Printemps escrita por Hanna Martins


Capítulo 3
Tempestade


Notas iniciais do capítulo

"Printemps" ganhou sua primeira recomendação! Nem consigo expressar direito como estou feliz. Estou tão feliz que terminei o capítulo rapidinho! Olha ele aqui.
Capítulo dedicado a Larissa B Salvatore, que fez esta autora feliz aqui! Obrigada, sua linda!



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O suave vento brinca com os cachos dourados de Peeta, os deixando desarrumados. É possível ver uma cicatriz de queimadura em seu pescoço, quando o vento levanta seu cabelo. Mais uma coisa que compartilhamos, nossas queimaduras. Eu tenho várias espalhadas pelo meu corpo. Desvio meus olhos dele, que neste momento traça no papel um desenho de Cato com sua armadura segurando a espada no ar pronto para dar um ataque. Não podemos nos esquecer de nenhum dos tributos mortos. Eles eram vítimas como nós. Eram apenas crianças que foram jogadas em uma arena para lutarem até morrerem, para divertirem e entreterem as pessoas da Capital, para darem um espetáculo. Cada um deles possuía uma história, uma vida, amigos, família, sonhos e todos foram destruídos. Ninguém deve se esquecer deles. Eles nunca foram nossos verdadeiros inimigos. O inimigo era outro, mas a maioria deles não sabia disso, foram criados para acreditar em outra coisa.

Sinto o vento em meu rosto. O dia está tão bonito. Nem quente, nem frio, a temperatura está ideal. Foi uma ótima ideia vir para o quintal trabalhar no livro. Há vários dias estamos trabalhando no livro sem trégua. Reservamos a tarde para nos dedicarmos exclusivamente ao livro. As manhãs ficam reservadas para nossas outras ocupações. Acordo bem cedo e passo a manhã inteira na floresta. Peeta faz pães.

Levanto meus pés na cadeira e abraço minhas pernas. Apoio meu queixo nos joelhos e olho para o céu. O azul do céu é perfeito hoje. Não há nenhuma nuvem, tudo é azul, poderia me perder facilmente na imensidão azul. Este azul me é familiar. Meus olhos vão parar em Peeta e procuram por seus olhos. A tonalidade do céu hoje é exatamente igual ao azul dos olhos dele.

Como se soubesse que eu estou o olhando, ele levanta seus olhos e lança um olhar em minha direção. Trato de desviar meus olhos rapidamente. Mas é tarde demais, ele já notou meu olhar. Lanço um olhar furtivo para ele. Peeta continua me observando.

― É... Vou pegar uma água, você quer? ― digo me levantando, porque não gosto nenhum um pouco desta situação estranha.

― Não, obrigado.

Rapidamente vou para a casa. Demoro tempo mais do que necessário para beber um copo de água.

― Katniss! ― fala Greasy Sae entrando na cozinha e despejando várias sacolas na mesa. ― O trem da Capital acabou de deixar estas coisas.

Olho para as sacolas, são alimentos, produtos de limpeza e higiene pessoal, linhas, tecidos.

― Só vim deixar isso... Volto mais tarde para preparar o jantar para você.

Sei que a Capital está pagando para que Greasy Sae cuide de mim, pelo menos para fazer com que eu me mantenha alimentada. Afinal, mesmo que eu tenha matado Coin, tive um papel importante na revolução. Além disso, como sou “mentalmente desiquilibrada” é bom ter uma pessoa por perto para manter os olhos em mim. Minha mãe está ocupada demais com a construção do hospital em outro distrito. E Haymitch, não é segredo para ninguém, mal consegue cuidar de si mesmo.

Como não temos nada aqui no Distrito 12, nem mercado, nem padaria, nem açougue ou qualquer tipo de loja, pois tudo, absolutamente tudo, foi destruído, a Capital manda uma vez por semana um estoque de alimentos, produtos de limpeza e higiene pessoal, tecidos para os antigos habitantes daqui que estão se arriscando a voltar.

Sei que aos poucos as pessoas começam a voltar para o Distrito 12. Não tenho as visto, é verdade, já que me mantenho a maior parte do tempo na floresta ou em casa. Porém, eu sei que eles lentamente estão voltando e reconstruindo suas casas. Há alguns dias notei algumas casas sendo levantadas no lugar em que um dia foi a Costura.

Volto para o quintal. Encontro Peeta com os olhos fechados. Há algo de estranho em sua expressão. Seu semblante não está nada calmo. Ele parece agitado. Noto que suas mãos seguram com firmeza o encosto da cadeira.

Compreendo tudo. Peeta está tendo um daqueles flashbacks. É a primeira vez, desde que ele voltou, que o vejo assim. É um tanto assustador, devo admitir, mas mantenho meus pés firmes no chão, não vou fugir, sei que ele precisa de mim neste momento.

Suas mãos aos poucos vão diminuindo a pressão sobre o encosto da cadeira. Por fim, ele abre os olhos com cautela. Seus olhos estão inquietos e um tanto confusos, como se uma tempestade acabasse de passar por eles. Peeta pousa seu olhar em mim. Não desvio meus olhos dele. Lentamente me aproximo. Fico apenas alguns passos de Peeta, se estender minha mão posso o tocar.

― Você não deveria se aproximar de mim, quando estou assim ― adverte com uma voz que tenta se manter calma, sua respiração é ofegante.

