Aos olhos da guerra escrita por maddiesmt


Capítulo 11
Cap 9- Melhoras


Notas iniciais do capítulo

Postando agora pq sou dessas q n perde ultimas semanas de novela...nem q seja pra xingar no twitter...então...mais tarde..no nosso bat horarío estarei vendo alto astral... me julgem.
E como prometido..eis o cap..



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A tempestade refletia o estado confuso da ruiva. Era a primeira noite que passavam sem o médico e o violeiro e parecia que o mundo ia desabar.
Gina remexia-se na cama como se fugisse da própria estória. Os trovões que ouvia transformavam- se em sons de bomba em seu cérebro e cada relâmpago refletido na janela iluminava seus olhos fechados para uma realidade escondida no fundo da mente.
Mesmo dentro do pesadelo...ela não podia deixar de considera-lo uma memória perdida. A cidade em caos, pessoas correndo em uma direção oposta a sua. Gritos de dor, de agonia, de desespero. Via corpos e pulava obstáculos provocados pelo alvoroço. Não sabia ao certo o porque de estar caminhado em direção a toda aquela confusão, na verdade não sabia o motivo que a tinha levado ali. A única coisa de que tinha certeza era a de continuar seguindo rumo a toda aquela loucura. Nunca fora uma pessoa de medos na vida, mas o que sentia naquele momento ultrapassava o terror. Ela precisava seguir e encontrar o que o coração mais clamava. Ao mesmo tempo, precisava proteger um pequeno amor recente....ou qualquer coisa parecida com isso.
*
As vidraças do quarto pareciam querer explodir. Zelão não havia pregado o olho desde que a chuva começara e observava atentamente as tentativas da tempestade, de entrar em sua vida. Não que ela ja não estivesse presente em todo o redemoinho em que se encontrava. Havia provocado uma situação inesperada e sabia bem que, por conta disso, ja não fazia ideia do próximo movimento que deixaria o amor da sua vida livre para procurar outro amor.
Mais uma vez a natureza o lembrou do quão impotente estava. O sono profundo da esposa que dormia ao seu lado, não foi perturbado pelo estrondo relativamente alto provocado pela abertura da janela ,de forma violenta, pelo vento chuvoso.
Ele sentia os pingos gelados invadirem o quarto e molha-los aos poucos. O vento frio apenas fez com que a professora se encolhesse um pouco mais na cama.
Seria muito simples acabar com tudo aquilo...se ao menos tivesse os movimentos das pernas. Imaginou a cena e soltou, devagar, o ar preso em seus pulmões.
Poderia muito bem se levantar, fechar a janela, e voltar para cama. Abraçar ainda mais a esposa e aproveitar o calor do corpo dela. Mas não poderia. Não tinha como fechar a janela...pelo menos não do modo tradicional. E tudo mais que planejava fazer também não aconteceria da maneira como estava acostumado.
Desde que Juliana entrou em sua vida, Zelão procurava ponderar novas realidades, mas admitia que a mente deveria ser preparada e a facilidade com que mudava era adaptável a seus próprios julgamentos.
O rapaz sentiu a mulher tremer ao seu lado e saiu do campo abstrato dos pensamentos.
Olhou novamente para a janela e julgou que não estava tão distante para que ele se inclinasse e tocasse a ponta da vidraça aberta. Esticou-se o máximo que pode e forçou a janela para o local de origem. No entanto, o vento estava forte demais e o fez se inclinar ainda mais. Estava quase alcançando o parapeito quando sentiu uma fisgada na perna, algo tão singelo que parecia irreal. O susto de ter sentido a perna foi tão grande que o fez se desequilibrar e cair no chão. Não poderia ser verdade...poderia? Realmente tinha sentido a perna ou foi mais uma ilusão como aquela que teve depois de alguns carinhos da esposa?
A falta do corpo quente do marido ao seu lado e o barulho abafado de um corpo caindo no chão, fez com que Juliana levantasse alarmada.
–Zelão?- a moça piscava freneticamente e pode ver o lençol espalhado. Uma parte ainda na cama e a outra cobrindo o esposo que estava jogado no chão.
–Meu amor! O que aconteceu? Você está bem?- a professora se atirou para fora da cama e o encontrou abraçado ao piso de madeira polida.
