Aos olhos da guerra escrita por maddiesmt


Capítulo 12
Cap 10- Celebrações - parte I


Notas iniciais do capítulo

E depois de um longoo periodo de Hiatus...quase igual o de GoT..eis me aqui com caps novos..
Tava louca de saudade ..vcs n sabem o quanto!! Mas pra vcs terem uma noção além desse semestre ter sido o cão na minha pós, ainda tive que aturar visita surpresa da orientadora, trabalho extra e até um bendito de um apendice que quase me matou...mas mimimis a parte...estoy aqui querendo vcs ... eu e minha fic...hahaha
Espero que gostem e fiquem cientes que essa é so a primeira parte do Cap 10.
bjs d luz!hahaha!



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Ferdinando acarinhava os lençóis vazios. Se perguntava se a noite passada havia sido um sonho. Outro dentre muitos que tivera. Outro sonho cruelmente real mais igualmente ilusório.
Ainda conseguia sentir a quentura da cama e o perfume deixado por ela nas cobertas.
Não poderia ter sido um sonho. Estaria oficialmente admitindo estar louco se tudo não tivesse passado de uma fantasia.
Reparou que o sol estava alto no céu devido a claridade em que o quarto se encontrava. Tinha dormido tão tranquilamente que perdera a hora e essa, era mais uma evidência de que ela havia estado ali.Pois lembrava-se bem.A ultima vez que havia dormido assim fora nos braços dela.
*
Gina tentava ocupar a mente com as xicarás molhadas em cima da pia.
Enxugava uma a uma tentando se concentrar nos desenhos da porcelana fina.
Analisava o dourado delineando perfeitamente flores de um azul celeste.
E, involuntariamente, os comparou ao suposto marido. Como a pele de marfim dele parecia ofuscar até as porcelanas mais finas, como os olhos de azul penetrante conseguiam hipnotiza-la de maneira tão fácil e duradoura. E como adorava se perder ali...na calma do seu olhar.
Quando acordou nessa manhã, parecia que tinha abandonado todos os acúmulos no travesseiro. Dormira como não lembrava de te-lo feito em muito tempo. O corpo estava relaxado e o coração em paz. Foi então que abriu os olhos para a razão de tanta tranquilidade.
Ele estava ali, envolto nos braços dela. O semblante igualmente sereno, a respiração amena e um delicado sorriso nos lábios.
Não sabia ao certo se o sorriso era consequência de um sonho bom ou se seria por causa dela. Balançou a cabeça automaticamente tentando não se iludir com esses pensamentos sem cabimento e o sentiu aperta-la ainda mais contra o seu corpo.
Ela ainda tinha a cabeça repousada no peito dele e conseguia ver a pele branca que aparecia na brecha onde um botão do pijama havia se soltado.
Ali, naquela pequena janela de tentação, ela conseguia distinguir os traços definidos do peitoral forte dele.
Arrepiou-se ao imaginar que provavelmente conhecia como ninguém aquele corpo que a estava torturando de desejo. Notou que o abraço dele havia juntado ainda mais seus corpos e de como era boa a sensação de estar nos braços do seu suposto marido.
Encolheu-se nesse abraço e respirou fundo o cheiro dele. Era incrível como aquilo parecia tão correto e familiar.
Fechou os olhos e afundou o rosto no pescoço do rapaz. Era algo tão instintivo e natural se sentir assim..tão dele. Permanecer em seus braços , sentindo cada canto do corpo exigir o calor que ele lhe proporcionava, deixar os lábios brincarem suavemente pela pele do engenheiro e o nariz passear e captar toda a sua essência. Não resistiu aos impulsos e depositou um beijo casto na curva entre o pescoço e os ombros do marido.
O ouviu suspirar e voltou a realidade do esquecimento. Prestou atenção a cada movimento dele e respirou aliviada quando percebeu que não acordaria.
Por mais que quisesse permanecer ali, ela sabia que poderia estar se iludindo. Não seria responsável por atos impensandos...não enquanto não se lembrasse de tudo com exatidão.
Resolveu abandonar os braços protetores dele e deixa-lo sozinho nas lembranças da noite passada.
Completou seus rituais matutinos e agora se entretia nos deveres domésticos ja que os agrários estavam longe do seu alcance.
Fato era, que precisava pensar em algo que não fosse o engenheiro adormecido e de como havia sido bom compartilhar a cama com ele.
