Radius

Apenas tentava me focar em encontrar algo para dizer à frágil loba branca em minha frente. Suas patas tremiam um pouco, seu olhar estava distante, da mesma forma que sua mente provavelmente também estava. Decidi que o silêncio seria melhor. Nada que eu dissesse verdadeiramente ajudaria, então apenas tentei mostrar que estava ali. Lambi seu focinho e encarei-a nos olhos, vazios, contudo, cheios de lágrimas.

― Me desculpe por te fazer me contar tudo isso. – falei em tom baixo.  Me sentia, de certa forma, um intruso por saber essa parte da vida de Diamond.

― Tudo bem. Só preciso de um tempo para me recuperar. – ela fungou. – Eu iria te contar isso em algum momento. Está tudo bem.

Ficamos aconchegados por longos minutos. Não que eu me incomodasse. Ficaria ali até que ela se sentisse melhor. Era tão bom estar com Diamond novamente. Poder tocá-la, abraçá-la, simplesmente ouvir sua voz doce. Nunca tinha percebido como senti falta disso, até poder ter novamente.

Por alguma razão, um pequeno zumbido permanecia em minha cabeça. Desde que Diamond me contou toda sua história, algo continua estranho para mim. Moony era o nome de sua irmã, e Moon seu apelido. Moon. Pequenos flashes de quando era filhote surgiram em minha mente de forma brusca: eu e meu pai andando pelo território quando eu ainda era bem pequeno, até que esbarro com uma loba amarronzada. Outra filhote, da minha idade mais ou menos, que nunca havia visto antes.

“― Quem é ela, pai? – o pequeno Radius perguntava ao dar de cara com uma filhote, até então estranha em seu território.

― Oh. – foi tudo que saiu da boca de Jack. – Não planejávamos que isso acontecesse assim.

Então Amelia se aproximou dos três, carregando Liam em sua boca.

― Olá, querido. – a loba cumprimentou Jack. – Sim, sei que não te avisei, mas resolvi apresenta-los hoje. Simplesmente... sinto que deve ser assim.

Jack não contestou e lambeu sua bochecha, assim como acariciou a filhote. Radius e Liam trocavam olhares confusos. Haviam sido apenas os dois na ninhada, de onde aquela lobinha poderia ter aparecido? Não fazia sentido!

― O que está acontecendo? – Liam grunhiu. – Quem é essa loba?

A frágil filhote sentia-se acuada e permaneceu quieta, buscando abrigo nas patas de Amelia.

― Liam, Radius, quero que conheçam a nova irmã de vocês. – a bela loba disse. – Alguns lobos da alcateia já sabem da notícia, mas ainda vamos apresenta-la formalmente a todos. Seu nome é Moon.

Moon sorriu timidamente, ainda sem sair de perto de Amelia.

― Como assim? – Radius estava inquieto. Não havia raiva ou tristeza em seu tom, apenas curiosidade. Ele e Liam se aproximaram da filhote.

― Há alguns dias, vimos uma águia sobrevoar nosso território. Até que numa manhã, ela carregava um pequeno bebê nas garras. – Amelia se prontificou a contar. Jack apenas assistia, adorava o sorriso de sua companheira ao falar sobre aquilo. – Esse bebê era Moon. Ela o soltou no chão e voou de volta aos céus. Moon estava tão ferida, pobrezinha... Ainda é possível ver cicatrizes em seu pelo.

Os irmãos escutavam atentamente. Moon agora já estava ao lado deles, farejando-os.

― Não pude deixar de pensar que fora uma bênção da Deusa Loba para nós. Um bom presságio para nossa alcateia. – seus olhos castanhos ficaram marejados. – Eu e seu pai resolvemos ficar com ela, mas somente não sabíamos como mostrá-la a vocês, ou a toda a alcateia. Por isso nem todos sabem ainda.

Amelia tinha um sorriso genuíno em seu focinho, e olhava para Jack.

