Nothing Else Matters escrita por Miss Vanderwaal


Capítulo 13
Identidade




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Duas garotas bêbadas usando curtos vestidos passaram por Emily e Maya em um dos corredores enquanto elas faziam o caminho inverso depois de terem saído da sala de harmonia musical. As garotas loiras – que pareciam a Emily serem típicas líderes de torcida de ensino médio – riam e cambaleavam enquanto tentavam caminhar. É, pensou Emily consigo, talvez hajam algumas exceções quanto a parte do “jovens adultos responsáveis”.

O campus agora parecia estar mais lotado; o burburinho aumentara seu volume e mais rapazes exibiam seus peitos nus. O ar tinha um frescor diferenciado, cheirava a cerveja e cigarros, algo que Emily sempre detestara, mas tal combinava com o momento, então ela meio que estava aprendendo a apreciar. Afinal, era como os jovens viviam. Ela queria se sentir parte daquilo, queria expandir seus horizontes, como havia dito a Maya. Mas ainda se sentia um tanto deslocada ali. Aquilo não era ela. Talvez precisasse amadurecer um pouco mais.

Estava a ponto de perguntar a Maya se podiam ir embora dali – talvez para outro lugar –, quando a garota aprontou para a direita. Perto do estacionamento, via-se três cabines daquelas de tirar fotografia na hora, lado a lado. Emily empolgou-se novamente. Nunca havia visto uma de perto e, embora não fosse uma grande fã de ver-se em fotos, pensou que talvez fosse ser divertido experimentar.

Ela seguiu Maya até a cabine do meio – depois de ter deixado um casal sair de dentro desta aos risos –, que parecia maior por dentro. Uma cortina comprida de veludo azul-marinho dava um tom aconchegante ao espaço. Olhou em volta, ainda que não houvesse muito o que olhar. Tinha os braços junto ao corpo e sentia o olhar discreto de Maya sobre si.

– Se você não quiser as fotos, tudo bem – disse a garota, conseguindo ficar a uma certa distância de Emily no banco estreito que havia ali – Podemos só ficar aqui um pouco e escapar da multidão.

Emily não se preocupou em esconder a surpresa.

– Você... leu a minha mente, por acaso?

Maya deu risada.

– Eu li o seu corpo. Só pelo jeito como você se encolheu dá pra perceber que não se sente à vontade na frente de uma câmera.

Emily não se sentia à vontade na frente de muita coisa, de muita gente. Na maioria dos momentos nem sequer se sentira à vontade diante de seu primeiro amor. Mas nunca, em nenhum momento, se sentira assim estando de frente para Maya. Aqueles olhos amendoados a viam por quem realmente era, aquela garota frágil e inocente, e ainda assim pareciam ver beleza nela, não esperavam que ela fosse mais do que aquilo que ela demonstrava ser. Era uma sensação de acolhimento imensurável! E saber que qualquer outra pessoa esteve observando seu corpo em busca de sinais para fazer uma análise de sua personalidade, faria Emily querer se esconder debaixo de um edredom no mesmo instante mas, novamente, não com Maya.

– Você deveria monetizar esse dom que tem de ver através das pessoas – Emily murmurou, sentindo o próprio rosto quente devido ao rubor – É quase sobre-humano.

– Acho que não – riu de leve, desviando o olhar – Às vezes eu erro. Por exemplo, eu sei que você sente vergonha estando de frente para uma câmera. Eu só não consigo entender por quê.

– Iria entender se visse a foto que está em minha carteira de identidade.

– Pois eu aposto que não – garantiu a garota, cortando a pequena distância que havia entre elas e tocando os cabelos soltos de Emily – Você é... incrivelmente linda.

Ao ouvir tal elogio, Emily sentiu o sangue em brasa correr até cada extremidade de seu corpo. Maya deslizou os dedos dos cabelos de Emily para o rosto dela, acariciando-o desapressadamente. Emily não fez mais nada além de fechar os olhos e deixar-se ser tocada.

– Me diga a sua idade – ela quase suplicou, de olhos semicerrados. Não sabia bem da onde tinha vindo aquela vontade repentina de saber aquilo de vez.

– Vamos fazer o seguinte – Maya tinha dois dedos no queixo de Emily – Você tenta adivinhar, e se acertar, eu confirmo.

Emily estalou a língua entre os dentes, num sorriso vitorioso, e disse em seguida o número que tinha em mente desde que soube que a garota era uma caloura na universidade.

– Dezenove.

Maya recuou um tanto a cabeça, arqueando uma sobrancelha.

