Estou em meio a ruínas e mata. O céu está quase escuro, um tanto alaranjado devido ao pôr do sol. Meu coração está acelerado e meu corpo está liberando uma enorme quantia de suor.

Estou correndo atrás de alguém, melhor dizendo, estou correndo atrás de um menino. Embora ele seja rápido, eu sou bem mais! Afinal, ele é apenas uma criança, enquanto eu, já sou crescido.

O menino esbarra em alguma coisa, muito provavelmente em alguma raíz de árvore, e cai no chão. Se arrasta o mais rápido que pode, como se sua vida dependesse disso. O que é uma grande verdade.

Ele se vira e me encara. Sua expressão demonstra pânico e, em seu olhar, percebo o quanto ele está com medo. Ele continua tentando se arrastar, tentando manter uma "distância segura", talvez. Mas é em vão, ele sabe disso.

– Haymitch, nao faça isso... Por favor - ele suplica, desesperado.

– E por quê eu atenderia seu pedido? - pergunto - Não faz sentido!

Aproximo-me cada vez mais dele. Começo a movimentar o machado para cima, esperando o momento certo para atacar.

– Você... Você matou Emily, mas pode se redimir se me deixar viver... - o garoto está em prantos, o medo sumiu de seu olhar, dando lugar ao sofrimento.

– Bem-vindo aos Jogos Vorazes, queridinho... É matar ou morrer. - atiro meu machado em direção a cabeça dele, acertando-o.

Aproximo-me mais um pouco, com um sorriso mortífero nos lábios e, por fim, pronuncio minhas últimas palavras:

– Adeus, David!

O canhão é disparado.

"Senhoras e senhores, apresento-lhes o ganhador da septuagésima primeira edição dos Jogos Vorazes: Haymitch Abernathy do Distrito 12!"

Acordo em seguida, completamente encharcado de suor. Meu coração está acelerado de tal modo que consigo ouvir os rápidos batimentos dele.

Eu... Eu realmente matei aqueles dois. Faço parte disso tanto quanto qualquer outra pessoa. Tanto quanto os idealizadores ou Snow. Eu também sou um assassino, não apenas eles.

Quando olho em volta, Effie está sentada em uma poltrona ao lado de minha cama. Ela nada diz, apenas continua me encarando, preocupada.

– Effie... O que aconteceu? - pergunto

– Eu também me faço essa pergunta... - ela responde - Tudo o que sei, é que você foi ao seu quarto e em seguida desmaiou.

– Ah... E os Jogos? - pergunto, preocupado com o fato de nenhum de nós estarmos assistindo.

– Eles estão vivos, se é o que quer saber - responde Effie - Vou voltar para a sala e assistir de lá. O monitor aqui deve manter-se desligado, você precisa descansar.

Effie levanta e caminha até a porta. Quando está prestes a sair, leva seus olhos de encontro aos meus. Seu olhar transmite dor e preocupação.

– Espero que se recupere desses pesadelos... - ela diz e segue seu caminho.

xxx

David e Emily ainda estão vivos, quero dizer, o coração deles ainda bate e ambos não possuem nenhum ferimento grave.

Dois dias se passaram desde que eles entraram na arena e as únicas mortes até agora aconteceram no banho de sangue.

Como ninguém morreu hoje, isso só pode significar uma coisa: Se não houver nenhuma morte ou pelo menos alguma luta até o final do dia, os idealizadores tentarão juntar os tributos por meio de catástrofes ou o que quer que seja.

David recebeu o paraquedas com os escudos para ele e para Emily. Esses escudos protegem eles dos ombros aos calcanhares... Mas, é claro, protegem eles apenas contra armas de metal. Sendo assim, eles estão completamente vulneráveis a qualquer outra coisa que os ataque.

Ambos vestem-se com seus determinados escudos e seguem caminho até o topo de uma torre. David vai na frente em alguns trechos, em outros, Emily toma seu lugar.

Ainda está de dia, eles estão suando. Espero que tenham tido o bom senso de encherem de água as garrafas da mochila que David conseguiu na cornucópia.

Não há ninguém naquela torre, mas parece que David viu alguma coisa.

– Emi, vamos andando... - ele diz.

– Por quê? Viu algo?

– Pode-se dizer que sim... - ele responde, enquanto desce apressadamente da torre, sendo seguido por Emily.

Fumaça, muita fumaça. É isso o que David viu.

Eles foram notados por algum tipo de infravermelho, e graças a isso muita fumaça começa a vir do topo da torre, aproximando-se deles rapidamente.

– David! - Emily grita - Quando a fumaça nos atingir, prenda a respiração o máximo que puder!

Enquanto ambos correm, a fumaça continua se aproximando.

Fecho meus olhos, esperando que eles saiam dessa. Eles não vão morrer dessa maneira, não faria o menor sentido se os idealizadores os matassem dessa forma.

– Oh não! - Effie diz, aflita o suficiente para não conseguir dizer mais nada.

Abro meu olhos e miro-os de volta ao monitor. O que está acontecendo ali?

– O que houve Effie? - não consigo conter a preocupação.

– David respirou a fumaça.. - ela tapa seu rosto com suas mãos, enquanto tento compreender o que isso significa.

Após um tempo encarando o monitor sem nada acontecer, a fumaça some da mesma maneira que surgiu. David está caído perto de uma rocha, poucos metros de distância de onde todo a fumaceira começou. Emily está com ele.

Enquanto ela molha um pedaço de pano de sua roupa e coloca sobre o nariz do garoto, dirijo meu olhar para Effie, na esperança de que ela perceba o mesmo que percebi:

Sem disparos de canhão!

Após tomar três copos de água com açúcar, parece que consegui que ela reestabelecesse a calma.

– Ei, relaxa. - esboço um sorriso - Os idealizadores não colocariam algo que pudesse matá-los logo no início dos Jogos. Pelo menos não ainda. - pisco para ela.

A verdade é que tento convencer a mim mesmo de que eles não fariam isso sabendo que nada interessante aconteceu. Matar dois tributos, sendo eles do mesmo distrito, com uma cortina de fumaça não seria a coisa mais animadora para os bestan... Digo, para as pessoas da Capital.

Peço licença para Effie e me retiro.

Subo para a cobertura, mais uma vez em busca de paz. Preciso pensar no que fazer e em como fazer para mantê-los vivos pelo menos até os próximos três dias. Depois, farei algo para garantir a vida deles por mais tempo.

– O que faz aqui, Abernathy? Não deveria estar garantindo a sobrevivência de seus tributos?

É Kraus, o estilista de Emily, quem me faz essa pergunta. Nem é necessário me virar para saber disso, afinal, ele quase sempre vem para cá quando os jogos começam.

– Eu estava pensando em como fazer isso justamente antes de você atrapalhar meus pensamentos - respondo.

– Ótimo, mas... - ele começa a se aproximar - Se estava pensando nisso, significa então que já se deu conta do óbvio, não é mesmo?

– Do que está falando criatura? - respondo-o com outra pergunta. Realmente não sei onde ele está querendo chegar.

– Me refiro ao fato de você ter que tomar a decisão mais difícil até agora: qual dos dois escolher. - ele responde - Afinal, só podemos ter um vencedor.