O rapaz não falava nada. Estava com a raiva presa na garganta. Uma mistura de sentimentos que variavam de desprezo por si mesmo até a culpa por te-la acordado.
Juliana observou os olhos escuros dele falarem coisas que seus lábios prendiam. A decepção estava estampada e ele apenas olhava fixamente a janela que ainda batia.
A moça engoliu em seco, fechou a janela e novamente se dirigiu para o marido preso ao chão.
–Meu amor...está tudo bem. Vamos...eu vou lhe ajudar a voltar pra cama.
Nada era pior do que o silencio dele. Aquele que revelava o quanto ele não estava se abrindo para ela. Aquele que transmitia que a cumplicidade de casal havia sido esquecida entre os destroços da guerra.
–Eu faço isso..-ele murmurou e apoiou os braços entre o chão e a cama.
–Para de bobagem. Eu estou aqui. Eu sempre estarei Zelão - a jovem professora ajudou o marido a voltar para a cama e o cobriu como fazia toda as vezes que acordava de madrugada e percebia que os movimentos dele o deixavam descoberto.
Aproximou-se e depositou a cabeça no peito dele. Descansou os pensamentos ali e não ouviu quando o marido decretou sua decisão.
Zelão voltou a se concentrar na perna...e resolveu que o que sentira fora apenas um devaneio. Decidiu também...que não se machucaria com esperanças falsas...e muito menos a esposa.
–Você não vai mais precisar passar por isso Juliana...eu lhe prometo.
*
Ferdinando era outro que acordava de tempos em tempos. Desde que saíra de casa para a guerra não conseguia ter uma boa noite de sono. Daquelas que você coloca os problemas no travesseiro e acorda sem eles no dia seguinte. Acusava as noites mau dormidas à falta da companhia da esposa. Como dormia bem ao lado dela. Como nunca dormira na vida.
Rolou na cama mais uma vez e abraçou o travesseiro. Tentou imaginar que era ela que seus braços abraçavam...tudo isso em vão. Aquele aglomerado de penas coberto por tecido nunca se comparariam a pele macia dela. As curvas que se encaixavam perfeitamente no seu corpo. Que os faziam pertencentes um ao outro pela eternidade.
Ouviu algo se quebrar ao longe e sentou-se na cama, assustado. O barulho definitivamente havia vindo do quarto dela.
*
Gina acordou com o som da lamparina apagada se estilhaçando no chão.
A respiração acelerada e o suor na testa evidenciavam que ela estava em uma batalha intensa entre o sonho e a realidade.
Puxou o ar várias vezes e sentia ainda o coração disparar. Havia lembrado...havia lembrado do por que de estar nessa casa que não era a sua. E a razão repousava no quarto ao lado do seu.
Saiu da cama em disparada. Esquecendo –se dos vidros espalhados , da escuridão, do bom senso e de qualquer outra coisa que lhe freava.
Mesmo com as mãos tremulas, conseguiu destrancar a porta com sucesso e o encontrou no corredor.
Assim como ela, o jovem engenheiro também mantinha a respiração acelerada. Ele transparecia medo e ela o alivio de encontra-lo ali e bem.
Ferdinando a olhou com cuidado. Ela estava vermelha, usava apenas a camisola leve de sempre mas os olhos....os olhos pareciam voltar a ter aquele brilho que ele admirava tanto.
Ela se atirou na direção dele o fazendo fechar os olhos automaticamente e enlaça-la naquele abraço esperado a tanto tempo.
Não falaram nada por longos minutos. Apenas aproveitavam o contato de seus corpos, mais uma vez, unidos.
Como ela sentia falta daquilo. Agora tinha certeza de que havia algo entre eles. Pelo pesadelo que teve, onde quase o perdeu, e por todo esse turbilhão de emoções que eletrizavam seu corpo. Ferdinando não era e nem podia ser simplesmente o vizinho irritante, o engenheiro agrônomo formado na capital, o filho do coronel. Gina tinha certeza de que, para ela, ele era bem mais que isso...mas ainda precisava descobrir o que exatamente ele era.
–Gina...Gina...meu amor...me diz...me diz que você se lembrou....que se lembrou da gente..- o jovem sussurrava enquanto espalhava beijos demorados na região logo abaixo da orelha da esposa.
