Marinwaal: besties forever escrita por Miss Vanderwaal


Capítulo 7
Quando tudo parece desmoronar




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Acordei em um sobressalto no dia seguinte, novamente antes do despertador tocar, talvez devido a um pesadelo, eu não sabia dizer. Tudo que sentia era uma urgência em sair da cama.

Ao sair da casa de Caleb, na tarde anterior, eu havia recebido uma mensagem de Aria: Mas o que diabos está acontecendo com você? Pude lê-la ouvindo sua voz meio sarcástica. Resumi a verdade em poucas palavras: Passei a manhã com Caleb. Tivemos uma pequena turbulência e eu tive que colocar as coisas nos eixos. Ela me respondeu em seguida, arrancando-me uma gargalhada: Você não está grávida, está? Aria, às vezes, por mais incrível que pudesse parecer, conseguia ter um nível de sutileza menor do que o meu. Apenas respondi que não, colocando ao lado um rostinho que mostrava a língua.

Não sabia o que iria dizer, porém, para explicar o porquê de não estar indo novamente à aula naquela manhã de sexta-feira.

Me vesti meio que às pressas, porém não tão desleixadamente, e peguei meu material, embora eu estivesse ansiosa para ir a um lugar que não era a escola.

Eu estava cruzando uma zona perigosa com isso, afinal, quando os alunos faltavam de dois a três dias seguidos, o conselho escolar ficava de olho e, se eles resolvessem ligar para minha mãe, eu estaria definitivamente ferrada.

Mas eu simplesmente precisava ir ao Redley para descobrir o real estado de Mona. Precisava que me deixassem vê-la. E a recepcionista de fato havia sugerido que eu voltasse dentro de alguns dias. Talvez Mona já estivesse recuperada e dedilhando o piano novamente. Talvez se sentisse sozinha. Talvez até sentisse minha falta.

Assim que senti o ar gélido de uma típica manhã de outono e os primeiros raios de sol despontando ao sair de casa, relaxei inconscientemente. Tive que pegar o carro e dirigir uma quadra até o The Brew para que minha mãe não encrencasse com o fato de eu não ter tomado café e ainda estar adiantada para a escola.

Tudo parecia estar indo de acordo com meu plano, exceto que eu não tinha um plano.

Tivera a tarde de quinta livre para pensar no que dizer ao coordenador do Radley, um homem que imaginava ter cabelos grisalhos (quase brancos), vestir terno de funeral e ter uma ou duas dessas canetas que custam 600 dólares em sua mesa de mogno. Pensava também em ouvi-lo dizer algo como “você tem 30 segundos para dizer porque merece ver sua melhor amiga”.

Ao chegar na tão familiar cafeteria, me sentia impotente. Até meu estômago dizia que era cedo demais para beber no intuito de tomar coragem, então apostei nos expressos. Não um, não dois, mas três. Fortes. Em minha defesa, os dois primeiros estavam mornos, praticamente gelados, aliás, e me fizeram começar a sentir raiva da situação toda.

Saí do local a passos firmes, já sentindo o efeito da cafeína (ou achando que sentia). Passei dois ou mais sinais vermelhos sem nem piscar, e me sentia corajosa o suficiente para passar de um policial com um bilhete de multa.

Por segundos, deixei que um pouco de minha raiva se direcionasse a Caleb. Se não fosse por ele e seu pequeno “ato heroico”, nada disso estaria acontecendo. Mona ainda estaria sorrindo para mim enquanto eu a colocava à par das novidades da Teen Vogue. Deus, ela estava tão perto! Perto de, quem sabe, sair daquele lugar. De recomeçar a vida! Eu apenas disse para ela ficar longe de você, Caleb se explicara. Mas, afinal, como ele ousa?

Por um momento, meus olhos ficaram embaçados por lágrimas quentes e eu senti o carro dar uma leve derrapada enquanto eu mudava de faixa na estrada principal descongestionada que levava à Filadélfia. Não, sacudi a cabeça, afastando aqueles pensamentos rancorosos da mente e voltando a concentrar-me na estrada, Caleb já se arrependera e já pedira perdão. Fim da história.

Tentei especular o que faria se recebesse um potencial “não” como resposta a respeito de ganhar um passe vip para ver Mona, o que até agora não havia exatamente me ocorrido.

Lembrei de certa vez, no segundo ano, quando Mona e eu saíramos para jantar no Le Bec Fin – talvez o restaurante mais conceituado de toda a Filadélfia – e o garçom trouxe as mini tortas de camarão um tanto frias.

Eu não estava me importando nem um pouco, o negócio estava realmente delicioso (afinal, em meu passado não tão distante de “Hanna Gordinha”, eu costumava atacar a geladeira a toda hora então, já havia adquirido certa resistência a esse tipo de deslize), mas Mona parecia estar genuinamente indignada e, balançando os brincos vermelhos e dourados que pendiam de suas orelhas, ela exigia falar com o gerente.