*
Juliana observava, silenciosamente, o marido imóvel fixar sua atenção para o cenário além da janela do quarto. Os grandes olhos de jabuticaba haviam perdido o brilho que ela tanto amava, mas permaneciam intensos.
Admirava tanto o homem com que havia se casado que esquecia-se que ele também tinha suas inseguranças e medos.
Ele era sempre o seu herói, aquele que chegou para tira-la da mesmice, roubar suas garantias e plantar certezas novas em sua vida e talvez isso a tenha feito esquecer que , por tudo isso, ele também era vunerável, quiça até mais do que ela.
Zelão era intenso. E tamanha intensidade era confundida com diversas outras qualidades e defeitos. O caso é que, por trás da autoridade que seu porte e sua educação lhe rendiam, o rapaz era visto como inabalável, coisa que realmente não era. E quando, sua zona de conforto mudava, ele tornava-se mais sucetivel a extremidades de humor que variavam da raiva sufocante ao silencio conformador.
É claro que ela não preferia nenhum dos dois mas algo em seu interior lhe dizia que o silêncio era mais destrutivo que um rompante de raiva.
Talvez o defeito dela tivesse sido não enxergar o quão humano ele era. E o dele era de te-la feito santa sem o ser.
Estavam ambos mergulhados em achismo. Ele por achar que o melhor futuro para ela era viver sem ele e ela por achar que o tempo curaria todas as feridas.
Muitas apostas para uma coisa tão relativa como o tempo.
*
Ferdinando ainda estava sonolento enquanto se dirigia a cozinha. Virou a esquerda no corredor da casa e encontrou uma colisão deliciosamente inesperada.
Gina estava atenta ao cordão no pescoço quando sentiu o corpo esbarrar em outro tão conhecido seu. Perdeu o equilíbrio não por causa do choque mais por perceber quem era que a agarrava com força pela cintura para que não caísse.
O rapaz e a ruiva permaneceram naquele silencio inundado de perguntas. E apenas resistiam a vontade de esquecer os julgamentos e se atirarem nos braços do desejo.
O engenheiro achava adorável a forma como pele dela ganhava aquele tom cereja toda vez que o encarava de perto. E como ela parecia perder o compasso da respiração toda vez que ele a enlaçava pela cintura.
A ruiva bateu os cílios delicadamente enquanto tentava compreender a proximidade em que se encontrava com o rapaz dos olhos azuis.
Engoliu em seco e o viu se aproximar lentamente. Desviando de sua boca e encaixando os lábios em seu ouvido.
–Bom dia menininha...- a voz rouca dele a fez fechar os olhos e desejar que ele continuasse sussurando o que quer que fosse em seu ouvido.
A moça mordeu os lábios involuntariamente quando sentiu os carinhos que ele fazia em sua cintura. Os polegares circulando os ossos do quadril, que mesmo protegidos pelo vestido de saia longa , sentiam o calor advindo dele devido ao tecido fino e a ausência de anáguas.
As mãos dela ainda estavam repousadas no peitoral que a serviu de travesseiro durante a noite.
–Eu espero...- a voz dele falhou. Estava dominada pelo desejo ardente que o corpo dela atiçava no seu.- espero...que oce tenha dormido bem.
Ferdinando trouxe uma das mãos ao rosto da esposa e deixou que a costa dos dedos deslizassem sobre a bochecha macia e completamente rubra dela.
Desfez a proximidade entre seus lábios e o ouvido dela apenas para depositar um beijo demorado em seu rosto. Bem naquele final de boca e inicio da bochecha. E ela pode sentir, mesmo que brevemente, os lábios dele roçarem os seus.
Permitiu que ele afundasse os dedos em seus cachos avermelhados e massageassem sua nuca. Tudo era tão absurdamente delicioso que os medos ficaram em segundo plano. Ela podia sentir emoções inteiras naquela troca de olhares. Podia sentir o quanto ele estava se controlando pela maneira como as mãos a seguravam com virilidade e afinco e pelos lábios que tremiam toda vez que ele fixava o olhar em sua boca.
Ela tinha que voltar a ter comando sobre o próprio corpo. Não sabia ao certo que mágia era aquela que ele tinha sobre ela mas precisava recuperar o auto controle imediatamente. Não interessa o que as provas revelavam ou o que as pessoas diziam. Não se sentia casada...portanto não daria liberdades para tal.