Ferdinando precisava ouvir...precisava acordar desse pesadelo.
Ele continuou a beija-la...traçando um caminho que ele precisava terminar nos lábios dela.
Ali no escuro de uma casa que não era sua, a ruiva se deixou levar pela saudade de algo que ela não tinha certeza se existia. Os instintos pediam para que ela não o deixasse parar, o corpo gritava por mais beijos como aqueles mas a mente....a mente não pensava da mesma forma. E como das outras tantas vezes em que travava uma batalha entre a razão e a carne...ela se deixou convencer de que aquilo estava errado.
O jovem tomou a face dela nas mãos mais os lábios apenas tocaram sua bochecha.
Ela havia desviado, como todas as outras vezes. Ele permaneceu com os olhos apertados e os soluços engolidos.
–Eu...eu tive um pesadelo...e...- ela tentava arranjar uma desculpa...qualquer que fosse para se justificar. Sabia que todos aqueles machucados de guerra eram derivados de uma busca por ele...mas não lembrava-se porque precisava tão desesperadamente dele. Ela se desvencilhou e olhou ainda com um certo receio do que falar.
–Bom..não interessa agora...oce me descurpe Ferdinando...- ela tornou a se afastar mas não desgrudava os olhos dos dele.
O que estava fazendo? Ela tinha que se decidir ou voltava para o quarto de vez ou se perdia naquele olhar. Decidiu que o chão era mais seguro do que o mar dos olhos do rapaz e tornou a andar em direção ao quarto com a cabeça baixa.
O engenheiro observou a esposa se distanciar e não pode deixar de notar que ela mancava. Reparou mais e arregalou os olhos para a poça de sangue que vinha dos pés dela.
–Gina...
–Ferdinando...eu ja disse que foi só um ...- ela tornou a virar para ele, dessa vez ela tinha medo de sucumbir a ele...então deteve-se a olhar para o horizonte escuro e não para os olhos do rapaz.
–Gina...o seu pé.
A ruiva então notou o corte profundo no pé direito e lembrou-se de imediato da lamparina quebrada.
Engoliu em seco. Como poderia não ter sentido dor alguma? A confusão era tanta que tinha apagado suas respostas fisiológicas? Não haveriam explicações no momento...e nem ela queria saber.
O viu se aproximar e ameaçar carrega-la.
–Mas o que oce pensa que ta fazendo Ferdinando.- ela ia começar a se debater, no entanto, ele foi mais rápido e a abraçou, colocando-a no colo em seguida.
–Oce fique calma que eu só vou cuidar desse seu ferimento pr’oce.
–Mai eu não preciso da sua ajuda.
–Não interessa...eu ja lhe disse que vou cuidar d’oce e pronto.
Dois teimosos. Como é que poderiam estar casados? Ela parou todos os pensamentos quando sentiu a respiração dele perto da sua. A forma como ele a apertava de encontro com o corpo dele a fazia repensar todas as vezes que o tinha recusado.
Ela nem reparou quando chegaram ao quarto dele. Apenas sentiu falta do calor que vinha dele quando foi colocada na cama.
A moça resolveu calar e apenas observar o rapaz em seu pijama de seda azul safira claramente grande mais não o suficiente para lhe deixar pequeno e sim o suficiente para não marca-lo. Viu o jovem se aproximar com uma caixa de curativos e analisar o ferimento.
–É apenas um corte superficial...acho que não precisa de pontos...pelo menos não pelo que o Renato me disse.
Ele continuou a desinfectar o ferimento e a seguir com os procedimentos que Renato havia lhe aconselhado.
Sentiu a moça tremer quando passou o antisséptico e tentou amenizar a dor soprando um pouco o local e fazendo algumas massagens e carinhos no tornozelo da esposa. A jovem, involuntariamente, fincou as unhas na cama, agarrando um pouco do lençol. Gina estava estarrecida. Nunca o viu assim tão cuidadoso, ou pelo menos não se lembrava de ter presenciado tamanho cuidado para com ela.
–Pronto. Acho que não deve inflamar.
O rapaz a ouviu grunir baixo, como se estivesse reclamando dos carinhos que ele havia parado de dar.
–Oce pode dormir aqui se quiser...eu não acho que seja uma boa ideia oce caminhar. Ou se preferir eu posso leva-la pra la e..