Se tal “escândalo” tivesse se passado com qualquer um presente em meu círculo social, eu teria cavado um buraco no chão para enviar a cabeça, mas Mona fez com que tudo fosse um show à parte e, no final, depois que ela disse que “não éramos hipócritas para desperdiçar comida enquanto havia tanta gente passando fome no mundo, mas que não gostaríamos de ver tal coisa acontecendo de novo”, nos livraram de pagar pelas mini tortas, isto é, como uma "desculpa da casa".

Assim que nos viramos para voltar para nossa mesa, dado o show por encerrado, ela sussurrou para mim, com um sorriso travesso no rosto: “viu como foi fácil?”.

Eu levei alguns segundos para acreditar que tudo fora um engenhoso plano, mas tive certeza de que, se já não fosse amiga de Mona, iria implorar por sua companhia nos intervalos.

Se não estou enganada, aquela fora a primeira vez que eu vira Mona roubar algo de propósito, e assim, nos tornamos um “tipo chique” de cleptomaníacas.

Talvez eu fosse capaz de usufruir do mesmo poder de persuasão com o coordenador do Radley, eu pensava, enquanto passava pelo jardim frontal do prédio, mas assim que entrei no local e vi todos aqueles enfermeiros se movimentando de um lado para o outro, tal coragem desapareceu por completo. Afinal, já se passara mais de um ano e eu não tinha mais o sangue de It Girl Poderosa correndo por minhas veias.

Reconheci a voz da recepcionista com quem havia falado na quarta-feira. Ela estava ao telefone, porém desligou assim que viu que eu me aproximava lentamente.

— Hanna, não é?

Eu assenti, com um sorriso fraco. Minhas mãos tremiam.

— Eu sinto muito, querida – disse ela, em uma voz simpática e baixa, como se não quisesse acordar alguém – Mas ainda não notamos mudanças.

Permaneci em silêncio com as mãos apoiadas no balcão, tentando absorver aquela informação. Mas você disse... em alguns dias, eu queria protestar, porém me sentia sem forças. A cafeína, provavelmente, não estava surtindo efeito algum.

— Posso ao menos saber como ela está? – minha voz era praticamente inaudível.

— Não sou a melhor pessoa para te informar sobre isso, mas pelo que sei ela ainda continua sob uma medicação forte.

— Não posso mesmo vê-la?

A recepcionista suspirou. Eu podia notar que havia compaixão em seu olhar.

— Não é que eu não queira deixar você ir – informou – , mas ela está provavelmente dormindo agora e, mesmo se estivesse acordada, seria muito pouco provável que ela fosse se lembrar de que você esteve aqui para visitá-la.

Não importa, eu quis protestar novamente, eu me contento só em olhar para ela.

— Quer que eu chame o enfermeiro dela para vir falar com você? – sugeriu-me a moça, constatando certamente que meu rosto estava pálido – Creio que ele possa te dar um diagnóstico mais preciso.

— Sim, por favor – foi tudo que consegui dizer, ainda com um quase inaudível tom de voz.

Enquanto me virava e ia em direção as cadeiras perto da porta, me sentia gélida e tonta, como se minha pressão tivesse baixado repentinamente. Mordi o lábio inferior e torci para que ninguém ali estivesse me vendo chorar. Tudo que passava por minha mente era o pessimismo de que Mona havia perdido a batalha de vez.

— Hanna? – alguém me chamava com uma voz preocupada, se aproximando rapidamente – O que aconteceu?

Levantei a cabeça e Eddie Lamb sentou-se ao meu lado. O fato de ele ter me chamado pelo primeiro nome mostrava genuína preocupação, o que me confortou, de certa forma. Pensei em inúmeras respostas para a pergunta dele, dentre tais um “Você é quem deveria me contar o que aconteceu!”, mas a que eu realmente queria proferir era “-A aconteceu”, porém obviamente que não o fiz.

Endireitei-me na cadeira, passando as mãos pelos olhos. Me sentia exausta e não eram nem oito da manhã direito.

— Por favor, apenas me diga que não é o fim da linha para ela.

— Não é! – Eddie sorriu, tentando me tranquilizar – Foi uma crise. Uma crise repentina e bastante violenta, de fato, mas ainda sim apenas isso. E crises passam.

— Bem, está certo. Mas isso aconteceu há dias e ainda continuam envenenando-a com toneladas de Boa Noite, Cinderela. Por quê? – podia sentir que a mágoa em minha voz o deixava apreensivo.

Eddie tinha em mãos o que me parecia ser um caderno de chamada escolar. Ele dobrou-o e apoiou os cotovelos nos joelhos, suspirando em seguida.

— Estão fazendo isso até terem certeza de que ela não apresenta perigo para si mesma.