– Você é boa.

Emily bateu palmas e afastou-se o máximo que pôde no banco estreito para que a garota pudesse ter uma melhor visão dela.

– Agora faça comigo.

Maya voltou a pôr dois dedos no queixo de Emily e virou-o delicadamente para sua direita, parecendo matutar seriamente sobre aquilo.

– Dezessete – ela partiu a palavra ao meio.

Emily segurou um uau em sua garganta – dezessete, sério? – e limitou-se a balançar rápida e sutilmente a cabeça em negação.

– Dezesseis? – Maya arriscou, mordendo o lábio – Por favor, diga dezesseis.

– É, tem razão, talvez você não devesse mesmo cobrar das pessoas para analisá-las. Tente quinze.

Maya arregalou um tanto os olhos e parte de seu sorriso desapareceu.

– Quinze? – repetiu.

Emily concordou e sentiu-a afastar os dedos de seu queixo, o que a apavorou levemente. Foi a vez de Maya murmurar um uau, mas como se tivesse recebido uma noticia desagradável pelo telefone. Ela sentou ereta no banco, desgrudando seu olhar do de Emily, cujo estômago revirou.

– O que foi?

Maya demorou um pouco para responder.

– Bem, eu... preciso admitir que agora me sinto como se estivesse...

– Saindo com uma criança? – Emily arriscou-se a completar. Em sua voz talvez pudesse ser ouvido um traço de amargura.

– Não – disse Maya rapidamente, voltando a fitar Emily – Eu não disse isso. Nem sequer pensei nisso, juro.

– Que bom, porque eu não... – Emily sentia lágrimas se formando no fundo de seus olhos – eu não sou mais uma criança.

Maya cortou mais uma vez a pequena distância que havia entre elas e acariciou o rosto de Emily, desta vez mais nitidamente.

– Eu sei, meu bem – garantiu baixinho – Sei que não é.

– Então no que pensou? – Emily já se sentia mais tranquila e parecia não notar que seus lábios estavam a centímetros de distância uns dos outros.

– Em como me senti estar forçando você a tudo isso. Acredite, Emily, essa é a última coisa que eu quero. Não quero que se sinta obrigada a fazer algo que não queira. Me desculpe se forcei a barra sobre esse convite de vir para cá hoje. Por favor.

A voz de Maya trepidava, como se ela agora estivesse a ponto de chorar.

– Ei – Emily sussurrou -, calma. Você não me forçou a absolutamente nada. Escute: eu aceitei fazer um tour pela sua nova casa nos primeiros minutos em que conheci você porque eu quis; salvei seu número no meu celular porque eu quis; e estou aqui hoje, bem aqui, pertinho de você, desse jeito, porque eu quero.

Maya engoliu em seco, não se atrevendo a distanciar-se.

– Isso é covardia.

Emily abriu um sorriso.

– O que é?

As respirações calmas e intensas das duas se chocavam. O aroma doce do chiclete de banana de Maya era o melhor do mundo para Emily.

– Você mexe muito comigo, garota.

– Você mexe comigo também – Emily replicou naturalmente, embora seu coração estivesse martelando contra o peito. Finalmente ela conseguia dizer aquilo sentindo que não tinha nada a perder – Estamos quites.

Em seguida, Maya inclinou-se minimamente e fez o conveniente. Emily já esperava por aquilo e fechou os olhos, apreciando a sensação de satisfação e liberdade que aquele contato lhe dava. Fez uma pausa estratégica especialmente para soltar os cabelos de Maya, em um movimento preciso e delicado.

Sentiu que Maya quis manter o gesto num nível superficial apenas para ter certeza de que Emily aprovaria mas Emily, por sua vez, se sentia madura o suficiente para prosseguir com aquilo. Encaixou a palma da mão direita na nuca da garota e deixou que seu lábio superior ficasse entre os dela por um momento, indicando que queria continuar.

Em uma fração de segundo, com o olho esquerdo semicerrado, Emily esticou um braço e apertou um botão verde que só poderia servir para uma coisa. Um leve barulho semelhante ao de um computador sendo ligado pôde ser ouvido e, mesmo com os olhos fechados, Emily pôde ver flashes de uma luz branca piscar quatro vezes. Maya sorriu em meio ao beijo, achando graça do que a garota havia feito.

– Você sempre tem gosto de groselha e vodka? – perguntou Maya suavemente, depois que os flashes cessaram, ainda com o rosto colado ao de Emily.

