Diamond

Segui aquele uivo harmonioso por alguns quilômetros. Enquanto andava, fui reparando no local. A terra era bem seca, mas dela brotava uma grama alta. Em alguns lugares mais distantes, notei a presença de árvores com folhas amarelas bem bonitas, que se destacavam em relação ao céu azul.

Constantemente eu farejava tanto o chão quanto o ar, na busca por outro cheiro, mas não encontrei. Logo concluí que aquela região não pertencia a nenhuma alcateia.

Aos poucos o cheiro foi se tornando mais forte, e pude ver um lobo alaranjado andando em círculos, parecendo impaciente. Ele então uivou rapidamente, e me alegrei ao ver que ele era o lobo que eu buscava.

Aumentei minha velocidade e cheguei até ele. Suas garras eram notáveis, e seu pelo me lembrava um belo pôr do sol. Seus olhos eram castanho-esverdeados, realmente únicos, e me hipnotizaram assim que os vi.

— Ah, então era você! — ele pulou e sorriu pra mim. — Tenho que admitir que seu uivo é muito bonito.

Apenas dei um riso envergonhado. Senti minhas bochechas queimarem, e isso me deixou meio desconfortável.

— Sou Radius. — ele abanou a cauda e se aproximou. — Qual o seu nome, branca?

— Diamond. — disse pensando no quão fofo soou sua voz me chamando de “branca”. — Meu nome é Diamond.

— É um belo nome. — ele me fitou de cima a baixo. — E bem sugestivo também.

Encolhi as orelhas. Por que eu estava me sentindo assim? E que sensação era essa?

— Bem Diamond, tenho certeza que você não é daqui. De onde veio? Você tem alcateia?

— Vim de Slough Creek. — me arrepiei só de pensar no lugar. — Vivo com minhas duas irmãs, meu irmão e meus pais. Não é a maior alcateia do mundo, mas... é boa para mim.

Ele sorriu e se aproximou ainda mais. Fiquei nervosa.

— E-ei! O que está fazendo?

— Calma, eu não mordo! — ele fez uma careta adorável. — Só ia sentir seu cheiro com mais precisão.

— Ah...

Deixei que ele me farejasse, e eu o farejei de volta. Seu cheiro me lembrava pinhas. Pinhas e grama molhada.

Acredite, essa é uma combinação muito boa.

— E você? Tem alcateia? — era minha vez de perguntar.

— Tenho, mas digamos que eu e eles não estamos num momento de confraternização. — ele rolou os olhos. — Enfim, isso não importa. Já conhece todo o lugar?

— Na verdade, não.

— Bom, eu poderia lhe mostrar! Conheço cada cantinho, vai ser divertido.

— Poderia até ser, mas acho que não tenho tempo. — ele abaixou as orelhas assim que as palavras saíram da minha boca. — Talvez pudéssemos apenas conversar, que tal?

— Está certo, está certo. Conte-me sobre você, então. — ele fez um olhar provocativo que me deixou inquieta.

Com um sorriso bobo, comecei a contar algumas coisas a meu respeito; as mais básicas, obviamente. Não se pode sair contando seus maiores segredos à um estranho. Por mais bonito que ele seja. Depois de alguns minutos de uma história sem graça, fechei a boca. Radius entortou a cabeça e se deitou de lado.

— Quero ser como seu irmão. — ele falou do nada, o que me deixou muito confusa.

— Quê?

— Você disse que ele sempre te protege, como se você fosse o mais precioso dos tesouros. — ele se levantou e olhou nos meus olhos. — Sei que mal nos conhecemos, mas você parece ser uma loba muito gentil. Acho que quero te proteger também.

Uau.

Naquele momento eu estava flutuando, saltando de nuvem em nuvem, sentindo algo estranho dentro de mim. Mas no bom sentido. Por que não viemos para Amethyst Mountain antes?!

— Você pode fazer isso, se quiser. — eu disse tentando controlar minhas emoções desconhecidas. — Mas não hoje. Tenho que voltar.

— Ah, mas que chato. — ele bufou. — Bem, vou querer te ver de novo.

— Não se preocupe, pode ter certeza que vai. — eu dei uma risadinha.

Os olhos de Radius estavam com um brilho que eu nunca havia visto em nenhum outro lobo. Era encantador.

— Tchau, princesa. E não demore para voltar.

Espera. Ele disse...

Princesa?!

— Princesa? Sério?

— Do jeito que você é protegida parece ser uma princesa. — ele explicou orgulhoso. — Então é assim que vou te chamar. É melhor que branca.

Eu franzi o cenho tentando entender a ironia que surgia ali e ri baixo, para que ele não me achasse ainda mais idiota do que já aparentava ser.

— Tchau, Radius. — eu disse rindo e comecei minha caminhada para voltar pra casa.

Pela primeira vez, gostei de ouvir a palavra "princesa". E estou começando a gostar dela cada vez mais.

