O Tempo que Leva escrita por Bruna Guissi


Capítulo 2
Onde o Amanhã Reluz


Notas iniciais do capítulo

Fala galera!
Segundo capítulo do desafio pra vocês!
Shiny happy people – R.E.M



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O metrô é algo tão fácil de usar, sério. Você passa um cartão, entra pela catraca e espera a linha que mais te convém. Mas esse não é o lado bom da coisa. O lado bom é que não tem aquele sol escaldante nos ombros, e nem aquele insistente cheiro de axila suada que os ônibus tinham. Infelizmente, para ir para casa dos meus pais o ônibus era mais prático.

Algumas semanas antes teria adorado visita-los. Estaria com meu noivo, que minha mãe amava, e ela viria toda serelepe falar de um casamento que, graças a deus, nem data marcada tinha.

Caminhei alguns poucos minutos até chegar à rua deles.

Eu costumava adorar aquela praça na frente de casa, mas hoje, além de lembranças inconvenientes, elas traziam casaizinhos felizes e amando. Ugh! A praça dos namorados. Gente, poderia algo ser mais inconveniente? Uma música me ocorreu na cabeça.

Shiny happy people laughing

(Pessoas ilustres e felizes rindo)
Meet me in the crowd

(Encontre-me na multidão)
People, people

(Pessoas, pessoas)
Throw your love around

(Espalhem seu amor envolta)

Com meu bom humor arruinado, poria fogo nessa aura amorosa.

Throw your love around

(Espalhem seu amor envolta)
Love me, love me

(Ame-me, ame-me)
Take it into town

(Levem-o para cidade)
Happy, happy

(Feliz, feliz)
Put it in the ground

(Plantem-no no chão)
Where the flowers grow

(Onde as flores crescem)
Gold and silver shine

(Ouro e prata reluzem)

Shiny happy people holding hands

(Pessoas ilustres e felizes dando as mãos)

Ah, é! Tenho de contar o que houve para meus pais. Mais uma tarefa agradável no meu dia delicioso!

Eu não podia reclamar, a noite passada fora muito boa. Avalon nos deixou em casa, o que foi ótimo, mas acordei hoje de novo com aquela sensação incômoda de solidão. Não fazia nem dois dias. Estava muito cedo pra eu me lamentar de solidão.

Shiny happy people holding hands

(Pessoas ilustres e felizes dando as mãos)
Shiny happy people laughing

(Pessoas ilustres e felizes rindo)

Everyone around love them, love them

(Todos em volta os amam, os amam)

Ah, mas eu já estou começando a ficar cheia dessa música! Some! Some!

Balancei a cabeça antes de tocar a campainha, ignorando a música na minha cabeça. Eles abriram a porta com um enorme sorriso, chamando-me para entrar. Minha mãe teve a delicadeza de me oferecer água antes de me afogar em perguntas.

–Onde está Phelipe, Mikaela? – perguntou minha mãe, com um sorriso esperançoso – Adoraríamos vê-lo de novo. Quando vão marcar a data desse casamento, aliás?

Put it in your hands

(Ponham-no em suas mãos)
Take it, take it

(Peguem-no, peguem-no)
There's no time to cry

(Não há tempo para chorar)
Happy ,happy

(Felizes, felizes)

Eu dei um sorriso duro.

–Deixa a menina respirar, Adriana. – disse meu pai, gentilmente. Deu-me um abraço e sentou-se ao lado da minha mãe no sofá – Conte-nos, e a faculdade?

–Ainda estou de férias. – expliquei, grata por não ter de falar tão já no assunto – Mas está indo muito bem. Como estou no último ano, já posso começar a fazer estágio, e o Chef do restaurante em que trabalho disse que posso começar lá, assim que as aulas voltarem. – dei um sorriso tímido – Ele falou com o dono.

–Isso é ótimo, filha! – disse meu velho, com um sorriso doce. Suspirei. Minha mãe não esperou ele respirar após terminar a frase para perguntar novamente.

–E Phelipe, filha? Por que ele não veio com você? – Ah, mãe, eu te amo, mas a gente precisa ter uma conversa sobre seu timing.

–Na verdade é por isso que vim hoje. – disse olhando para o copo d’água em minha mão – Phelipe e eu não estamos mais juntos.

Put it in your heart

(Ponham-no em seu coração)

–Oh! – suspirou minha mãe desapontada, com uma mão na frente da boca aberta em “O”. Respirei fundo. Meu pai olhou para mim com a expressão mais séria. Sabia que eu não explicaria.

–Espero que esteja bem, filha. – disse pegando uma de minhas mãos. Eu sorri de leve – Sabe, as coisas melhoram. – completou ele.

Minha mãe acenou concordando.

–Vou trazer o bolo de chocolate. – anunciou, como se aquilo fosse curar minhas dores. Eu não consegui segurar o riso.

–Obrigada.

Meu pai ainda me encarava seriamente.

–Vou ficar bem, pai. – garanti quando minha mãe já não estava mais na sala.

–Eu sei que vai. – disse ele – Só espero que não faça o que está querendo fazer.

