata numa luta, e infelizmente, não se recuperou. Isso a impede de andar ou correr por distâncias longas, algo natural dos lobos. Mas ela ainda consegue caçar pequenas presas, como lebres ou pequenos cervos.

Eu caço minha própria comida: ratos, pássaros que caem de seus ninhos, coelhos... Tudo serve para mim. Sabe, no fundo eu gosto disso. Me sinto independente, com uma certa liberdade.

Estava deitada, analisando a almofadinha da minha pata esquerda, morrendo de tédio. Eu não sabia se seria bem recebida pelos filhotes, então resolvi continuar com a minha mãe.

— Oi. — ouvi um sussurro vindo dos arbustos. Há alguns minutos atrás, havia um belo sorriso no meio daquelas folhas. Senti minhas bochechas queimarem ao me lembrar daquilo.

Sacudi minha cabeça para me concentrar na voz e respondê-la sem parecer uma idiota completa.

— Ahn... oi... Eu acho. — falhei na minha missão de não parecer uma idiota.

Então o ser falante saiu dos arbustos e eu senti uma sensação esquisita pelo corpo inteiro.

“É o dono do sorriso! Então ele é o Mike!” — disse em pensamento. O pai dele veio falar com minha mãe, e mencionou que seu filho havia nos descoberto, mas a tonta aqui ainda não tinha ligado os pontos.

— Sou o Mike. E sei que você é a Amber. — ele sorriu com simpatia. — Prazer.

Hum... fico feliz por não ter tido que dizer nada. Qualquer passo em falso e ele ia me achar cada vez mais idiota. Ele me farejou e eu o farejei de volta. Seu cheiro era basicamente uma fragrância da floresta. É difícil de explicar, mas era bom de sentir.

— E-então... O que o fez procurar minha companhia? — eu perguntei, tentando parecer uma filhote muito sábia e esperta, o que é exatamente o oposto de mim. Não estava mentindo; só queria causar uma boa impressão.

— Digamos que eu tenha quatro irmãs malucas e quero conhecer uma loba diferente. — ele sorriu enquanto rolava seus olhos castanhos.

— Sou uma menina também. Posso ser tão maluca quanto suas irmãs. — brinquei.

— Eu duvido muito.

Mike me fazia sentir estranha, mas no bom sentido. Toda vez que ele sorria, eu sentia minha barriga formigar e minhas bochechas queimarem. Ele era muito inteligente, e parecia saber de tudo um pouco.

— Quer fazer alguma coisa divertida? — ele perguntou.

— O que você considera divertido?

— Que tal caçar lebres? Sei um esconderijo muito bom delas, e como somos pequenos, aposto que conseguimos pegá-las!

Eu não tinha conhecimento de nenhum esconderijo de lebres, então assenti com a cabeça ansiosamente. Fui seguindo Mike pela floresta, até que ele fez um sinal para um buraco no chão.

— É aqui? — sussurrei.

— Aham. Fique bem onde está.

Mantive minha pose de estátua curiosa para saber o que ele iria fazer. Ele pôs uma pata dentro da toca das lebres, e de repente, dezenas delas pularam para fora. Mike rapidamente pegou uma pela nuca, e eu, totalmente confusa, demorei para entender que eu tinha que pegar uma também.

Vi uma que parecia distraída e saí correndo atrás dela. Mike foi me acompanhando, segurando sua lebre. Nós ríamos enquanto eu perseguia o pequeno mamífero, até que finalmente consegui abocanhá-lo.

— Isso foi a coisa mais divertida que eu já fiz! — eu sorri enquanto comia a pequena criatura.

Mike sorriu para mim, e então notei que ele já havia comido sua lebre, pois estava com outra coisa na boca. Era uma flor arroxeada.

— Você ainda não viu nada. — ele sussurrou ao colocar a flor sobre minha orelha.