Casa de Boneca escrita por Angie


Capítulo 2
The Mom




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O ateliê ficava a alguns quilômetros da escola então Melanie pegou o ônibus. Ficou em pé perto da porta já que não havia lugar para que ela se sentasse.
A garota observava a paisagem passar pelo vidro da porta. Sempre igual. E sempre diferente. Embora fosse considerado vandalismo ela gostava de ver as novas pichações. Também eram obras de arte aos olhos dela.
Apertou o botão de parada e desceu no ponto. Embora não chovesse mais o chão ainda estava molhado fazendo as botas estalarem na água e jogarem a água da pequena poça para cima.
Ela andou por mais dois quarteirões até entrar em uma loja de brinquedos artesanais.
– Bom dia, Heloisa - disse quando o pequeno sino na porta tilintou.
– Você não deveria estar na escola? - ela perguntou sem direcionar o olhar para Melanie. Pelo que parecia, seu livro estava bem mais interessante.
– Estou ótima e você? - perguntou irônica e a mulher riu levantando os olhos do livro. Heloisa não deveria ter mais do que 25 anos, embora nunca revelasse sua idade. Tinha cabelos castanho claros e olhos âmbar que combinavam com a pele pálida.
– Cabulou aula só para conversar comigo?
– Hm... Talvez. Ou talvez eu queira descer para o ateliê. Me dá a chave? - perguntou e não obteve resposta - Por favor? Por favorzinho?
Heloisa ergueu o molho de chaves. Tinha como chaveiro uma peça delicada feita por Melanie. Uma pequena fada de plástico que não devia passar de cinco centímetros. Ela tinha cabelos rosa e os pequenos olhos verdes combinando com um sorrisinho tímido. Um vestidinho rodado vermelho cobria o pequeno corpinho dando à impressão da que era a pétala de uma rosa. Os pequenos pezinhos estavam descalços.
– Vá garota. Abra as paredes.
Melanie sorriu e foi para o fundo da loja. Era quase invisível mas tinha uma fechadura ali, atrás das prateleiras de carrinhos de madeira feitos pelo pai de Heloisa. Melanie colocou a chave ali e a girou abrindo uma pequena porta.
O ateliê era praticamente o único lugar em que Melanie se sentia segura e livre. Ali deveria ter pelo menos 15 de suas criações e, de acordo com Heloisa, todas eram únicas e perfeitas.
Melanie demorava a fazer as bonecas. Demorava a pensar nelas e achá-las perfeitas.
Certa vez a mãe de Heloisa perguntara por que a menina não vendia as bonecas. Disse que elas dariam um ótimo preço.
– A senhora venderia um de seus filhos, senhora? - ela perguntara e como resposta tivera um "Jamais!" - Da mesma forma eu venderia uma de minhas bonecas.
Melanie estava trabalhando há um mês no rosto de uma boneca. Esta era de porcelana e Melanie havia feita seu rosto perfeito e liso com bochechas protuberantes. Apenas o esboço doa olhos estava desenhado e ela começara a desenhar o contorno e os cílios.
– Essa já tem nome? - a voz doce de Vitor preencheu o lugar fazendo os olhos de Melanie se fecharem em prazer.
– Já disse para você não vir sem eu chamar. E se eu estivesse com alguém? - ele a abraçou por trás depositando um beijo em seu pescoço.
– E o que tem? Você tem vergonha de mim? - ele perguntou.
– Não. Mas quanto menos souberem, menos irão nos atrapalhar. Você mexeu em alguma delas? - ela perguntou se virando para ele e depositando um beijo suave em seus lábios.
– Claro que não. Sei que você não gosta que mexam nas suas bonecas.
Melanie se afastou olhando as bonecas nas prateleiras e na pequena estante.
– Você mexeu na Liana - ela disse apontando para a boneca de cabelos pretos encaracolados e olhos azuis.
– O.k. Talvez eu tenha mexido nela. Ela parece com você.
Melanie corou tirando a camiseta branca do uniforme revelando uma regata preta justa.
– Agora tira essa também - disse Vitor sorrindo o que a fez olhar incrédula.
– Tarado! - ela fez uma bola com a camiseta do uniforme e jogou nele.
– Você nunca deixa eu me divertir - ele disse fazendo biquinho. A garota riu se virando para os pincéis.
– Por que você não vai perturbar sua irmã lá em cima?
– Porque ela é minha irmã e não minha namorada - ele respondeu brincando com o cabelo dela.
– E quem disse que eu sou sua namorada?! - ela perguntou rindo.
– Você é desde que disse sim. - ele a beijou e se afastou - Tá legal, te deixo em paz.
– Obrigada! - ela pegou a cabeça de boneca e o pincel fino molhado de tinta preta.
Depois que ouviu a porta se fechar Melanie começou a trabalhar. Retocou o contorno dos olhos e os cílios. Incrementou mais alguns fios aos cílios com o pincel mais fino que tinha e decidiu pintar os olhos. A tinta era laranja vivo como o pôr-do-sol.
– Será uma sereia - disse a si mesma quando o pincel tocou a porcelana - E seu nome será Ivy.

