– Haymitch ACORDA! São quase 10 horas.

Abro a porta do quarto e dou de cara com a Effie. Ninguém merece dar de cara com uma assombração antes de ver qualquer outra pessoa.

Pensando bem... Ainda estou na Capital, todos aqui parecem assombrações... Pelo menos vi uma assombração conhecida.

– Já estou acordado, queridinha. - sigo em direção a cozinha - Ah, e não precisa de todo esse escândalo.

Effie bufa e, em seguida, começa a fazer o relatório da manhã.

– Emily e David já seguiram para o aerodeslizador, juntamente com seus estilistas. Logo estarão chegando ao local onde trocam as roupas e, daqui três horas, eles já estarão na arena. - Effie conclui, mas, ao contrário do que acontece todos os anos, ela não está confiante, ao invés disso, está aflita.

Ignoro o que ela diz por um instante e tomo um belo gole de café.

– Legal. Espero que pelo menos passem do primeiro dia.

– Eles vão passar, Haymitch! Um dos dois voltará para casa, você vai ver.

– É, tanto faz.

Levanto-me e sigo em direção ao terraço.

Preciso de um tempo para refletir, antes de me encontrar com os patrocinadores. Esse ano tudo ficou mais caro, mais complicado... Ainda bem que Emily e David tiraram notas razoáveis, nem todos conseguiram tirar um sete, então é possível concluir que essa nota dá a eles uma chance.

– Haymitch...

Esqueci... Effie não deixa ninguém refletir, fica no pé o dia inteiro.

– Tá Effie, eu sei que eu deveria estar me arrumando para o encontro com os patrocinadores. Sei que eu devia...

– Ei, calma. - ela se aproxima - Só vim ver se você estava aqui e... E se estava bem.

Abaixo a cabeça após ouvir o que ela diz. Minha respiração está lenta e fraca.

– Eu matei mais duas crianças, Effie.

– Haymitch, elas nem entraram na arena ainda... E não vão morrer... Não tão cedo. Um deles vai voltar pra cas...

– NÃO EFFIE! VOCÊ NÃO ENTENDE? - grito - Eles morreram no dia em que foram sorteados na colheita! Morreram assim que o papel com o nome deles foi sorteado.

– Co...Como assim? Eles ainda tem a chance de voltar, você sabe...

– De que adianta estar vivo, se por dentro você está morto? OS QUE SAEM DAQUELA ARENA, ESTÃO MORTOS POR DENTRO, EFFIE.

– Não... Haymitch, olha você, você está aqui... Deu tudo de si pra sair e...

– Eu morri, Effie.

Uma lágrima silenciosa escorre em meu rosto. Não tento esconder, não adiantaria nada.

Fico parado encarando-a, buscando, quem sabe, uma pequena expressão que me dê esperança. Mas, como era de se esperar, não encontro. Effie sabe tão bem quanto eu que estou certo.

xxx

Estou na sala com os patrocinadores, tentando ganhar alguma coisa com eles, alguma parceria.

Olho para o monitor. A contagem começa.

12...

Minha casa, a casa deles... Os familiares...

11...

Eles perderam a chance de crescer...

10...

Perderam as poucas e, raras, alegrias que tinham...

9...

De repente, volto para a arena...

8...

Minha respiração dói, não ouço nada além dela...

7...

Posso ouvir, posso ouvir meu coração batendo...

6...

46 jovens, apenas um sobrevivente...

5...

2 jovens. Maysilee morta...

4...

Estou vivo... Estou em paz...

3...

A paz não existe... A vida acabou...

2...

Eles não terão paz...

1...

Eles... Eles...

0

Estão mortos!

O canhão é disparado.

Bem vindos a septuagésima primeira edição dos Jogos Vorazes.

Que os jogos comecem!

Dessa vez, a arena é quase como um deserto. Em volta, há ruínas e mata.

Emily corre de uma carreirista do distrito 4. David, correndo atrás das duas, está armado com uma foice.

Sim, ele conseguiu chegar até a cornucópia. Mesmo assim, fez tudo o que eu queria que ele não fizesse.

David é rápido e, ao passo que a menina do 4 está quase alcançando Emily, ele corre até ela e acerta a foice em sua cabeça.

Emily grita aliviada, enquanto David agarra seu braço e corre para dentro da mata.

Suspiro aliviado.

Minhas mãos estão suadas e meu colarinho aperta. Me sinto sufocado.

Não... De novo não...

Preciso da minha bebida.

xxx

– O garoto do seu distrito é habilidoso, Haymitch. - diz Luthor, um dos patrocinadores - Quanto tempo acha que ele dura lá dentro?

Esses caras... Negociando e apostando vida de crianças como se elas fossem algum tipo de animal.

Minha vontade é de cuspir na cara dele, mas não posso deixar de ajudar David...

– Bom... Ele é rápido, hábil com essa... Essa foice e - dou uma breve pausa. Sorrio maliciosamente - E ele matou uma carreirista. Acho que ele tem capacidade para ganhar os jogos nesse ano!

Se eu acho isso? Com certeza não. Mas preciso convencer esses caras de que meus tributos tem capacidade. Do contrário, jamais patrocinariam.

– Então Luthor... O que pretende oferecer? - digo calmamente.

– Ofereço-lhe, a princípio, escudos. Tanto para ele como para a garota. - ele diz - Quero ver as habilidades dela e, depois, veremos com qual dos dois ficarei.

Concordo com os termos dele e, assim, fechamos o negócio.

xxx

A noite chega e, Emily e David, que estão escondidos entre ruínas, decidem subir em uma das torres destruídas e acamparem lá em cima.

– To com medo, David

– Não precisa ter medo, Emi. Eu vou proteger você e, amanhã cedo, ou mais ao anoitecer, procuramos alguma arma.

– Não se atreva a ir até a cornucópia novamente, entendeu? Os carreiristas estão lá, e mesmo que você tenha matado uma, não significa que conseguirá matar outros.

David fica em silêncio e se senta ao lado de onde Emily está deitada. Ele está montando guarda, para que ela possa dormir.

Mas, o hino começa a tocar e os que morreram no banho de sangue estão sendo refletidos nos céus pela última vez, dando adeus ao mundo.

A garota do 4; ambos do 5; o garoto do 7; a menina do nove; ambos do 10; ambos do 11.

Todos eles estão mortos.

Não consigo assistir mais do que isso. Effie toma meu lugar diante do monitor e sigo em direção ao quarto.

Preciso de uma bebida, preciso URGENTE de uma bebida!

Caio no chão, sem forças. Minha respiração está completamente descompassada. Tudo está girando...

– Haymitch? - ela diz ao se aproximar - HAYMITCH!

Ouço o grito de Effie, mas antes de eu conseguir responder, desmaio.