Engoliu, mais uma vez, a vontade de agarra-lo e cedeu ao seu lado mais teimoso.
Retirou as mãos dele do seu corpo e olhou para qualquer lugar que não fosse os olhos dele.
–Ara...eu dormi como sempre
Nem ela acreditou no que tinha dito e a situação só piorou quando o observou sorrir de lado.
–Não me diga? E como é dormir como sempre?
–Ara Ferdinando...mas que tipo de pergunta é essa? Dormi é dormi. É fechar o olho de noite e abri-los pela manhã.
–Então hoje...não teve pesadelos?
Ela enfim entendeu onde ele estava querendo chegar e resolveu mudar de assunto. Preferia fugir daquela verdade transparente entre eles.
Cruzou os braços a sua frente e voltou a encarar o chão.
–Oce tá melhor?
Ao mesmo tempo que se afastava não deixava de se preocupar com ele. E isso o confudia de maneira absurda.
–Estou ótimo...sabe Gina...hoje eu dormi como não dormia a um bom tempo...e eu devo lhe agradecer por isso.
–Ara..mais eu não fiz nada.- ela resolveu que não aguentava mais se encarada daquela forma tão intensa e lhe deu as costas.
O engenheiro se aproximou do seu ouvido mais uma vez e sussurrou.
–Você sabe que não é verdade. E eu sou muito grato por isso.
–Oce ta mais é besta.- ela se afastou mais uma vez.
–Tudo bem...eu não vou brigar com você depois de uma noite tão relaxante como a que tive...
–Então eu acho melhor oce ir tomar o seu café e me deixar em paz.
Ela saiu pisando duro e ele apenas sorriu. Ela conseguia ser encantadora mesmo daquele jeito teimoso que ele amava tanto.
A surpresa se deu quando ele entrou na cozinha e observou a mesa posta e uma xícara de café pronta para ser consumida.
Por mais que ela não admitisse em palavras...seus gestos ja começavam a ser os mesmos de antes.
*
Os olhos de criança buscavam com atenção as imediações do pequeno cemitério de Santa Fé.
–Pituca... vamo logo simbora!
A responsabilidade de gente grande e a preocupação de gente velha contrastavam com a pouca idade do menino de cabelos espetados e expressões curiosas.
–Ara Lepe..so mais um pouquinho que eu to falando com o maninho.
A garotinha estava sentada em frente a lapide do irmão. Ainda vestia o luto designado ao seu estado de espirito. Nunca Pituca fora tão triste...seus únicos momentos de singela alegria e paz era este exato instante que ela fugia dos pais para se encontrar com o irmão que perdera.
–Oce sabe que nem a mãe Catarina e nem o pai Epa gostam que a gente venha pra ca sozinhos.- o sussurro era uma forma de não se engasgar nas palavras.
Era quase cruel tirar a irmã da pequena bolha de felicidade que ela criou logo após o enterro. Aquela que ela se envolvia toda vez que conversava com a pedra a sua frente.
Serelepe viu os olhos da irmã murcharem a sua frente. Sabia que ela ja ia se despedir e voltar pra realidade da vida sem o mano Nando e a Maninha Gina.
–Ta certo..
Ela levantou e balançou o vestido com o intuito de retirar os vestígios de suas andanças. Aproximou-se da lapide e apenas deu um beijo na própria mão antes de encosta-la na frieza da pedra.
–A gente se fala mais tarde então maninho...e não esqueça de falar pra maninha pra ela voltar logo causo de que todo mundo ta com sardade dela assim como estamos com sardade d’oce também. Eu te amo maninho...inté.
A garotinha se afastou ainda firme e segurando as lágrimas.
Serelepe deu uma ultima olhada no local e se despediu mentalmente do irmão.
Ambos saíram abraçados. Numa fraternidade descoberta desde sempre e revelada recentemente. Os dois únicos futuros da família Napoleão se afastaram da maior esperança que ja tiveram na vida...a de ver o irmão voltar da guerra.
*
–Mais um aqui doto!- Viramundo chegava carregando um soldado baleado em seus braços. Os olhos arregalados do enfermo demonstravam que o susto havia sido maior do que a dor do ferimento.
Renato olhou ao seu redor. Não tinha muito o que fazer. O local estava lotado de feridos e não paravam de chegar mais.
–Vira...coloque ele na minha mesa!- o médico ajudou o amigo, deixando a mesa livre para que fizesse o exame corretamente.