–Não!- ela deveria parar de dar respostas rápidas quando não sabia justifica-las. – Digo....está escuro lá, eu acabei derrubando a lamparina e oce pode se machucar também.
Fazia sentido. Mas sempre haveriam soluções. Ele ainda tinha a lamparina dele, poderia levar até la e depois carrega-la para cama. No entanto, era melhor que ele apenas fizesse o que ela desejasse, não seria derrotado por sua própria lógica.
–Muito bem...então oce pode ficar ai na cama enquanto eu durmo na poltrona.
–Oce não precisa se preocupar Napoleão, eu posso muito bem voltar para o meu quarto.
–Gina...não seja teimosa, sim? Eu não vou lhe fazer nada. Prometo que ficarei quieto aqui na minha humilde poltrona.
Ferdinando estava tentando não transparecer a decepção de ter se iludido novamente. Resolveu que o quanto mais rápido voltasse a dormir menor seria a probabilidade de estragar as coisas.
Pegou um dos travesseiros da poltrona e amaciou com as mãos enquanto que a ruiva se encolhia naquela cama que cheirava a ele. Agarrou o cobertor e inalou profundamente aquele perfume que só ele tinha. O observou tentar encontrar conforto na poltrona. Quando ele estava quase dormindo ela sussurrou...
–Nando...
–Hm..
–Obrigada...
Ele não falou nada, apenas adormeceu....assim como ela.
*
Os raios de sol varriam qualquer resquício da tempestade da madrugada. O céu limpo e o calor que ele trazia faziam Zelão duvidar que a noite fora tão chuvosa.
Dúvidas...essas não lhe faltavam. A inconstância da vida o fazia duvidar de tudo...e até as coisas mais certas, agora pareciam ameaçadas pela incerteza.
Juliana ja havia acordado e estava preparando o café como sempre. O rapaz então resolveu se concentrar nas pernas. Não poderia ter sido um sonho...poderia?
Olhou fixamente para os membros inferiores e tentou perceber alguma mudança...até mesmo a mais simplória.
Passou as mãos pelas pernas cobertas por uma calça longa de pijama de linho. Percorreu toda a extensão até onde conseguia alcançar. No entanto, não sentiu absolutamente nada.
A frustração, companheira sua de dias recentes, apareceu ainda mais evidente. O fez tremer de raiva e atirar o travesseiro ao longe. O capataz colocou as mãos ao rosto e deixou que algumas lágrimas caíssem e molhassem seu pijama. Foram poucas as gotas....mas ele sentiu cada uma delas cair em suas coxas.
Parou o ato e olhou para os pontos molhados no pijama. A respiração acelerou e ele realmente admitiu que poderia estar ficando louco.
Deslizou um único dedo por sob o local e sentiu um leve formigamento. Então era verdade...estava mesmo sensível naquele ponto de inicio das pernas.
Seria então um motivo para pensar em não desistir?
Olhou ao redor e encontrou a cadeira de rodas perto o suficiente para que ele tentasse ir até ela. Um desafio...precisava apenas de uma única confirmação.
Arrastou o corpo até o outro lado da cama, ficando assim mais próximo do seu objetivo. Sentou-se novamente e trouxe as pernas para a beira da cama. Fixou o olhar na cadeira e se sustentou em seu apoio de braço. Fez força para carregar o corpo mas não obteve a resposta que estava esperando das pernas. Conseguiu enfim se sentar. Respirou algumas vezes para, então, posicionar as pernas na cadeira. Não...ainda não estava preparado...e agora duvidava que um dia estaria.
*
Os olhos de Ferdinando acordaram para a realidade de vê-la repousar serenamente em sua cama.
O calor do dia tinha feito com que ela, involuntariamente, buscasse um pouco mais de frescor afastando as cobertas e deixando as pernas nuas e a vista.
As belas e longas pernas torneadas da esposa. Como ele sentia saudade de passear por elas.
Continuou a deslizar os olhos para aquela deusa que dormia de forma angelical e o atiçava de maneiras terríveis em sua própria inocência.
Reparou na quase transparência da camisola branca, na manga tomara que caia que havia de fato caído , deixando o ombro direito totalmente descoberto. E se iludiu pensando em como ela havia dormido com a atenção totalmente voltada para ele.