Eu encarei seus olhos esverdeados, confusa.

–Não se feche mais ainda, Mikaela. Você, mais do que eu, não é o tipo de pessoa que partilha dor. Espero que não transforme isso em rancor. – disse em tom baixo, para que minha mãe não escutasse.

–Ficarei bem como sempre, senhor Steve. – anunciei baixinho, franzindo o rosto em teimosia. Ele beliscou meu nariz.

–É disso que tenho medo. – sussurrou, agora que minha mãe trazia pratos, talheres e uma travessa com o bolo – Mas o bolo todo, Adriana? Depois me diz que preciso emagrecer. – reclamou ele, batendo na volumosa barriga.

–Não precisa engolir o bolo todo! – respondeu ela, apontando a faca serrilhada para ele – E o bolo é para Mikaela, não você!

Eu revirei os olhos. Além de mim, eles tinham mais dois filhos. Minha irmã mais velha, que já era casada e morava em outra cidade a algumas horas daqui, e uma irmão mais novo, que fazia faculdade em uma terceira cidade. Todos espalhados por aí. Quando meus pais recebiam visitas ficavam num alvoroço sem limites.

Fiquei mais algumas horas lá quando decidi que já era socialmente aceitável sair. Minha mãe me deu um beijo ao pé da porta, e voltou para a sala para recolher a louça largada lá. Meu pai ficou mais uns instantes.

–Pode falar. – incentivei, já sabendo que ele iria falar de qualquer jeito.

–Não fique ressentida. Guarde isso onde possa aprender, e não se esconda do mundo. As coisas tendem a melhorar. – com um sorriso doce no rosto, se despediu.

Where tomorrow shines

(Onde o amanhã reluz)
Gold and silver shine

(Ouro e prata reluzem)

Assim espero. Voltei o caminho pelo mesmo caminho, decidida a ignorar os casais da praça, que agora diminuíam de número.

Shiny happy people holding hands

(Pessoas ilustres e felizes dando as mãos)
Shiny happy people holding hands

(Pessoas ilustres e felizes dando as mãos)
Shiny happy people laughing

(Pessoas ilustres e felizes rindo)

Balancei a cabeça. Tinha que pensar em outra coisa! Tinha de trabalhar, trabalhar!

Cheguei em casa um pouco antes das quatro, com tempo de sobra para comer algo de meu próprio preparo. Tomei um banho, e comecei a mexer na cozinha. Fui interrompida quando o telefone fixo tocou.

–Sabia que estaria em casa agora! – disse a voz alegre do outro lado da linha. Revirei os olhos; não sabia se aquilo era bom sinal ou não.

–Valentina, diz aí. – cumprimentei.

–Nós vamos passar aí, pode ser? – disse com a voz animada. “Nós” queria dizer ela e Sansa. Suspirei de leve.

–Eu deixar ou não nunca impediu vocês, não é mesmo? – disse alfinetando, mas estava feliz por ela ter ligado – O que vão querer comer? Posso fazer alguma coisa antes de estar muito atrasada para o trabalho. – ofereci.

–Bolo com sorvete. – pediu – E no fim de semana quero peixe! – exigiu a voz de Sansa ao fundo. Eu conseguia ouvir o ruído baixo de música e vento.

–Vocês estão vindo? – dei risada, assim como as outras duas do outro lado da linha – Está bem. Eu já comprei o salmão, de qualquer jeito. Vocês trazem o sorvete. Um pote bem grande, de preferência.

Pude ouvir o gritinho de vitória de Sansa pelo fone.

–Avisa que vamos subir. Em quinze minutos chegamos, ok? – exigiu minha prima, sem esperar que eu respondesse – Até!

Dei risada. Nada segurava o pique dessas duas, nem muita corrente.

Comecei a trabalhar na massa; seria um bolo branco e quente, então joguei pedaços de chocolate no meio da mistura para que derretessem no meio da assada. Coloquei no forno e armei o timer.

Quando estava terminando a cobertura, a campainha do corredor tocou. Gritei para que entrassem, e vi as duas jogando os sapatos ao lado da porta antes de chegarem à cozinha.

–Chocolate trufado! – anunciou Sansa, levantando o pote de sorvete acima da cabeça antes de colocar no freezer da geladeira – Vai demorar muito? – adicionou, virando-se para mim de novo. Pegou um copo de água antes de sentar.

Valentina já estava acomodada do outro lado do balcão, colocando alguma música no celular para tocar. Revirei os olhos para impaciência de Sansa, o que fez ela rir.

–E o que conta de novo, Mika? – perguntou Valentina, olhando agora para a cobertura que eu despejava em um pote. Suspirei, deixando os ombros caírem. Decidi retirar o band-aid de uma vez.

–Phelipe e eu não estamos mais juntos. – disse dando de ombros. Sansa cuspiu um pouco da água. Virei para ela, com cara de quem diz “Sério mesmo?”.

Valentina permaneceu boquiaberta por uns segundos antes de perguntar:

–Mas como assim?