― Não tenho medo ― contesto firmemente. Ele precisa saber que não tenho medo dele. ― Confio em você.

É verdade, confio nele. Por alguma estranha razão, sei que ele não irá me atacar como um dia o fez.

― Katniss... por favor, não fique perto de mim! ― pede.

Nego com a cabeça.

― Não! Sei que você não vai deixar que nada de mau aconteça comigo.

Ele suspira e solta a cadeira.

― Isso é arriscado, Katniss ― diz me olhando. ― Dr. Aurelius disse que nunca estarei totalmente curado, sempre conviverei com os flashbacks. Minha condição está estabilizada. Mas, é igual à de um viciado, sempre há a possibilidade de uma recaída ― há certa melancolia em seu tom.

― Mas você não terá nenhuma recaída ― meus lábios dizem quase que automaticamente e com firmeza.

Envolvo Peeta em meus braços, de um modo um tanto desajeitado. É a minha vez de abraçar Peeta. Consolá-lo, como ele fez comigo há alguns dias. Ao envolver seu corpo em meus braços, percebo que seu corpo fica tenso por um instante. Noto que o abraço o pegou um tanto de surpresa. Sei que ele não esperava que eu o abraçasse agora. Afinal, de nós dois, ele sempre foi o melhor em fazer gestos deste tipo. Seu corpo aos poucos relaxa e seus braços me envolvem fortemente. Apoio meu rosto em seu peito. Ficamos em silêncio por um longo tempo

―Katniss, por favor, fique longe de mim, quando eu estiver assim ― diz se soltando de mim, sua voz tem uma ponta de tristeza. ― Eu não suportaria se voltasse a te atacar novamente... ― olha em meus olhos, porém, desvia o olhar rapidamente de mim. ― Terminamos por hoje. Amanhã, continuamos... ― diz virando as costas para mim e caminhando rapidamente em direção à saída.

Fico olhando as costas de Peeta se moverem, até o perder de vista.

Será que algum dia voltaremos a ser como antes? Não, não voltaremos. E sei que esta resposta é a mais verdadeira de todas. Um dia talvez, eu já tenha pensado que poderíamos ser como antes. Contudo, hoje sei que não podemos.

Apanho as folhas de papel da mesa. Entro.

Acordo quando o sol ainda nem está no céu. Na verdade, passei quase a noite toda sem fechar os olhos. Tive uma noite cheia de pesadelos. Hoje, sonhei com os bestantes me perseguindo, crianças morrendo em minha frente e eu sem poder fazer nada, totalmente impotente. A sensação de impotência é a pior de todas.

Pego meu arco e minhas flechas e vou caçar. Nem tomo café da manhã. Levo algumas coisas para comer na floresta. Andar pela floresta e respirar o ar puro me acalmam um pouco. Hoje, o dia está nublado, parece que irá chover. Não demoro muito tempo na floresta. Irá cair uma verdadeira tempestade. Os animais estão agitados, eles têm uma espécie de sexto sentindo para estas coisas.

Volto para a casa, antes que a chuva resolva cair. Tento dormir um pouco. No entanto, não consigo conciliar o sono. Minhas pálpebras teimam em ficar abertas. Desisto de dormir e começo escrever algumas coisas para o livro. Quando não consigo dormir, me concentro no livro. Deve ser por isso que já há uma boa quantidade de páginas escritas. Colocar no papel meus sentimentos resolve um pouco a situação. Dr. Aurelius tem um pouco de razão, realmente colocar para fora o que me aflige ajuda um pouco.

Já está na hora de Peeta vir para minha casa, já são quase três horas da tarde. Normalmente, é neste horário que ele vem. Ele já deve estar me esperando. Pego as coisas e desço para a sala. Ele não está na sala. Vou até o quintal. Ele também não está no quintal.

Será que ele está bem? Surge em minha mente o aspecto inquietante de seu rosto, quando ele teve aquele flashback, ontem. Sinto uma espécie de inquietação. O céu está cada vez mais escuro quase negro. A tempestade se aproxima. Decido procurar por ele.

Ainda bem que somos vizinhos. Basta dar alguns passos e estou em sua casa. Não há qualquer barulho, tudo está silencioso. Consigo ouvir o barulho de meus passos ecoarem pela casa. Este silêncio é um tanto perturbador.

― Peeta! ― chamo. ― Peeta! ― não obtenho nenhuma resposta. ― Peeta! ― insisto.

Subo as escadas correndo e vou até seu quarto.

― Peeta!

Entro em seu quarto. Ele está deitado na cama, enrolado em um cobertor. Seus olhos estão fechados, a palidez em sua pele é nítida. Noto o tremor em seu corpo. Será que ele está tendo outro daqueles flashbacks?

Me aproximo. Não, não é isso.

― Peeta, o que você tem?

Coloco minha mão em sua testa, está queimando de febre.

― É apenas um resfriado ― fala com certa dificuldade.

Peeta ainda não perdeu a mania de me assegurar que está bem, quando claramente não está.

Escuto um trovão rugir lá fora e a chuva caí forte. É como se voltássemos no tempo. A caverna, Peeta doente. E eu tentando manter Peeta vivo.


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Notas finais do capítulo

O que acharam do capítulo? Peeta sempre terá que conviver com os flashbacks, uma coisa destas é impossível esquecer. Como será que eles lidarão com isso no futuro?