Estragaria tudo se a acordasse com beijos? Ou ela se lembraria se ele o fizesse?
Não teve tempo de se decidir. Viu a esposa se remexer um pouco mais e logo depois bater as pestanas em claro sinal de despertar.
Gina focalizou a imagem ainda embaçada e se surpreendeu ao ver quem a estava admirando.
–Ferdinando?- a voz rouca de sono e a confusão no olhar faziam o rapaz estremecer
–Bom dia menininha- ele não poderia deixar de sorrir. Querendo ou não...tinha dormido no mesmo quarto depois de semanas inteiras...e mesmo que ele tenha ficado na poltrona, não podia desconsiderar o avanço.- Oce dormiu bem?
A moça apenas concordou. Ainda estava cedo e ela ja estava vermelha.
–E oce?
–Otimo.- Ele soava confiante mas ela notou que ele não dormiu tão bem quando o viu se levantar e fazer uma cara de desgosto ao colocar as mãos na coluna.
–Nando...- atreveu-se a falar mas se arrependeu logo depois que o viu ansiar pelo que ela diria.
–Sim..-
–Oce sabe que horas são?- evasão seria sempre a melhor opção quando não se tinha certeza do que falar.
–Não...mas eu vou procurar saber...oce... me espere aqui sim?!- ele não deixou tempo para uma resposta dela. Saiu apressado para a cozinha em busca de um café da manhã a dois que iria servir na cama.
*
A professora procurava no armário alguma coisa para servir no café quando ouviu passos próximos.
Virou-se e encontrou Ferdinando na porta da cozinha.
–Bom dia Ferdinando.
–Bom dia.- Educado sempre...mas não menos frio.
O rapaz deteve-se em procurar algumas frutas mas a voz da professora foi igualmente fria ao anunciar que estavam sem mantimentos.
–Se você está procurando frutas...devo dizer que ja procurei e não achei nenhuma.
–Não me diga que...
–Sim doutor engenheiro...estamos sem mantimentos. Frutas eu acredito que não vamos encontrar nessa cidade, mas acho que podemos encontrar outras coisas nos destroços das vendas.- A jovem desistiu do armário. Cruzou os braços e olhou o engenheiro que procurava em vão algo nas gavetas próximas. Ao confirmar a versão da ex amiga, o rapaz voltou a atenção para a moça e promulgou sua decisão.
–Então pode deixar que eu trarei tudo professora.
Juliana podia ainda estar magoada...mas não podia deixar de ser Juliana.
–Ferdinando....eu não acho uma boa ideia você ir sozinho e...
–E desde quando você se preocupa Juliana? Deveria ter tido esse tipo de cuidado com a minha mulher...e não comigo. Agora veja onde estamos...
–Pelo amor de Deus Ferdinando...seja racional...não estamos falando do passado...é perigoso sair por ai sozinho e você bem sabe disso?
–E você vai fazer o que? Tentar me impedir como fez com a Gina? Por que eu acho que não deu muito certo não é?! – ele sorria debochadamente mas mantinha o olhar serio.
–Você consegue ser irritante senhor engenheiro!Mas eu não vou brigar...ao menos me deixe acompanha-lo.
–Eu não preciso da sua ajuda professora...oce pode deixar que eu vou sozinho...
–Vai pra onde?- a voz de Gina cortou a tensão instalada. Dois pares de olhos azuis focaram na ruiva parada na porta. –Oces querem me explicar o que ta acontecendo por aqui?
O rapaz deveria imaginar que a esposa não o obedeceria.
–Eu posso saber onde oce vai Ferdinando?
A expressão dela era despreocupada mais a insegurança fazia-se presente em sua voz.
–Oce não se preocupe Gina...é coisa rápida. Eu só vou ver se encontro alguns mantimentos nas mercearias ao redor.
–Mai e o negocio que o doto Renato disse...sobre descobrirem desertores...isso não é perigoso não?
Ele não podia negar que a preocupação dela aquecia seu coração...então resolveu se aproximar da esposa e sussurrar em seu ouvido.
–Eu prometo que vou tomar cuidado..- e em um movimento rápido, o rapaz grudou os lábios na bochecha da esposa e saiu para o quarto...a deixando confusa na presença da professora.