Olhei meio desanimada para elas. Tudo bem, eu não estava tão aliviada assim quanto ao término. Levei alguns minutos para explicar o ocorrido, e as garotas faziam caras e bocas enquanto eu contava. Eu sei!, queria dizer. Também acho uma merda!

–Mas como assim indiferente? – quis saber Sansa – O que ele quer, um consolo? – disse indignada, tirando uma risada escandalosa de Valentina. Balancei a cabeça, cansada do assunto.

–Eu não sei; aparentemente eu não demonstrava que gostava dele, e blá, blá, blá! – disse irritada, atirando o pano de prato na pia. O timer do forno tocou.

–Ih, esses caras de hoje andam muito apegados pro meu gosto. – comentou Valentina, apoiando o queixo no punho – Esquece, Mikaela. Você acha melhor, tenho certeza. E enquanto não acha, balada está aí pra isso.

Sansa acenou concordando vigorosamente. Peguei o bolo e servi alguns pedaços com generosas bolas de sorvete. Para finalizar, a cobertura ainda quente. Ah, eu amo comer!

Começamos a comer em silencio, como se uma alma tivesse morrido ali. A minha, provavelmente.

–Não é como se não gostasse dele. – quebrei o silêncio, refletindo. Eu realmente gostava dele. Só não sou o tipo de pessoa que demonstra isso em público. – Realmente não sei o que fiz de errado. – dei de ombros, meio derrotada.

As duas se entreolharam, como se conversassem em silêncio.

–Amiga, as coisas melhoram. – disse Sansa, agora com menos humor – E eu nem gostava tanto dele assim. – falou com uma mão no meu ombro direito, tentando me animar. Ri de leve.

–Vocês não têm preço. – comentei.

Terminamos de comer, combinando que horas elas deveriam vir no fim de semana. “Vão me ajudar a cozinhar.” informei quando Valentina fez questão de jogar um horário muito tarde. Ela suspirou, concordando.

Peguei os pratos e olhei para o relógio. Cinco e vinte! Merda! Seria difícil chegar no horário indo de metrô. Olhei sugestivamente para Sansa. Ela riu e se ofereceu para dar uma carona.

–Óbvio que aceito! – disse dando risada, enquanto terminava a louça – Não basta cozinhar para vocês, tenho que me atrasar para o trabalho também?

Troquei de roupa rapidamente, e peguei minhas coisas e um livro antes de trancar a porta.

Como sempre, uma viajem de carro com elas era sempre animada. Colocaram música barata alta, o que sempre me fazia rir, e abaixaram os vidros.

Levou poucos minutos para que chegasse ao restaurante, com cerca de quinze minutos sobrando. Ah, como eu queria um carro! O tempo que esse objeto economiza em uma viagem é ridiculamente grande.

Sansa buzinou de leve antes de sair. Era a última semana dela de férias, e Valentina fazia questão de aproveitar esse tempo com ela. Dei um sorriso antes de entrar no restaurante.

Ainda tinha um tempo antes que o lugar abrisse, então sentei em uma das mesas e peguei um livro de receitas que estava lendo na bolsa. Não fiquei cinco minutos lendo, quando o Chef da cozinha, Marion, me chamou.

–Sim, Chef? – perguntei em tom curioso. Normalmente há essa hora ele estaria preparando as massas para cozinhar antes de o restaurante abrir.

–Mikaela, preciso que me faça um favor, embora eu saiba que vá aceitar. É muito importante. - disse ele, com aquele sotaque meio francês, me observando com olhos animados.

–E o que seria?

–Preciso que substitua nosso Sous-chef hoje à noite. – disse com expectativas. Eu comecei a balançar a cabeça negativamente. – Você dá conta, Mikaela. Sei disso, te treinei bem.

Respirei fundo. E agora? É realmente uma chance de ouro, e posso não ter mais nenhuma, mas ser Sous-chef era muita responsabilidade. Muita. Marion olhou para mim como quem sabe o que estou pensando.

–Então sim? – disse meio que risonho – Sabe, Richard foi despedido, e essa é sua chance de provar ao ilustríssimo dono que pode fazer direito.

Richard foi despedido?! Isso significa que teriam de achar um novo Sous-chef! E não era só para hoje; era pra valer!

–Mas por que não escolheu algum de seus cozinheiros? – sussurrei, sabendo que já aceitava sua proposta – Eles com certeza têm mais experiência, e não devem estar muito felizes com o fato de que...-

–Eles não tomam essa decisão por mim. – disse me interrompendo – E não possuem metade do seu talento, ou um milésimo de sua dedicação. Agora tire esse meio avental e coloque um digno de Sous-chef. Espero que seja para ficar. – disse sorrindo.

Ele voltou para a cozinha, me deixando anestesiada no mesmo lugar. Sous-chef! Ah! As coisas podiam mesmo melhorar. E se tudo desse certo, amanhã seria um dia bem melhor!

Happy happy

(Feliz, feliz)
Put it in your heart

(Coloquem-no no seu coração)
Where tomorrow shines

(Onde o amanhã reluz)


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!
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Um abraço e um cheiro!



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