GAAH

Dessa vez, me cobri até a cabeça com o lençol para me livrar dos mosquitos (ou carapanãs, como chamam aqui), mas isso não foi o suficiente. Dona Elle me deu até um creme especial para meu tipo de alergia que amenizou um pouco minha coceira, mas isso não manteve esses malditos insetos longe de mim por muito tempo. Meu sangue realmente deveria ser muito doce!

Quando o galo cantou logo de manhã parecia que eu tinha um peso enorme em cima das minhas costas. Meu corpo todo doía e minha vontade de levantar era zero. Não estava mais acostumado a dormir tarde e acordar cedo. Por outro lado, queria levantar logo para saber se Jade estava bem, ainda estava preocupado com o machucado. Estas eram escolhas muito difíceis. No fim, minha vontade de ver minha namorada foi maior.

Desci as escadas para o café da manhã e vi que por obra de algum milagre de Deus ela já estava acordada, sentada a mesa da cozinha.

– Vó, eu estou com a PERNA machucada, não a mão! Posso muito bem levar a colher até a boca sozinha! – reclamava.

– Não, não, querida, a vovó faz questão de dar comidinha pra você, meu amor! – a avó mergulhava a colher funda no mingau de aveia e enchia a boca de Jade com aquela gororoba enquanto ela tentava protestar.

Mais uma vez dona Lurdes vestia roupas um tanto quanto espalhafatosas. Eu posso não ser especialista em roupa (ou mulher) mas até mesmo eu sabia que usar uma blusa verde e rosa com uma calça dourada e colada não combina de jeito nenhum. Ainda mais em uma pessoa idosa.

Percebi que não havia mais ninguém além delas duas e minha sogra, que cantarolava uma musiquinha enquanto cozinhava algo no fogão. O que quer que fosse que estava na panela, não cheirava nada bem.

– Bom dia! – eu disse cumprimentando-as e tentando não respirar fundo.

Jade emitiu um som que parecia algo como “Bom dia, Gaah” mas sua avó logo a repreendeu dizendo para não falar de boca cheia.

– Você está tentando me matar engasgada, é isso? Porque é o que está parecendo... – ela retrucou depois de engolir.

– Bom dia, querido! – Dona Elle disse estranhamente feliz. – Como foi sua noite?

– Podia ter sido pior... o que está fazendo? – perguntei curioso ainda sem respirar muito fundo perto da panela.

– Almoço... hoje teremos visita, estou tentando impressionar... – ela sorriu nervosamente.

– Minha filha, se você está tentando conquistar Josh pela barriga, vou logo dizer que isso não vai adiantar... – a avó riu.

– Realmente, é bem capaz de ele ficar impressionado, mas não do jeito bom... – Jade riu junto.

– Parem vocês duas... – disse minha sogra parecendo chateada - estou fazendo tudo que posso e... – ela foi interrompida por um grito e por passos rápidos de alguém descendo as escadas correndo.

Megan correu desesperada na direção da cozinha e se agarrou a primeira pessoa que estava em seu caminho: eu. Ela me apertou como se eu fosse um ursinho de pelúcia, o que me deixou constrangido e um pouco corado, principalmente porque Jade estava observando, de olhos arregalados.

– Hm... o que aconteceu...? – perguntei confuso.

– T-TEM UM BICHO NO QUARTO!!! – ela parecia horrorizada – EU FUI LEVANTAR E ELE PASSOU POR CIMA DO MEU PÉ!!! QUE NOJO!!

– Ah, fala sério! – Jade debochou – Agarrou meu namorado por causa disso? Todo esse escândalo por causa de um bichinho??

– Desculpa! – ela me soltou. Pude sentir certo tom de raiva no deboche de Jade. Conhecendo-a bem como a conheço, de certo sentiria mais ódio da prima por ter me abraçado do que já sentia antes. – Mas eu não volto a dormir naquele quarto enquanto ninguém tirar aquele bicho de lá!

– Afff....! – Jade se levantou e foi andando até a beira da escada.

– O que vai fazer? – Dona Elle perguntou – Você ainda não pode andar direito, mocinha!

– Vou me livrar do que quer esteja naquele quarto, afinal eu também durmo lá! – Eu a segui antes que fizesse alguma besteira e a apoiei para que não perdesse o equilíbrio enquanto subia a escada.

– Você tem certeza que quer fazer isso? – perguntei. – é melhor não se esforçar...

– É claro que eu tenho! Pare de me tratar como se eu fosse morrer! – ela reclamou.

É claro que eu sabia que Jade só estava fazendo aquilo para mostrar a Megan que ela era mais corajosa. Nunca entendi direito essa disputa entre ela e a prima, mas agora percebo que é maior do que eu pensava!

Chegando no quarto, Megan apontou o lugar exato onde vira o bicho.

– Eu estava sentada ali quando ele passou por mim e foi pra aquela direção... – apontou para o vão entre o guarda-roupa e o criado-mudo.