***

O caminho para casa havia sido monótono. Acho que depois que você se depara com uma coisa tão incrível fica difícil retomar sua vidinha sem graça.

— Garota, por onde esteve?! — Mike arqueou a sobrancelha assim que cheguei.

— Você pode explorar e eu não?

— Claro que pode. Você explorou o quê? — ele desafiou.

— Uma região a noroeste daqui. Encontrei um lobo lá e ficamos conversando. — falei enquanto entrava na caverna.

— Um lobo, é? Papai não vai gostar disso. — Mike bufou. Parecia que ele também não gostava.

Nix estava na caverna comendo uma lebre. Fiquei me perguntando se ela havia saído apenas para capturar o pequeno animal.

— Falando no papai, onde ele está? — me dirigi a minha irmã.

— Ele e mamãe saíram para caçar. — ela explicou. — Ah, e Midnight ainda não voltou de sua exploração.

Olhei para Mike como se dissesse “Ora, ora, parece que alguém ainda não voltou, e aí?”

— Ela não está conhecendo lobos por aí.

— Ah, claro. — grunhi.

— Mas é sério. Não quero você perto de outros lobos. Você é minha irmãzinha. — ele me abraçou.

— Sou a sua irmãzinha que vai te morder! — gritei e o derrubei no chão.

Ficamos lutando amistosamente — sei que há muita controvérsia nisso – até que papai chegou carregando um cervo.

— Vocês querem parar com isso? Não são mais aqueles pequenos filhotes. — ele deu bronca e paramos no mesmo instante, porém ainda trocando olhares que pediam para continuarmos lutando.

— Onde está a mamãe? — Nix perguntou.

— Ela foi tentar localizar Tex e Jinx. Vocês provavelmente não se lembram deles.

— Não, não lembramos. — Mike falou por nós.

— Tex é primo de Julie, e Jinx é sua companheira. Eles vivam conosco, quando vocês ainda eram muito jovens, junto de seus dois filhotes, Doug e Loki, que já tinham um ano. Quando vocês completaram um mês, eles foram embora.

De repente, as memórias começaram a invadir minha mente.

Lembrei da inteligência de Doug, do carisma de Tex, da beleza de Jinx e dos momentos que eu tive com Loki. Era tão estranho como minha cabeça fora inundada pelas lembranças. 

— Ah, acho que me lembro! — Nix anunciou. — Vai ser bom se os vermos novamente.

— Também acho. — concordei.

Papai somente me fitou por algum tempo e pigarreou. 

— Mudando de assunto, o que acharam do lugar? — ele perguntou com um sorriso, enquanto mastigava o coração do cervo com prazer. — Fizeram muitas descobertas?

— Mal posso esperar para caçar! — Mike exclamou animado. — Sou quase invisível aqui!

— Tem muitas lebres. — Nix fez uma carinha fofa. — Então acho que gosto daqui.

Papai riu do comentário e olhou para mim.

— E você, Diamond?

Mike me fitou e riu em silêncio. Então foi pegar um pedaço de carne.

— É um belo lugar. Quente, mas bonito. — eu disse enquanto olhava o teto da caverna. Pude notar que papai estava sorrindo. — E eu conheci um lobo.

Assim que eu terminei a frase, seu sorriso desapareceu.

— O quê?

— Sem ofensas, mas eu realmente precisava ver um focinho novo. — rolei os olhos.

— Fale dele.

— Seu nome é Radius e ele é legal. Fim.

— Fale mais! — ele vociferou.

— O que quer saber?! Quantos pelos ele tem? O formato das almofadinhas de suas patas? — eu o questionei, alguns decibéis fora do aceitável.

— Não fale assim comigo. Quero saber se ele tem alcateia.

— Sim, ele tem. Mas está mais para um lobo disperso.

A essa altura, Mike e Nix estavam bem distantes de nós, apenas observando a discussão que ali se formava.

— Não vai mais encontrar com ele. — papai declarou. — Um lobo assim não deve ser confiável. 

— Não pode me impedir! Não é justo! — rosnei.

— Sim, eu posso. Tanto que já fiz. Não sai mais daqui sem mim ou um de seus irmãos. — ele latiu.

“Não, não, não! O que fazer?!” — eu tentava bolar um plano.

Depois de alguns milissegundos, uma ideia surgiu. Era hora de mudar de estratégia; tentar ser a loba rebelde não funcionaria aqui.

— Papai, por favor! Não sou mais um bebê! — deitei no chão de barriga para cima, demonstrando toda minha submissão. — Confie em mim! Me deixe sair sozinha. Prometo que nunca mais encontro com Radius.

A última frase pareceu ter convencido ele.

— Está certo. — ele cerrou os olhos. — Agora vá comer. E que não falemos mais disso.

— Fechado. — dei um sorriso, e ele sorriu de volta.

Mal ele sabia que aquele era, infelizmente, o sorriso mais forçado que eu já havia dado.