Gina apenas arregalou os olhos devido ao ato. Ruborizou violentamente e tocou o local beijado com a ponta dos dedos. Sentiu a bochecha queimar e apenas sentou-se na cadeira mais próxima sendo seguida pelos olhos cuidadosos da amiga.
*
Ferdinando ja estava a meio caminho da venda mais próxima quando ouviu um estalo. Olhou para trás e não viu uma viva alma. Suas habilidades de guerra adquiridas em um treino de algumas semanas, tinha lhe dito para não confiar no silencio absoluto e muito menos em estalos vindos do nada.
Colocou a mão, protetoramente, na direção onde trazia um facão que ele pegou da cozinha mais para proteção do que para propriamente usa-lo. Nada além do som da própria respiração era ouvido. Resolveu continuar o caminho até que ouviu novamente um estalo atrás de si. Retirou a arma da cintura e a empunhou na direção do som. Se surpreendeu ao encontrar o lugar totalmente vazio...e se arrepiou quando ouviu uma voz familiar sussurra em seu ouvido.
–Oce sabia que se tivesse em uma guerra...agora oce seria um homem morto...não sabia?
A voz dela tinha algo de sexy escondido entre as risadas brincalhonas.
–Gina!- A voz saiu em uma mistura de alivio e medo.- Oce não faça mais isso...alias...o que oce ta fazendo aqui?
Ele engoliu em seco quando a viu com as roupas roubadas do guarda-roupa que ele estava usando. As calças folgadas ajustadas com a ajuda de um cinto e uma blusa larga mas que marcavam a presença de suas curvas.
–Como foi que oce sobreviveu? Isso sim é uma pergunta.- ela ainda tinha um riso debochado e ele apenas queria agarra-la.
–Não vamos discutir as minhas habilidades
–Ou falta delas..- as mãos na cintura denunciavam que ela estava apenas começando.
– Que seja!Me diga o que oce ta fazendo aqui?!
–Ara...eu vim causo de que se oce viesse sozinho...nós tudo ia morrer de fome la dentro- ela não ia admitir que estava com medo pela segurança dele...pelo menos não ainda.
–A é...oce acha isso mesmo?- não poderia comprar briga com ela...mas era quase inevitável.
–Eu acho...causo de que mandaram um frangote fazer o serviço...
–E você pensa que vai fazer tudo melhor do que eu...- ele se aproximou ainda mais dela , invadindo seus espaço a cada frase dita.
–Eu não penso...eu tenho certeza!- aquele queixo nariz arrebitado e ar de superioridade o deixavam louco e ele repetia para si mesmo que devia se controlar.
A tensão voltou a ronda-los. A briga entre egos, a teimosia e o desafio que os faziam tão atraídos um pelo outro. Ferdinando podia sentir aquele pedido silencioso dela de que ele acabasse logo com toda essa espera...mas ao mesmo tempo temia estragar tudo. Resolveu seguir os instintos...os mesmos que o tinha feito conquista-la... e atirou-se na direção dos lábios carnudos dela...apenas parando no meio do caminho quando ambos ouviram alguns passos a poucos metros dali.
O casal arregalou os olhos e se abaixou automaticamente. Escondendo-se nos destroços que os rodeavam.
Observaram atentos um senhor idoso passear pela cidade, ainda desnorteado, não aparentava ser dali e muito menos ser soldado.
A ruiva reparou que os braços do rapaz a estava abraçando em forma de proteção. Iria se desvencilhar se não achasse que isso iria produzir um barulho desnecessário...e também porque obviamente não queria se desvencilhar.
Ferdinando reparou com mais atenção o senhor que vagava sem direção. Estaria perdido? Estaria precisando de ajuda? E porque tinha a impressão de conhece-lo?
Foi quando o senhor retirou o chapéu e se ajoelhou perto de um grande acúmulos de destroços que o engenheiro percebeu de quem se tratava.
Os cabelos brancos, os olhos cheios de significância e esperanças perdidas, as mãos tremulas e desgastadas de quem passara a vida no volante, a roupa formal e preta e a saúde de quem esqueceu de viver. O jovem pensou que não viria cena mais triste como aquela...até que ouviu o velho entonar as ultimas palavras que diria na vida...uma serie de Peeps longo, curto e longo novamente...caindo em seguida..desfalecido no chão.
Deixou uma lágrima escorrer e sentiu a moça apertar sua mão.