― O que acham? Gostariam de ter uma irmã? – o grande lobo perguntou gentilmente.

Radius e Liam se olharam. Uma pitada de nervosismo cercava os dois, mas por trás também havia uma grande euforia. Eram os únicos filhotes da alcateia – os dois únicos filhotes da primeira, e única, ninhada dos alfas. Uma novidade como aquelas era muito interessante!

― Parece legal! – Radius comemorou e Liam concordou com ele.

― Mais uma filhote para essa alcateia tão sem graça. – o pequeno disse e seus pais riram.

― Isso é ótimo! – Jack deu uma lambida em cada um dos três. – Logo iremos anunciar à alcateia. Brinquem por perto. – ele avisou e se afastou para conversar com Amelia e outros lobos.

Moon já se sentia mais à vontade e sorria perto dos machos.

― Então, de onde veio? – Liam questionou.

A mente da loba ainda estava muito confusa em relação a isso. Ela se lembrava de alguns acontecimentos, mas não com clareza. Talvez sua cabeça ainda não tivesse se adaptado à sua nova realidade. Mas ela sabia de onde viera, contudo, apenas suspirou.

― Realmente importa?

Os meninos deram de ombros e logo os três começaram a brincar juntos. A alcateia aceitou Moon de muito bom grado. Eles adoravam a presença da adorável, porém astuta, loba. E ela realmente se sentia feliz. Após semanas, conseguia se lembrar de todo seu passado perfeitamente. Mas estava tão bem ali...”

Moon era o nome de minha irmã. Eu sinceramente achava muito difícil tudo isso ser mera coincidência. O sumiço da irmã da Diamond e o aparecimento da minha... eram peças que se encaixavam tão perfeitamente.

A loba branca me encarava com curiosidade. Talvez já estivesse assim há um tempo, mas só saí de meu transe do passado agora.

― No que está pensando? – sua voz ainda soava chorosa, mas suas feições já se mostravam normais.

Remoí tudo em minha cabeça mais uma vez. Fazia tanto sentido. Já fazia um bom tempo que não tinha nenhum contato com Moon – um ano, desde que fui para Slough Creek, visto que de vez em quando encontrava com ela, quando ela saía do território, por exemplo. Às vezes eu mesmo a chamava.

Fazia sentido demais. Elas eram a mesma loba. Tinham que ser. Isso era muito estranho, no entanto, muito gratificante.

― Radius? – Diamond me chamou.

― Princesa, preciso te contar algo também. – falei. – Mas quero que respire fundo e escute com muita atenção.

Ela franziu suas sobrancelhas e pude sentir sua inquietude.

― Calma.

― Apenas me diga... O que é?

Não sabia se ela estava pronta para toda essa informação justo agora, mas seria uma droga atiçá-la assim para não contá-la hoje.

― Eu tenho uma irmã chamada Moon. Uma águia a deixou em nosso território quando eu era um filhote. Minha mãe ficou tão surpresa e feliz, acreditava ser um presente dos céus. Ela contou que a loba estava muito machucada, e quando a conheci ela realmente tinha algumas cicatrizes. Enfim, ela nunca falou sobre seu passado, mas acho que você sabe onde quero chegar.

― Oh, meu Deus... Será que Moony... – Diamond estava de pé, andando em círculos. Podia sentir seu nervosismo de longe. – Poderia mesmo ser?

Seus olhos revelavam tanta esperança, junto à tanta tristeza e mágoas.

― Eu realmente acho que sim. – suspirei. – Tudo isso... não é possível que seja apenas uma grande coincidência.

Sua respiração estava ofegante.

― Sua irmã. Me leve até ela. Por favor.

― Realmente quer fazer isso, quero dizer, agora? – questionei. Entendia o motivo da pressa, mas ainda assim queria que ela se tranquilizasse um pouco.

― Sei que parece impulsivo... – ela começou a dizer mas eu a interrompi.

― Não, está tudo bem. Apenas respire um pouco e iremos.