–Não temos mais espaço por aqui...- comentou o médico. Não era nenhuma novidade. Desde que voltara para o posto e que a guerra havia se intensificado, as coisas andavam cada vez pior. Faltavam medicamentos, acessórios, maquinas, pessoal...mas Renato sabia que exigir um hospital em plena guerra era o mesmo que pedir presentes para o papai noel.
–O doto ta precisando de que?
–Me dê a gase e a morfina Vira.
O violeiro procurou o que lhe foi pedido e voltou com um cantil cheio de vodka e retalhos de um lençou rasgado.
–Mas o que é isso?
–Acabou a gase e a morfina...nós vai ter q se virar com isso mermo.
Renato respirou fundo e olhou para o jovem paciente. O soldado não deveria ter mais de 16 anos e apenas trocava o olhar entre o violeiro e o doutor. Não sabia se sentia mais medo ou dor. O médico balançou a cabeça e resolveu agir antes que a ferida infeccionasse.
–Qual o seu nome soldado?
–FF...FFFirmino.
–Muito bem. O senhor vai beber isso aqui.
–Mai eu não bebo doto.
–Infelizmente não temos essa opção hoje.
O jovem tomou 3 grandes goles e sentiu o liquido lhe arder os locais por onde passava.
–Agora você vai ficar tranquilo pois nós vamos tirar essa bala do seu ombro.
A bebida não acalmou em nada o rapaz, apesar de ter servido como um anestésico da mente.
Viramundo havia se habituado rapidamente a nova função de enfermeiro e agora amarrava o corpo do jovem para evitar que ele se debatesse. Por fim, amordaçou-lhe a boca enquanto Renato começava a desinfectar o local com a vodka e abrir o local com os instrumentos cirúrgicos.
O posto mergulhou nos gritos do jovem que sentia a pele ser rasgada enquanto lágrimas escorriam rapidamente de seus olhos.
Renato trabalhou rapidamente para tirar a bala e assim que conseguiu, viu que o rapaz tinha desmaiado de dor. Definitivamente precisava arranjar mais analgésicos, além de materiais e espaço.
Lhe doía a alma imaginar que logo que o ferimento fechasse, o soldado ia ter q voltar para campo de batalha. Não por que não havia exercito, mas sim por que não havia uma casa de recuperação onde o jovem pudesse se recuperar e até mesmo fazer a fisioterapia que lhe seria exigida. O terror de Renato era ter a consciência de que ele, não era o único e que , por isso, muitos que estavam ali se recuperariam apenas para vir a óbito dentro de alguns dias.
Se ao menos pudesse transferir os feridos para um local maior para que pudessem se recuperar corretamente.
Foi então que uma ideia lhe veio a cabeça. Ele realmente não poderia exigir um hospital...mas ele bem podia transformar qualquer outro lugar em um. E ele ja sabia exatamente o que fazer.
*
–Pituca! Lepe! Onde oces se meteram meus amor!!!- Catarina ja estava quase infartando antes mesmo do café.- Não façam mais isso meus queridos...é a mamãe que ta pedindo!- ela os abraçou com força fazendo os olhos dos pequenos arregalarem.
–Ara mãe...a gente so foi dar umas vorta...ficar trancado aqui nessa casa é um tédio.- Pituca cruzou os braços e fez beicinho logo após ser liberta do abraço sufocante da mãe.
–Oce não se preocupe mãe Catarina que eu cuidei da Pituca e sempre que vou cuidar dela.
A senhora forçou um riso fraco. Achava adorável o zelo entre irmãos...mais entendia que não saberia lidar com a perda de mais um filho.
Sim, filho, por que Ferdinando sempre foi mais do que um enteado qualquer, ela lhe tinha um carinho de mãe e seria assim para sempre.
–Eu sei disso meu querido..mai é que oces sabem que a situação anda difícil. Nos temo que ficar de olho...nunca se sabe o que se pode acontecer não é verdade?!
–Oce ta falando da guerra que matou o maninho? Pois saiba que eu acho esse negocio de guerra uma besteirada sem tamanho!
–Eu concordo com a Pituca! Brigar não leva a nada..só faz doer o coração.
Catarina não se conteve após a declaração inocente do menino.
Os abraçou novamente e deixou algumas lágrimas caírem.
–Oces tão certo meus queridos...mais enquanto os adultos agem feito crianças nós não temos escolha senão nos escondermos das decisões deles...certo?!