* * *

O sol já estava se pondo quando Melanie chegou em casa. Era uma mistura harmoniosa de laranja e vermelho traçando o céu rosado.
Tinta em tela, pensou ela.
Entrou e iria direto para o quarto mas para isso precisava passar pela sala onde a mãe se encontrava sentada, sozinha, com uma pequena garrafa em mãos.
– Onde você estava? - perguntou olhando fixamente para a janela entreaberta.
– Estou bem, mãe. Meu dia foi ótimo e o seu? - a mãe não respondeu. Não fez nada além de continuar olhando para a janela - Cadê o Arthur? - a mulher deu de ombros e Melanie virou as costas indo para o quarto. Pode ouvir os soluços da mãe dali. Se sentia culpada e odiava aquilo mas não podia fazer nada e, se podia, não sabia como.
Foi até o quarto de Arthur só para encontrá-lo vazio. Arthur estava estranho e quieto havia meses e Melanie ainda não sabia o por quê - embora quisesse.
Ela tirou a calça do uniforme vestindo um jeans cinza surrado e enfiando um tênis no pé, que, diga-se de passagem, era bem mais confortável que as botas.
Desceu as escadas e pegou um pacote de bolachas recheadas no armário da cozinha indo para a porta de entrada.
– Mãe, tô saindo - a mulher olhou para ela dando um meio sorriso - Mãe?
– Você se parece tanto comigo quando tinha sua idade - as duas soltaram um pequeno risinho sincronizado. Melanie se aproximou pegando a garrafa da mão da mãe.
– Acho que já chega disso por hoje, dona Ana.
A mãe sorriu tristemente e deixou se carregada até o chuveiro no andar de cima. Se despiu enquanto a filha ligava o chuveiro. A água estava morna e batia no corpo de Ana fazendo nebulosidade da mente embriagada diminuir. Sorriu para a filha enquanto a água escorria dos cabelos.
– Mãe, chega a ser um crime uma mulher que já teve dois filhos ter o corpo que a senhora tem - Ana riu se enrolando na toalha cor de rosa que Melanie trouxera. Melanie também havia levado uma roupa fresca e de tecido mole, suficientemente confortável para um longo cochilo.
Ana deu um beijo na testa da filha e foi para o quarto se deitar.
Melanie esperou a porta se fechar para agarrar a mochila e sair pela porta.
Saiu andando o mais rápido que podia sem começar a correr pela calçada até Bruno esbarrar nela e a segurar pelos ombros.
– Ei, aonde vai? - ele perguntou sorrindo mas Melanie não queria sorrir. Só queria sair um pouco e se distrair, mas não com Bruno.
– Lugar algum - respondeu se desvencilhando das mãos do rapaz e agora correndo. Correndo pela calçada cheia de cascalhos e desviando de um ou outro sujeito pelo caminho.
Parou de correr e retornou a passos ligeiros e logo os passos eram lerdos e pensativos. Pensavam na mãe bebendo, tentando afogar as mágoas de um relacionamento antigo e de um presente que ia de mal a pior; pensava em onde o irmão se metera desta vez e o quão drogado chegaria em casa; pensava em onde o pai poderia estar àquela hora, porque em casa não estaria - deveria estar com mais um de suas prostitutas baratas; pensava no modo como havia falado com Bruno há tão pouco tempo; e pensava em Vitor, em como queria estar com ele naquele momento.

* * *


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