–Nando...Nando..oce ta bem? Vamo simbora antes que ele acorde...
–Não se preocupe Gina...ele não vai mais acordar...
Ao final da frase o rapaz apenas seguiu para a venda onde pegou as coisas rapidamente e voltou para casa em silencio.
Logo após retornar, Ferdinando pegou uma pá e se dirigiu para a rua novamente.
–Nando...Nando....me espera...
A moça estava completamente confusa. Não entendia a mudança de temperamento do engenheiro e nem essa vontade de desafiar a morte toda vez que saia de casa.
–Gina...por favor..eu preciso fazer isso sozinho...
–Me diga pelo menos o que c’oce ta pensando em fazer?
–Eu...vou...eu vou... enterrar o pai de um grande amigo...eu lhe explico depois...sim?
Pela segunda vez aquele dia, ela sentiu as bochechas arderem sob o toque dos lábios dele e o observou partir.
*
–Então...era ele mesmo?- Zelão admirava o por do sol pelas sombras que mudavam de lugar na casa.
Ferdinando havia voltado a algumas horas atrás e agora descansava no sofá ao lado do amigo na cadeira de rodas.
–Era...
Ambos estavam lidando com o sofrimento de uma perda que não era especificamente deles...mas que os representava.
–Eu imagino que o pobre tenha vindo andando...la da cidade dele...pra morrer aqui...no mesmo lugar do fio...
O engenheiro apenas concordou. Não conseguia tirar os olhos do chão...e se o fizesse teria certeza de que choraria novamente.
–Quando o Renato me contou a estória...eu me recuse a acreditar que fosse o Peep...que ele tivesse morrido de forma tão trágica. De todas as pessoas que estavam ali...ele era a que menos merecia esse final.
–É...mai ao menos o sofrimento dele foi instantâneo...não é prolongado que nem o nosso...
A verdade nas palavras do capataz foi refletida no silencio em que a sala mergulhou.
Zelão se sentia culpado por desejar um destino igual ao de Peep à realidade que vivia...e Ferdinando apenas não poderia negar que até o inferno seria melhor do que o desprezo da esposa.
–Eu queria ter ido la c’oce...e prestado as minhas homenagens...
–Não...oce não queria...- o rapaz balançou a cabeça e olhou na direção do amigo.- Essa foi uma das coisas mais difíceis que fiz na vida...e eu não desejo a ninguém..essa missão de sepultar um pai desolado após a morte do filho.
–E oce não acha que é assim que o vosso pai ta?
–Eu acho meu caro Zelão....que nós estamos mortos desde o dia em que saímos de Santa Fé.
*
Naquela noite todos se recolheram cedo. A noite parecia ter entrado de luto também, não havia brilho da lua e nem estrelas suficientes. Tudo parecia mais apagado, mais triste.
Gina ainda remoía a cena vivida fora da casa. A implicância, o quase beijo e o seu desfecho.
Não lembrava-se de ter visto Ferdinando tão abalado como hoje...e sentia que precisava fazer alguma coisa a respeito.
Expulsou os pensamentos e tentou novamente dormir. Revirou-se na cama, como todas as noites, mas nenhuma posição era confortável o suficiente.
A voz dele ecoava em sua mente...repetindo a frase de que ela não dormiria bem se não fosse em seus braços.
Preferia culpar a cama ao fato de que precisava de Ferdinando para dormir. No entanto, depois de algumas horas de tentativas inúteis ela simplesmente desistiu.
Pensou que talvez uma conversa com o engenheiro a ajudaria a dormir e resolveu se atirar nesse impulso antes que a razão a dominasse novamente.
Bateu na porta levemente e percebeu que estava aberta.
–Nando?- A voz saiu cuidadosa...não queria acorda-lo caso estivesse dormindo.
Ela o viu erguer os olhos vermelhos que antes estavam fixos no fogo da lamparina. O rapaz sorriu fracamente e a convidou a entrar.
Ele não parecia ansioso ou surpreso...apenas triste.
–Oce pode entrar Gina.
A ruiva entrou mas manteve-se distante. Ele realmente parecia precisar de uma boa noite de sono.
–Eu vim ver se oce ta bem...