Ela se afastou, olhou cada um deles no olho e voltou a sorrir fracamente
–Amancia!! Amancia cade esse café da manhã?!
Parecia uma cena normal..se a casa toda não estivesse coberta de luto.
*
O dia passou como um furacão. Rápido e agoniado. Ferdinando percebeu, logo pela manhã, que a esposa precisava de tempo para pensar na noite que passou ao seu lado, e resolveu se concentrar na surpresa que planejava para a comemoração que pretendia celebrar dali a alguns dias.
Enquanto isso Zelão fugia das perguntas da esposa e tentava reafirmar a decisão que pretendia tomar. Vez ou outra olhava para as pernas e desejava sentir algo...qualquer coisa que o fizeste desisti da escolha feita.
Gina e Juliana passaram o dia quase mudas. Apesar de muitas vezes compartilharem o mesmo local ambas estavam ocupadas demais ouvindo os próprios pensamentos para se ater a uma conversa.
A professora estava se acostumando com o silencio da insegurança. Sempre temia falar algo errado para os demais presentes da casa. Ja havia perdido o amigo para a teimosia dele e inconpetencia própria. O marido estava tão distante e indiferente que a fazia temer as reações que ele poderia ter ao dar voz a seus pensamentos. Não que ela temesse seus pensamentos ..mas ela temia que uma uma frase mal colocada virasse um estopim.
Preferia esperar as situações se acalmarem... e enquanto isso ela pensava em maneiras de trazer mais felicidade para o seu dia a dia.
–Juliana?- a voz da ruiva ecoou pela sala vazia. Mesmo assim a referida moça parecia estar em um mundo muito distante dali.
–Juliana?!- Tentou mais uma vez. Vendo que a professora não havia sequer tirado os olhos da mesa de jantar que estava limpando, Gina saiu de perto da lareira, agora sem resquícios de fogo, e aproximou-se da amiga, tocando-lhe levemente o ombro.
–OHH JULIANA!- o chamado saiu alto demais para alguém que estava perto o suficiente para ouvir um sussurro.
–GINA!! Você quer me matar do coração!- a moça colocava as mãos do coração enquanto se virava para a amiga.
–Ara Juliana...que eu to te chamando a um bucado de tempo e oce fica ai sonhando acordada.
–Quem me derá minha amiga...mas me diga...o que lhe aflinge?
–Afli..o que?
–A esqueça...por que me chamou?
Gina percebeu que Juliana estava mais aérea do que o de costume. Parecia preferir viver em seu subconsciente do que na realidade que os rondava. A ruiva apertou os olhos e tentou observar além dos cabelos rosados e olhos entristecidos.
–Oce ta bem?
–Por que pergunta?
–Juliana...eu ja lhe vi assim...e essa sua cara triste só pode ter um nome: Zelão.
Gina podia ter esquecido de muitas coisas, porém outras ainda estava grudadas em seu cérebro como marcas permanentes.
–Me parece que, apesar de todas as adversidades, você continua sendo a mesma Gina...a que é minha amiga em todos os momentos, não é mesmo?
–Posso repensar isso se oce continuar falando esse bando de palavra difícil e não desembuchar logo.
Juliana soltou uma risada e foi acompanhada pelo pequeno sorriso dado pela amiga de olhos castanhos.
–Conte me o que esta acontecendo Juliana...eu sei que oce quer contar.
As duas amigas se sentaram no sofá e conversaram como a tempos não faziam. Coisa antes tão habitual, que se perdeu durante os períodos difíceis.
A professora confessou suas inseguranças, sempre situando a amiga , ja que a mesma lembrava-se de eventos aleatórios.
Isso, querendo ou não trouxe de volta uma parte da memoria de Gina sem que nenhuma das duas percebesse...
–Eu não acho que oce deve ficar calada não...como que oce vai saber se não perguntar?
–Mas eu tenho tanto medo que ele me interprete mal minha amiga...ele ...ele é o amor da minha vida..
–É por isso mesmo que oce tem que falar...ara...não é amor quando temos medo a ponto de nos calar...certo?Pelo menos eu acho que é isso que deve ser o amor...Ou você vai ficar ai..sofrendo como ficou naqueles dias do casamento da Milita?!
–Você ta certa...e eu só espero não falar a coisa errada...
–Não vai não... e se oces dois continuarem com isso eu ameaço meter a piaba nos dois.
–E eu não dúvido.
–Eu sinto falta sabia?