Uma onda de pavor me dominou dos pés à cabeça.

— O que quer dizer?

Eddie me fitou com olhos de quem não gostava da notícia que estava prestes a dar.

— Bem, pelo que se sabe, Mona acordou na madrugada de terça para quarta-feira e, pela manhã, eu encontrei isto aqui junto dela – ele pegou de um dos bolsos de seu uniforme uma pinça dourada, a qual eu reconheci depois de dois segundos. Eu a havia trazido comigo quando resolvi fazer as unhas de algumas das pacientes na segunda-feira – Seus antebraços estavam arranhados e as pontas de quase todos os dedos sangravam.

Peguei o objeto da mão de Eddie, incrédula, me perguntando em que dimensão eu havia estado para não perceber que Mona surrupiara aquilo de meu estojinho de manicure. Passei delicamente o polegar sobre as pontas afiadas da pinça. O negócio provavelmente seria capaz de fatiar salame. O que não faria com um braço humano?

Juntei os lábios a fim de não chorar na frente daquele amigável estranho, o que foi em vão.

— Deus, eu sinto muito! Eu... eu não fazia ideia – tentei me justificar, embora sentisse que estivesse direcionando as palavras mais à Mona do que à Eddie.

— Não se culpe – ele pôs a mão em meu ombro direito – Não é a primeira vez que uma coisa assim acontece por aqui, embora... haja uma parte mais triste.

Não consegui esconder um riso irônico.

uma parte mais triste?

Porém Eddie não riu. Suspirou, preocupado, em vez disso.

— Creio que seja por essa razão, em especial, que o conselho queira transferir Mona para um hospital mais estruturado. Em Saratoga Springs, Nova York.

Era informação demais para ser absorvida em apenas uma frase que levara cinco segundos para ser dita. Saratoga Springs, embora fosse mais ou menos três vezes maior que Rosewood, ainda era uma cidadezinha modesta no leste de Nova York, até onde eu sabia. O que poderia ter de especial lá?

— Conselho? – acabei por perguntar, confusa.

— Coordenadores, médicos, avaliadores mentais – ele explicou.

Apoiei os antebraços nos joelhos. Havia praticamente um exército querendo que Mona fosse embora.

— Isso não pode estar acontecendo – sussurrei para mim mesma.

— Olhe, eu provavelmente não deveria estar te contando isso, mas pelo que eu vejo a conexão entre vocês duas é muito forte. Achei que você tinha o direito saber.

Em meio a tamanho rebuliço interno em que eu me encontrava, consegui sorrir levemente. É verdade, queria dizer.

— E quanto aos outros pacientes? – perguntei, fitando-o em busca de esperança – Você disse que não é a primeira vez que isso acontece por aqui.

Eddie suspirou outra vez. Havia tristeza e compaixão em seu olhar.

— O problema é que não é apenas a automutilação. Ela passou grande parte da quinta-feira acordada e, embora tivesse voltado a permanecer calada durante grande parte do tempo, estava... agressiva. Parecia irritada com algo.

Agressiva, repeti mentalmente. Meu namorado deixou-a assim, eu queria dizer. Por mais que eu genuinamente não estivesse mais com raiva de Caleb, era difícil esquecer que ele fora o grande culpado por tudo isso.

Fechei os olhos a fim de dissipar aqueles pensamentos.

— Por favor, me dê uma notícia boa – implorei, a voz embargada - Apenas uma.

Fez-se um momento de silêncio.

— Ela chamou por você – Eddie sorriu modestamente – Duas vezes.

Senti meu interior aquecer e um largo sorriso cruzou meu rosto, embora meus olhos estivessem úmidos.

— Não existe um jeito, qualquer um, de eles mudarem de ideia?

Eddie pensou por um tempo.

— Somente se os pais dela se colocarem contra a decisão do conselho.

— Bem, e o que eles têm a dizer sobre isso?

— Eles... estão, sim, dispostos a se mudar, se necessário – ele respondeu, pausadamente.

Refleti sobre aquela única possibilidade. Eu era capaz de escutar tic-tacs em meus ouvidos, mas eu ainda tinha tempo.

— De jeito nenhum – sussurrei para mim mesma novamente.

— Aonde vai? – senti o olhar de Eddie me acompanhar enquanto eu levantava bruscamente da cadeira.

— Eu preciso... resolver isso – me despedi de Eddie com um singelo beijo no rosto e, honestamente, não dava a mínima se havia parecido informal demais ou não – Obrigada, por tudo.

Enquanto eu dirigia de volta para Rosewood novamente, com provavelmente a mesma pressa que estava quando cheguei ao hospital, a única coisa em que conseguia me concentrar era em algumas das últimas palavras de Eddie para mim – Ela chamou por você. Duas vezes. – e em como tais fizeram meu coração acelerar.


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