Diamond assentiu com a cabeça, um tanto perturbada.

― Ela vive em sua antiga alcateia, certo? – sua voz saiu baixa.

― Sim. Nós ainda nos falávamos um pouco mesmo depois de termos saído, apenas não te falei sobre ela porque... sinceramente, não sei. Talvez um dia eu acabasse dizendo uma coisa ou outra sobre ela pra você, mas... Bom, as coisas aconteceram.

― É, eu sei.

― No entanto ficamos um longo período sem nos falar. – divaguei sobre esse um ano que fiquei fora. Tomara que ela não esteja brava comigo. – Espero que ela continue por lá.

― Há alguma chance de que ela não esteja? – a loba branca ganiu.

― Acho que não, na verdade. Ela gostava muito de viver conosco. Não vejo motivos para ter saído da alcateia.

Um suspiro saiu da boca de Diamond. Sua cauda não parava de se mexer, a ansiedade estava presente no ar, qualquer animal por perto sentiria. Estava um pouco assustado, contudo. Ainda existe uma pequena chance de que seja tudo uma grande pegadinha do destino, e que eu tenha elevado as expectativas de Diamond por nada. Ela estava quieta, fitando o chão e cavando-o levemente com as patas. De algum, jeito ela se acalmava aos poucos.

― Vamos. – ela chamou.

Havia sido uma caminhada não muito longa, mas sim estranha. Eu e Diamond estávamos nervosos e isso nos manteve calados por todo o percurso. Não corríamos, mas não andávamos em ritmo de passeio. Como estava liderando, de tempos em tempos virava-me para trás apenas para checar em como ela estava. Suas feições estavam difíceis de compreender, então só continuava seguindo o caminho.

― Chegamos. – anunciei e comecei a andar mais devagar. Estávamos bem próximos às margens do território de minha velha alcateia. Rezava para que não houvessem lobos patrulhando. Não que eu não pudesse entrar. Apenas seria uma situação um tanto... desconfortável. Situação que venho evitando há um longo tempo.

― E agora?

― Vou tentar me aproximar mais e chamar Moon. – expliquei. – Fique por aqui. Caso aconteça alguma coisa se afaste, ok?

― Que tipo de coisa pode acontecer? – ela se sentou. – Sua saída não foi amigável, mas seu pai é o líder da alcateia!

― Sim, eu sei, princesa. Apenas... fique.

― Tudo bem.

Sorri e lambi seu focinho. Caminhei por entre as árvores com as orelhas eretas. Precisava ficar atento a tudo em minha volta. Então encontrei o local onde eu e Moon costumávamos nos encontrar. Soltei um uivo bem específico e meio baixo, nada ameaçador e mal parecia um som de lobo. Era como se fosse um código nosso. Uivei mais uma vez e fiquei esperando. Se demorasse demais era sinal de que ela não estava ali, mas poderíamos tentar novamente amanhã.

Ouvi alguns passos apressados às minhas costas e virei-me rapidamente, mas era só Diamond, que possuía um olhar culpado. Suspirei por vê-la ali. Sei que era difícil ficar sozinha esperando, mas temia que tudo desse errado e ela se machucasse fisicamente.

― O que te pedi?

― Eu sei, desculpa... – suas orelhas se abaixaram. – Não consegui ficar por lá.

― Tudo bem. Mas silêncio. – abanei a cabeça e acariciei seu focinho.

Ela se sentou e pude ouvir uma resposta ao meu uivo – era Moon.

― É ela? – Diamond estava ansiosa novamente. – Que uivo esquisito.

― Sim. É nosso código. – dei de ombros e sorri.

Fiquei ao lado dela e a tentei confortá-la enquanto esperávamos. Acariciava-a com meu focinho numa forma de deixa-la mais tranquila, parecia estar funcionando. De repente, passos leves podiam ser ouvidos, mesmo sendo quase inaudíveis.

E de trás das sombras, uma loba castanha e bege surgiu.