A verdade é que eu nunca tive nada com Liz, nunca pensei em ter nada com ela. Mas Effie me lembra ela de uma forma absurda. Quando eu estou nervoso, Effie tenta me acalmar, e por incrível que pareça, ela consegue. Liz era assim também, ainda mais quando o dia dos Jogos se aproximava, Liz notava minha inquietação e fazia alguma coisa para me manter calmo.

– Então quer dizer que... É por isso que não consegue ficar longe de mim? - Effie parece desapontada.

– Não Effie, você entendeu errado - tento começar a explicar, mas ela começa a se afastar.

Effie voltou para o andar, mas permaneço aqui. Talvez um tempo sozinho deva me fazer bem.

O que anda acontecendo comigo? Eu nunca fui de me importar com Effie, pelo menos não dessa maneira. Ela nunca foi uma amiga, nem nada do tipo. Apenas uma irritante "colega de trabalho".

xxx

Hoje é o "grande dia". O dia que realmente saberei se meus conselhos deram certo pelo menos na última etapa dos "pré jogos". Hoje é o dia da entrevista com Caesar, e espero que Emily e David tenham entendido meus conselhos e coloque-os em prática.

Effie, juntamente com os estilistas, optaram por deixar o visual dos tributos um pouco "dark". Mas na minha não tão humilde opinião, se ambos estivessem nus, com pó de carvão espalhados pelo corpo, assim como aconteceu na cerimônia de abertura, estariam mais bonitos... Melhor dizendo, menos feios.

Sento-me na terceira fileira do estúdio, ao lado dos estilistas e espero Caesar dar início ao programa.

Os tributos entram, estando todos uns mais ridículos que os outros.

Quando chega a vez de Emily falar, ela apenas começa a chorar e a dizer que gostaria que os Dias Escuros jamais tivessem ocorrido, pois assim não estaria ali. David tenta ser forte, dizendo que voltará para casa vivo. Agradece a hospitalidade da Capital e, por fim, se despede.

Todos voltamos para nossos respectivos andares e, na hora de me despedir dos meninos, sinto um nó se formando em minha garganta.

– Ok, acho que isso é um adeus - digo brevemente - por hora.

Me aproximo de Emily e dou-lhe um abraço. Aperto-a com força e sussurro em seu ouvido:

– Não chore na Arena, a não ser que isso impeça que alguém te mate.

– Obrigada... Haymitch. - ela diz enquanto seca as lágrimas.

Me afasto de Emily e sigo até David. Respiro fundo e o abraço logo em seguida. Aproximo-me de seu ouvido e sussurro:

– Proteja-a. Pois eu sei que ela protegerá você. - ele balança a cabeça em afirmativa - Eu quero um de vocês dois de volta, entendeu?

– Entendido...

Me afasto de ambos e encaro-os por alguns minutos. Sinto minhas mãos suarem, assim como sempre acontece durante todos esses anos. Eu espero voltar a ver um deles novamente...

Espero Effie despedir-se deles e prossigo:

– Boa sorte, e até logo para um de vocês.

Eles apenas sorriem e vão cada um para seu quarto. Encaro Effie por alguns segundos e imediatamente vou para meu quarto. Preciso de alguma bebida.

xxx.

Morram na arena, não voltem pra cá. Vocês jamais conseguirão viver suas vidas em paz depois de sair de lá.

Eram essas as palavras que eu gostaria de dizer ao me despedir deles naquela noite. Eles mereciam saber que vencer o Jogos Vorazes não faria com que eles fossem livres. Vencer os Jogos Vorazes só mostraria o quanto você teve que mudar quem era após ter sido sorteado (ou se voluntariado) na colheita. Vencer os Jogos Vorazes só faria de você um assassino que jamais, JAMAIS, seria um verdadeiro vencedor. Vencer os Jogos Vorazes significa que daqui pra frente você não precisará matar mais ninguém, mas, terá que lutar para garantir a própria sobrevivência. Vencer os Jogos Vorazes significa abrir mão de tudo o que ama, para proteger o que é amado.

Quem vence os Jogos Vorazes não é um vencedor, é um sobrevivente. Eu descobri isso ao longo de todos esses anos, desde que saí daquela arena.

Quando você se torna um tributo, há apenas uma única coisa que deveria saber:

Você estará mais seguro morrendo na arena, do que saindo dela.

A vida depois daquilo não existe mais!

Nunca mais existirá. Afinal, você não tem escolha, nunca teve.

Após tomar algumas doses de bebida - ok, a garrafa toda - permito-me ter uma noite de sono. Sei que hoje os pesadelos serão piores... Mas fazer o quê, não é mesmo? Eu não tenho culpa do que vivi, do que presenciei, das escolhas que infelizmente precisei tomar.

Mas eu espero que dessa vez, pelo menos eles cheguem perto da reta final... Pelo menos isso... Pelo menos...

–Haymitch... Vença... Volte para casa

–May... - coloco sua cabeça em minhas pernas. Não consigo conter as lágrimas - Eu vou vencer... Eu vou vencer pela gente, pelo nosso Distrito.

–Cuide da minha irmã... Por favor - Maysilee coloca em minha mão seu pequeno broche de tordo... E... E morreu em meus braços... Minha melhor amiga morreu nos meus braços. As lágrimas que continuam correr em meu rosto, respingam o rosto pálido de Maysilee... Fecho seus olhos com a ponta de meus dedos. Continuo encarando-a.

–MAYSILEE! - solto um grito de doer os pulmões. .

Quando acordo, minha respiração está acelerada e meu coração batendo rápido. Foi apenas um sonho.

O mesmo sonho desde que saí daquela arena.

O MESMO MALDITO SONHO!

–Oh May... Pelo menos você não precisa aguentar passar pelas mesmas coisas todos os anos... - respiro fundo - Como eu tenho que fazer.

É algo tão sujo, tão podre, tão... Cruel. Nem eu mesmo sei como aguento isso todos os anos. Não sei como consigo olhar na cara de um casal de tributos do MEU DISTRITO todos os anos, e não vomitar até as tripas saírem juntos, sabendo que nenhum deles voltará para casa.

Nenhum deles merecia passar por isso. Ninguém merece passar por isso. Não é justo, não é certo.

NÃO É HUMANO!

Se ela estivesse aqui, no meu lugar, ela... Ela não aguentaria isso.