Emily tocou o céu da própria boca com a ponta da língua. Nada além do leve gosto doce do chiclete de banana de Maya. Como diabos ela conseguia saber disso?

– Nem sempre – brincou.

– Não acredito que você queria que eu te deixasse dirigir assim.

– Eu me sinto perfeitamente apta para isso, juro.

– Não interessa! – repreendeu levemente – Se eu sobrevivesse ao provável acidente, com que cara você acha que eu ia me explicar aos seus pais?

Emily conseguiu rir, embora o exemplo da garota tenha sido bastante mórbido.

– E falando em dirigir... – Maya deu um tapinha no braço de Emily – você não tem uma carteira de motorista, não é, sua farsante?

Emily cerrou os olhos, levemente envergonhada.

– Se eu não tivesse mentido, nós provavelmente não teríamos ido ao lago – explicou, pausadamente – E eu não teria tido um dos melhores dias da minha vida.

Maya sorriu, o olhar praticamente perdido novamente nos olhos de Emily.

– Nós teríamos feito outra coisa, ido a qualquer outro lugar que não requeresse um veículo de quatro rodas – baixou o olhar para seus dedos brincando com os de Emily – Mas eu não ia deixar você escapar – suspirou – Olhe, eu não quero que você pense em mim como alguém que usa cantadas clichês para conquistar garotas como você. É só que... no momento que pus os olhos em você, eu soube que você era especial.

A doce seriedade nas palavras de Maya fez Emily ficar sem saber o que dizer. Inclinou-se e alcançou os lábios dela outra vez, sentindo-a corresponder delicadamente.

– Eu gosto de clichê – murmurou Emily, antes de guiar a garota para fora da cabine.

– Ah, olha só que surpresa – disse Maya, uma vez que estava com a tirinha de fotos em mãos e fingia desdém – Eu geralmente costumo quebrar câmeras fotográficas.

Emily riu antes de olhar para as quatro pequenas fotografias verticalmente enfileiradas. A câmera havia captado, na primeira foto, o desejo no olhar dela pela garota à sua frente. Nas próximas duas, Emily e Maya tinham seus lábios colados uns aos outros e, na última, elas sorriam, ainda de olhos fechados.

– Uau – por um momento foi tudo o que Emily conseguiu balbuciar.

– É, temos feito muito disso ultimamente – Maya ironizou, passando um braço ao redor da cintura de Emily, que tomou delicadamente a tira de papel das mãos da garota.

Elas estavam realmente fazendo aquilo. Beijando-se. Quer dizer, Emily sabia que aquele era o gesto mais natural do mundo mas ela nunca havia se visto fazendo aquilo. As únicas fotos que ela tinha junto de seu ex-namorado, Ben, foram tiradas em dias de torneios de natação pelos pais dela. Ben sempre com um sorriso publicitário no rosto e Emily com seu sorrisinho amarelo e sem graça ao lado dele. Mas eles nunca haviam se beijado para uma câmera. Ben nunca fora romântico o suficiente para isso.

Ao lado de Ben Emily sempre pensara parecer uma garota imatura e sem opinião própria. Mas com Maya não. Em cinco dias Maya fizera Emily crescer interiormente mais do que Ben fizera em quase um ano. Olhar para aquelas fotos comprovava isso. Emily tinha a mão esquerda entre os cabelos de Maya, e tal gesto simples indicava que ela se sentia segura a respeito do que queria.

– Ah, vai, eu acho que estamos fofas – disse Maya, na certa achando que Emily estava demorando para responder.

Emily afastou-se de seus devaneios.

– Sim – concordou, sorrindo finalmente -, eu adorei.

Sem aviso prévio, Maya pegou das mãos de Emily novamente a tira de papel e a dobrou no meio – usando as unhas do indicador e do polegar para demarcar a divisão –, separando-a em duas metades perfeitas. Pôs uma em um bolso de seus shorts e entregou a outra a Emily.

– Um souvenir, minha querida – disse ela, num falsete que soava como um sotaque britânico.

Emily sorriu, namorando as duas últimas fotos da tirinha, com as quais tinha ficado. Por alguma razão, as pontas de seus dedos suavam e seu coração batia descompensadamente, transbordando de orgulho. Naquelas fotos – e naquele relacionamento em geral – a diferença de idade não existia. Eram parecidas, desde os cabelos longos e escuros ao tom de pele; e compartilhavam do mesmo sentimento.

Aquelas seriam as primeiras fotos que Emily guardaria com cuidado em sua carteira. Assim lembraria todos os dias de quem ela era de verdade.


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