– Sem problemas... deve ser apenas uma baratinha... – Jade afastou o móvel para que saísse do seu esconderijo.

Infelizmente, para o nosso azar, aquilo não era uma baratinha.

Assim que afastou o criado-mudo, uma ratazana enorme saiu do buraco escuro. Minha namorada levou um susto tão grande que tive que segurá-la para que não caísse e se machucasse novamente. O susto de Megan foi maior: ela gritou e subiu na cama. Coloquei Jade sentada lá também.

– Pai do Céu, o que foi isso??? Aquela coisa não era coisa de Deus!!! – Ela exclamou se recuperando do susto.

– Era algum tipo de ratazana das trevas, só pode... – respondi.

– Ei gente, o que está acontecendo aqui...? – Andrew entrou meio sonâmbulo. – Eu ouvi gritos...!

– Andrew, ela está do seu lado! – Megan gritou aos prantos, estava quase chorando. Andrew olhou para o lado e se assustou. Foi outro que também subiu na cama.

Eu não o culpava, aquele bicho também me assustava. Eu gosto de animais, mas aquilo já era exagero! Se eu tocasse naquela coisa, provavelmente ia pegar alguma doença complicada e eu duvidava que houvesse um hospital adequado por perto.

Acho que eu também teria subido na cama se não fosse por um homem que deveria ser o Josh aparecer bem na hora:

– Crianças, o que está acontecendo...? Por que estão ai em cima...?

– Por causa daquilo! – Nós quatro apontamos simultaneamente para debaixo do guarda-roupas, pra onde aquilo havia corrido. Josh olhou curioso, pegou um dos lençóis de cama e enrolou na mão (eu devia ter tido essa ideia antes), pegando a ratazana que se debatia e chiava embaixo do móvel.

– Por isso? – ele riu – Ai, ai, essas crianças da cidade...

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Depois de todos descerem da cama e de voltarmos para a cozinha, pude conhecer Josh com mais calma. Ele era do jeito que Jade descrevera, um homem alto e moreno, que na minha opinião combinava bem com minha sogra. Por falar em Dona Elle, esta não parecia estar mais chateada por causa de sua comida, já que decidimos que seria melhor uma das empregadas cozinhar. Pelo contrário parecia super animada com o fato de Josh ter vindo antes do que combinara no dia anterior.

– Eu não tenho nada para fazer antes que Loreta saia da escola... – ele dizia – então vim para cá, espero não estar incomodando...

– Imagine, não está incomodando... – Dona Elle sorria. Decidi deixá-los a sós na cozinha e procurar pela MINHA namorada, afinal, lembrei-me (agora, mas isso não importa) de que hoje era domingo e que a exatamente um mês nós nos beijamos pela primeira vez, debaixo daquela árvore que tanto significava para ela.

– Oi, princesa! - disse ao encontrá-la na varanda.

– Oi, espero que ainda se lembre de que dia é hoje... – ela disse me fitando com os olhos castanhos claros que eu sempre admirei.

– É, claro, como poderia esquecer? – sorri. – Nem mesmo uma ratazana das trevas como aquela poderá acabar com esse dia tão especial e...

– Jade, você viu meu pônei? – Miki, que finalmente mostrou algum sinal de vida nos interrompeu.

– Não, Miki, não vi... – respondeu Jade com um olhar que parecia dizer “fala sério”.

– E você, príncipe encantado, viu?

– Não, não vi. – respondi com educação mesmo querendo que fosse embora.

– Tem certeza?

– Tenho.

– Tá bom... – a garotinha ruiva entrou de volta em casa. Me voltei de novo para Jade.

– Bom, como eu estava dizendo, nada pode acabar com esse di...

– Aí, galera, vocês viram meu fone? – Andrew interrompeu. – Não acho em lugar nenhum...

– Não – respondi.

– Você é quem está sempre com ele, Andrew, como eu vou saber? – Jade respondeu.

– Ata... vou procurar mais um pouco... – ele entrou também. Me virei mais uma vez para minha namorada que já estava quase sem paciência.

– Bom, eu... – continuei.

– Jade! – Desta vez foi Megan quem interrompeu.

– O que que foi, DROGA!!! – Agora a paciência dela se esgotou totalmente.

– Nossa, quanta grosseria! Mamãe mandou eu chamar vocês dois, vamos dar uma volta perto do rio! Só estamos esperando vocês... – e ela entrou.

– Ai, meu Deus, hoje vai ser O DIA...! – Jade murmurou irritada.

– Calma... – Tentei sorrir – Olhe pelo lado bom, rios são bem românticos... quando chegarmos lá, damos um jeito de escapar do resto e curtir juntos...

– Tudo bem... – ela concordou.

Entramos em casa e nos arrumamos para sair. Queria que esse mesário fosse inesquecível para Jade, mas estava sendo difícil. Esse era o lado ruim de viajar em família, você nunca estava sozinho! E isso era um problema ainda maior quando se tentava namorar...