Ao chegarem em casa, já se aproximava da hora do almoço. Theo e Lara estavam irritados, tanto pela fome quanto pelo sono. Jade amamentou ambos, o que para Gabe era sinal de que deveria ficar em silêncio. Como os irmãozinhos já estavam maiores, ele sabia que a mãe só os amamentava em situações especiais. E aquele dia, com certeza, era uma dessas situações.

Esperou pacientemente que os pais acalentassem seus irmãozinhos, os colocassem para dormir aconchegados em seus quartos, e então preparassem o jantar. Comeram juntos, em silêncio, Jade e Cobra ainda tentando decidir como conversar com o filho mais velho.

“Gabe, toma banho rapidinho, que nem eu e a mamãe. Depois vai no nosso quarto para conversarmos, ok?” Pediu Cobra, levando o filho até o quarto.

“Ok, papai.” Ele concordou, correndo porta a dentro e deixando o lutador para trás.

“Eu não sei nem por onde começar.” Admitiu Jade, parando atrás do marido.

“Vamos descobrir juntos.” Ele prometeu, a abraçando e se encaminhando para a suíte do casal.

Meia hora depois, os dois já estavam sentados na cama, de pijama, esperando que Gabe aparecesse. Ele bateu de levinho na porta, já a empurrando, e sorriu para os pais.

“Posso entrar?”

“Claro que sim, meu amor... Vem cá.”

Ele correu até os braços estendidos da mãe, se aninhando ali. Ela o abraçou protetoramente, algumas lágrimas se formando no canto de seus olhos, enquanto ela e o marido trocavam um olhar que tentava decifrar por onde começar.

“Quem era aquela mulher de hoje, mamãe? E por que ela falou aquelas coisas?” Perguntou Gabe com a voz baixinha.

“Presta atenção no papai, Gabe, porque eu vou te contar uma historinha...” Pediu Cobra, se ajeitando na cama. O menino tirou o rosto do colo da mãe, encarando o pai. “Você sabia que o vovô Gael já teve outra esposa?”

“Ele casou com outra pessoa depois de casar com a vovó?”

“Não, antes. Antes de conhecer a vovó, o vovô foi casado com uma moça chamada Ana. Essa moça, a Ana, é a mamãe da tia Bianca.”

“Mas a tia Bianca chama a vovó de mamãe!” O menino ficou confuso. “Onde está essa outra mamãe dela?”

“No céu.” Ele se virou para Jade, que acariciou seu rosto. “Junto com a minha mãe, a vovó Lucrécia. A Ana morreu um pouquinho depois que a tia Bianca nasceu, e aí o vovô conheceu a vovó.”

“E a vovó virou a mamãe da tia Bianca?”

“Isso mesmo, campeão. A vovó e o vovô se conheceram, e começaram a gostar muito um do outro. E então, eles se casaram, e a vovó ficou grávida de mim. Só que aí ela percebeu que a tia Bianca não tinha uma mamãe, e ela era uma mamãe. Então ela se tornou a mamãe da tia Bianca.” Concluiu Cobra.

“Isso é muito legal, papai. A tia Bianca ganhou uma mãe.”

“E foi o que aconteceu com você também, meu amor.” A voz de Jade saiu meio trêmula, enquanto o filho se virava para ela. “Você não nasceu aqui da minha barriga, que nem a Lara e o Theo.”

“Como assim?”

“É assim: o papai namorava com uma moça... Aquela moça que apareceu hoje na casa do tio João. E essa moça ficou grávida de você. Mas, quando você nasceu, ela ficou muito doente, e não ia poder cuidar de você por muito tempo. E depois de um tempo, o papai começou a namorar com a mamãe...”

“E como eu não tinha uma mamãe para cuidar de mim, a mamãe quis fazer isso. É isso, não é?” O menino concluiu o raciocínio do pai.

“É, é isso mesmo, meu amor.” Jade sorriu para o filho mais velho, beijando sua testa.

“Mas, agora que aquela moça voltou...”

“Nada vai mudar, meu amor. Você acha que a vovó deixou de ser mãe da tia Bianca só porque ela não nasceu da barriga dela?”

“Claro que não, mamãe.”

“Então, o fato de você não ter saído aqui da minha barriga não te faz menos meu filho do que seus irmãos. Você é quem fez de mim mãe, me ensinou a ser mãe, muito antes de eu sonhar com os seus irmãos... E não é o fato de você ter saído de outra barriga, ou de você agora saber disso, que vai mudar o que nós dois sentimos. Está bem?”

“Eu te amo muito, mamãe.” Gabe envolveu seu pescoço com os bracinhos, a apertando com força.

“Eu também te amo, minha vida.”

“E o papai ama vocês dois.” Cobra os abraçou, beijando ambos.

“Mas... Por que aquela moça apareceu hoje? Sabe, aquela que namorava o papai e ficou doente?” Ele perguntou, se soltando do abraço e encarando os pais com curiosidade.

“Bom, é que ela melhorou da doença dela, sabe?”

“Deram um remedinho para ele, que nem vocês me dão quando eu to dodói?” Gabe interrompeu o pai, que acabou rindo.

“Isso, campeão. Eles deram um remedinho para ela, e ela melhorou. E, bom, é difícil explicar isso para você. Você sabe que existem tribunais, onde os advogados que nem o tio João trabalham, certo? Eles são responsáveis por fazer leis, que é para não acontecerem brigas, entende? E quando ela ficou doente, essas pessoas fizeram uma ‘lei’ que dizia que quem iria cuidar de você, junto comigo, ia ser a mamãe.”

“E como é o nome dessa moça?”

“O nome dela é Bárbara, filho. E bom, agora que ela já sarou, ela está pedindo para mudarem essa ‘lei’.”

“Ela quer me tirar de você, mamãe?”

“Não, meu príncipe, claro que não... É só que, ela ainda é sua mãe de sangue, entende? E ela quer fazer parte da sua vida também. Então ela está pedindo que deixem você ter duas mães e um pai.”

“E o que isso quer dizer?”

“Que ela quer sair com você nos finais de semana, levar você para dormir na casa dela às vezes, ir nas festinhas de escola...” Cada palavra tinha um gosto amargo na boca do casal, que por dentro queria dizer que jamais deixaria isso acontecer.

Mas haviam conversado muito com a família, e criar uma guerra não seria o melhor a fazer, nem para eles, nem para Gabe, nem para ninguém. Esconder a verdade dele seria pior, e quando ele descobrisse no futuro poderia se magoar. O melhor era ser o mais honesto possível, por mais que doesse a eles.

“Eu vou poder continuar te chamando de mamãe?”

“Claro que sim.”

“E você não vai voltar a namorar com ela, papai?”

“Não, Gabe, a única namorada que o papai vai ter pelo resto da vida é a mamãe.” Garantiu Cobra, acariciando a cabeça do filho.

“E ela também vai ser mãe da Lara e do Theo?”

“Não, meu amor. Entenda que poucas crianças tem a mesma sorte que você, de ter duas mães.” Jade explicou, com a garganta seca.

“É que sabe o que é? Eu não quero outra mãe, só uma tá bom... Ela pode ser só minha amiga?” Pediu ele, envergonhado. Os pais riram, erguendo o edredom e o puxando para baixo das cobertas. Ele se ajeitou entre os dois, enquanto Cobra apagava a luz.

“Ninguém vai te forçar a nada, Gabe. Se você quiser que ela seja só sua amiga, ela vai ser, está bem?” Prometeu Jade, beijando a cabeça do filho. “Agora dorme aqui com o papai e a mamãe... A gente vai cuidar para que nada de mal te aconteça.”