O rapaz poderia começar a jogar se quisesse...perguntar a ela o por que da preocupação e desde quando ela se importava. Poderia perguntar por que ela resolveu verificar o seu bem estar a essa hora da noite...mas preferiu apenas responde-la...não estava querendo brigas ou frustrações.
–Oce..não se preocupe Gina...que eu to bem...
–Ah...ta..-ela revezou os olhos entre ele e o chão e concluiu que a missão havia falhado.- tudo bem então...- ela ia se retirar quando o ouviu desabafar
–Ele se chamava Giovani ..o filho do senhor.
A moça parou e resolveu ficar e ouvi-lo...era o mínimo que poderia fazer. Ela se sentou na beira da cama bem ao lado do engenheiro. Não sabia ao certo o que fazer e apenas lembrou do conselho da mãe...de que ouvir...era muito.
– Todos nós o chamávamos de Peep...como o som de uma buzina. E ele foi a pessoa mais honrada daquela tropa inteira.
–Eu...sinto muito.
–Tudo bem...eu...eu agradeço por me ouvir...
Depois de alguns segundos de silencio em que a moça reunia coragem e o rapaz aproveitava a companhia silenciosa dela, a ruiva resolveu que também devia a ele uma verdade.
–Eu...eu fiquei com medo quando oce saiu hoje...
–Medo?
–É...causo de que...no pesadelo que eu tive ontem....oce não voltava mais...
Ele aproveitou a declaração dela para envolver a mão direita dela na sua. Apertou e a fez olhar fixamente para ele.
–Eu nunca vou te deixar menininha.
Ele a viu sorrir timidamente e ruborizar. Acompanhou o movimento de seus olhos e os viu tornarem fixos em seus lábios.
Ao mesmo tempo que era tentador...parecia errado. Parecia que ela estava apenas tentando reconforta-lo. O rapaz engoliu em seco e apenas acariciou o seu rosto.
–Vamos dormir?
Ele viu o olhar dela se tornar baixo e quase decepcionado. A moça concordou e se levantou mas antes que pudesse sair do seu lado ele pegou sua mão novamente.
–Gina eu sei que parece estranho mais...oce....oce poderia dormir aqui hoje? Não se preocupe que vai ser do mesmo jeito que a gente fez ontem...oce dorme aqui na cama e eu durmo na poltrona ...eu so...eu so não queria ficar longe d’oce.
Gina não estava preparada para um pedido desses mas não deixar de sentir o coração acelerar. A suplica era tão sincera e verdadeira que era impossível recusar. E ela se perguntava por que ainda recusava tanto essa vontade que ja era sua também.
Piscou algumas vezes e por fim sentou-se novamente na cama...estava tão perdida em seus desejos e ações que apenas concordou.
–Tudo bem...
Ela o viu sair da cama e se arrumar novamente na poltrona. Ainda com os olhos fixos nele, a moça se deitou e arrastou o cobertor para cobrir o corpo.
Passou algum tempo admirando o grande homem que ele era. Uma pessoa realmente admirável, um Ferdinando que ela sabia conhecer mais não lembrava muito bem. Recusou-se a dormir e apenas ficou buscando na figura adormecida dele um pedaço do seu passado.
Apenas foi interrompida quando, horas mais tarde, ele se tornou irrequieto na cadeira. Tinha certeza de que era um sonho. Reconhecia porque ela também os tinha toda noite.
Tomou coragem e simplesmente levantou e o acordou docemente.
–Shiii...Nando...ta tudo bem....
O rapaz piscou algumas vezes e a encontrou perto...perto até demais...
–Vem...- ela puxou a mão do rapaz e ele apenas se deixou conduzir por ela em direção cama.
Ela o fez se deitar e logo depois deitou ao seu lado.
Ferdinando ainda estava surpreso...e jurava estar em um sonho...até que ela o beijou na bochecha e surrou um boa noite bem perto do seu ouvido. Não...não era um sonho...sonhos não falam de maneira a provocar arrepios...sonhos não beijam de forma tão doce...e definitivamente sonhos não o abraçam e o fazem se sentir no céu do jeito...que só ela fazia.


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Notas finais do capítulo

Sugestão gnt? Tão gostando? Quero ouvir o q vcs tão achando...o q pode ser melhorado...e o que pode ser incrementado para esses ultimos capitulos de #AODG. Obg pela paciência e pelo carinho de sempre!



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