–Do que?
–Ara...de quando a gente ia pras Anta...você e o Zelão...eu e...
Gina parou de falar. A voz sumiu e a cena parecia passar como um filme diante de seus olhos fixos..
A respiração da moça acelerou e ela engoliu em seco. Lembrava de como ele a tinha olhado aquele dia. Daquele jeito que só ele sabia fazer: profundo e ao mesmo tempo transparente. De como ele havia sussurrado em seu ouvido, mesmo na presença dos pais. Recordava-se vagamente de uma conversa sobre eleições e de como ficou feliz em saber que ele não iria participar do almoço politico do pai. Resolveram então ir para as Antas, tomar sorvete...comprar balinhas...
–Você e...?-Juliana estampava um sorriso na cara. Forçava a volta da amiga ao mesmo tempo que forçava sua memória.
Gina tocou o cordão de forma automática. Para logo depois solta-lo e balançar a cabeça afastando as memórias para longe..
–Descurpa Julia..do que que a gente tava falando mesmo?
Juliana apenas assentiu com a cabeça. Ela ainda não estava pronta para admitir...e não seria ela que a pressionaria para isso. Afinal, ja havia se metido muito nesse assunto. E se algo pior acontecesse...teria certeza de que Ferdinando nunca mais iria falar com ela.
–Nada...mas me diga? Você anda dormindo melhor?
A professora observou as bochechas da amiga tornarem se tão rubras que poderiam se confundir com os cabelos.
–Gina?
–Ahh..sim...pesadelos...não...não tenho tido...na verdade..Eu..eu dormi tão bem ...que até sonhei..
–A foi? E posso saber com o que?
–A foi um sonho tão bom...mas também...bem amalucado...
–Vamos me conte...não pode ser pior do que o Seu Giaco de roupa de banho?!
–Credo em cruz Juliana! Mai isso seria um pesadelo!
As duas riram novamente.
–E oce ainda por cima me faz rir..depois de tudo o que eu fiz pra você... –Juliana dizia com a voz fina.
–E fez o que?
Foram interrompidas por passos que se apressavam em chegar ao local.
–Mais o que esta acontecendo aqui?- Os olhos de Ferdinando se estreitaram ao observar a cumplicidade entre a mulher e a ex amiga. Engoliu em seco e preferiu manter a calma e esperar as explicações.
Gina não fazia nem ideia da briga entre os dois mas sentia que alguma coisa estava muito errada.
–Isso não é da sua conta Ferdinando. – Ela se levantou e foi acompanhada pela amiga.
O engenheiro passou o dia todo se controlando. Na verdade, não lembrava-se de ter feito outra coisa na vida desde que a conheceu.
–Como não? Eu acho que ja deixei bem clara a minha posição..não é professora?
O desgosto estava presente na voz. Ele, claramente não aprovava a aproximação.
–Olha Nando...isso é um absurdo...nós não estamos fazendo nada...
–Mas do que oces estão falando? Por causo de que que oce ta se desculpando com esse um ai Juliana?
–Agora eu sou “aquele um”? O que você andou falando pra ela Juliana?
–Eu?
–Ela não precisa me falar nada...
–Meus amigos...por favor...não briguem...olha não esta mais aqui quem não deveria estar ..tudo bem? Eu ja vou...
–Não Juliana...oce fica.- a ruiva insistiu.
–Não Gina..eu ja vou...vocês precisam conversa e ..eu e o Zelão também.
A professora saiu deixando Ferdinando com explicações que, com certeza, o complicariam.
–Mas que história é essa Ferdinando? Me diga o que esta acontecendo!
–Gina..- ele respirou fundo e fechou os olhos para logo depois pousa-los nos olhos castanhos dela. – Esse assunto é difícil de explicar...
–Pois então tente...
–Muito bem...eu e a Juliana...bom nós brigamos feio e chegamos a algumas conclusões que acordos para facilitar nosso convívio nessa casa.
–Ferdinando...o que oce fez?
–Eu pedi para que ela se afastasse..de mim...de nós.
Os olhos da ruiva se arregalaram e ele pode ver que estava perdido.
Enquanto isso Juliana chegava no quarto disposta a conversar com o marido. Foi então que o encontrou dormindo. Sentiu a coragem abandona-la e resolveu adiar. Mal sabia ela que quanto mais prolongava a permanência dele...mais ela o perdia.
*
Gina se remexia entre suas cobertas. Não podia acreditar na discussão que teve e as imagens do ocorrido ainda lhe bombardeavam a memória.
FLASHBACK
–Eu não acredito que oce fez isso?
–Gina...por favor procure entender..- ele se aproximou dela e repousou a mão no cotovel direito dela.
Aquele toque singelo fez com que os pelos da nuca dela se arrepiassem...mas ela permaneceu firme.
–Entender o que? Ela é minha amiga Ferdinando e oce não tem o direito de nos afastar...
–Mas oce não sabe o que aconteceu...
–Pois então me explique e deixe que eu tome as minhas decisões!Eu não sou sua propriedade Ferdinando...alias eu não sou nada sua..
–NÃO! – ele não suportou essa ultima frase dela. Os olhos ja estavam cheios de lágrimas novamente. Ouvir o amor da sua vida recusar esse sentimento era que nem morrer lentamente pelas mãos da pessoa amada.
Ela tomou um susto com o rompante mas deixou que ele se aproximasse ainda mais.
–Gina...me ouça..por favor...- Ferdinando colou sua testa na dela e fixou as mãos na cintura da esposa.- eu ..eu só quero o seu bem..o nosso bem... – a voz dele saiu fraca e ela respondeu em tom igual.
–E desde quando me afastar da Juliana é me fazer um bem?
Ele suspirou e entendeu. Não tinha como exigir dela algo que ela desconhecia. Assim como não deveria esperar mais nada ja que, ultimamente ,ela desconhecia tudo.
–Muito bem...oce ta certa...faça como quiser...mas saiba que tudo o que eu faço é pra lhe proteger...
–Oce não precisa me proteger da Juliana...alias oce não precisa me proteger de nenhum arguem.
Ele riu desse ultimo comentário, afinal precisava protege-la de si mesmo.
–Muito bem então...- ele a olhou profundamente e logo depois se aproximou. A observou fechar os olhos e, então, deixou os lábios encontrarem a bochecha dela.
Em seguida sussurrou em seu ouvido.
–Boa noite, menininha!
Gina observou, ainda com os olhos semicerrados e o coração acelerado, o engenheiro entrar em seu quarto e deixar a porta destrancada.
FIM DO FLASHBACK
Gina não tinha entendido absolutamente nada do que tinha se passado. Não sabia o por que da briga entre Ferdinando e Juliana, e suspeitava que nenhum dos dois iria falar sobre isso. Não sabia o por que de Ferdinando inferir que Juliana poderia lhe fazer mal e, finalmente, não sabia por que o coração parecia um carro desgovernado que pulsava violentamente toda vez que o via.
Outra coisa que não entendia era por que não conseguia dormir naquela maldita cama.
Pelas suas contas, ja estava deitada a algumas horas e o máximo que havia conseguido era piscar os olhos lentamente. Sabia que o corpo estava cansado, que a mente precisava descansar, e o principale, sabia que estava com sono. Mas simplesmente não conseguia dormir. Talvez fosse medo dos pesadelos ou a ausência de Ferdinando ao seu lado.
Afundou o rosto no travesseiro e se recusou a pensar que o motivo dormia no quarto ao lado.
Agarrou-se aos lençóis e apertou os olhos. Exigiu com todas as suas forças, que o corpo simplesmente apagasse. No entanto, sabia que seria impossível.
Apesar do grande orgulho que possuía, o anseio de dormir e de estar nos braços dele era maior do que qualquer outra vontade.
Passou os dedos pela bochecha que ele havia beijado e a sentiu arder. Não sabia se era da lembrança ou se ele havia realmente a marcado com alguma mágia.
Simplesmente desistiu. Jogou longe os lençóis e rumou para o quarto ao lado.
*
Em Santa fé, um casal era acordado com batidas frenéticas na porta. Amancia corria para atender antes dos patrões despertarem porém observou que havia falhado quando os dois desceram as escadas em disparada. Verdade era que ninguém dormia direito desde que a guerra começara. Tudo era motivo para medo, ainda mais batidas desesperadas no meio da madrugada.
A porta logo abriu e pessoa que se revelou aflita em suas batidas agora era encarada por olhos chorosos de Catarina e o olhar espantado de Epaminondas que apenas sussurrou.
–Mas...eu não posso acreditar...


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Notas finais do capítulo

Sugestões? Criticas? Xingamentos? Ameaças? Declarações? COMENTS?! *.*



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