O domingo foi tranquilo e silencioso. Como Gabe ainda não estava 100% recuperado, Jade e Cobra resolveram permanecer na casa da bailarina e assistiram Galinha Pintadinha até o menino dormir. Depois assistiram algum filme que passava no Telecine e namoraram no sofá até caírem no sono também. Acordaram perto das 20h com o celular do rapaz berrando.

“Ricardo, filho... Cadê vocês? A casa está uma bagunça e você não deu mais notícias.” Gritou Dandara, desesperada.

“Nós estamos aqui na Jade, mãe... Dormimos aqui ontem e acabei ficando por aqui, para ela me ajudar com ele. Esqueci completamente de ligar, me desculpe.” Explicou o rapaz, a voz ainda sonolenta enquanto a morena se espreguiçava em seu peito.

“Ah, vocês estão na Jade?” Era possível ouvir o alívio e contentamento da professora em sua voz. “E como o Gabe está?”

“Sem febre.” O rapaz checou rapidamente, sorrindo. “Dormindo como um bebê, literalmente.”

“E quando vocês vão voltar?” Cobra olhou para baixo, encontrando o olhar sorridente de Jade.

“Amanhã cedo, mãe... A Jade está de mudança para o apartamento novo e eu vou ajudar a dar uma ajeitada nas coisas. Eu trouxe as roupinhas do Gabe e eu acho que ela tem alguma roupa minha perdida nas coisas dela... Amanhã a gente conversa, desculpa a bagunça. Beijo para você mãe.”

E desligou sem dar chance de resposta. A morena riu, o abraçando mais apertado.

“Ela vai ter um grande interrogatório amanhã.”

“Melhor desligar seu celular ou a Karina vai começar a bombardear ele.” Retrucou o lutador, beijando sua testa.

“Bem pensado...” Ela puxou o aparelho do meio das almofadas, acionando o modo silencioso. “Eu to com fome.”

“Vou caçar algo para nós comermos. Você fica com o Gabe?” Ela assentiu, recebendo um selinho. “Já volto.”

Ele se levantou e foi caçar os tênis no quarto da moça. Ela ajeitou Gabe entre as almofadas e foi para a cozinha, com o intuito de desembalar os poucos itens que trouxera de cozinha. Ouviu a porta bater e suspirou, se apoiando na bancada e sacando o celular do bolso.

Retornou as 23 chamadas de Karina com tranquilidade.

“Você saiu da casa do Edgard?” Ela teve que afastar o aparelho do ouvido devido ao grito.

“Se você não me deixar surda eu conto.” Ela cutucou o ouvido, testando a sensibilidade. “Sim, eu sai da casa do Ed... Preciso começar a andar com as minhas próprias pernas para poder ter a minha liberdade completa.”

“E o Cobra tem algo a ver com isso?”

“Mentiria se dissesse que não, mas ele não foi o único motivo. Digamos que ele foi o pontapé que eu precisava para tomar coragem de fazer isso.”

“E como vocês estão?” Ela podia ouvir o sorriso na voz da melhor amiga.

“Ai Ka... Eu sei que eu disse que nunca confiaria no seu irmão, mas ele me disse umas coisas tão lindas e pareceu tão sincero, sabe? Verdadeiro. Eu acreditei nele, mesmo sabendo que posso me ferrar no final.”

“Você acha que ele merece uma chance?” A pergunta foi seguida por um longo silêncio. “Jade?”

“Minha cabeça grita que não, Ka, mas meu coração berra mais alto ainda que sim. E acho que está finalmente na hora de ir pelo meu coração.”

“Espero que ele saiba o que está fazendo.” A loira suspirou. “Boa sorte, amiga.”

“Obrigada... Cunhadinha.” As duas riram, logo se despedindo e encerrando a ligação. Jade voltou ao que fazia, até ouvir pequenos barulhos vindos da sala. “Gabe.”

O menininho estava choramingando sobre as almofadas, os olhinhos lacrimosos procurando o pai e a tia pela sala. Ao se deparar com a figura de Jade, o sorrisinho banguela se abriu e ele estendeu as mãozinhas, ansiando pelo colo aconchegante.

“Pronto, meu príncipe... A tia Jade está aqui.” Ela o tomou nos braços e encheu seu rosto de beijos carinhosos. “Está se sentindo melhor? A febre passou?”

Os dedinhos gorduchos começaram a agarrar os cabelos castanhos e puxar para seu próprio rosto. A bailarina tornou a se sentar no sofá, se acomodando nas almofadas e o ajeitou sobre suas pernas.

“O que será que vai acontecer de agora em diante, hein? Será que eu e o seu papai vamos conseguir ficar juntos e ser feliz?” Ela divagava, afagando a bochechinha da criança. “Será que eu vou ser a sua mamãe?”

Até aquele momento, não havia externado esse pensamento. Sabia que todos cochichavam e comentavam, sabia que Edgard temia isso e que a família de Cobra até ansiava para que acontecesse, mas Jade mesmo nunca havia se deixado pensar para valer no assunto.

Como uma boa parte das meninas, sonhara em ser mãe desde criança. Seu maior anseio era ser uma mãe melhor do que a mãe havia sido, menos dura e mais tolerante, além de mais presente. Mas não pensava nisso tão cedo ou ainda dessa maneira.

Pensou em Dandara, a mãe de Cobra, e de como ela havia sido corajosa em sua decisão de, tão jovem, aceitar ficar com um homem viúvo com uma filha pequena para criar. Uma vez escutara um conversa entre ela e Lucrécia e se lembrava muito bem do que a tia havia dito:

“Todo mundo achou que eu era louca e que eu me arrependeria, mas isso nunca aconteceu. A vida me entregou de bandeja uma menina frágil e indefesa, que mais do que tudo precisava de uma mãe para protege-la, e eu aceitei isso de coração aberto. Eu amo a Bianca tanto quanto amo o Ricardo, a Karina ou o João, e minha melhor decisão foi ter escolhido ficar com ela e o Gael.”

Sabia que o lutador não era um homem fácil, que sua relação com a primeira esposa não havia sido fácil por conta do ciúmes e do machismo do homem. E Dandara, com aquele coração gigante e benevolência extrema havia conseguido domar a fera.

“Será que eu vou conseguir domar seu pai?” Ela sorriu ao ver o pequeno mordendo a mãozinha.

Naquelas poucas semanas ele havia crescido tanto. Do bebê abandonado na porta dos Duarte para aquela criança em seus braços havia uma diferença gigante. Ele havia crescido e encorpado, os olhos tinham mais brilhos, os cabelos tinham até mais cor. Ele era risonho e brincalhão, e acima de tudo: apaixonado pelo pai.

“Você me ajuda, Gabe? Me ajuda a tentar ajeitar o papai, para que nós três possamos ser uma família? Para que eu possa ser sua mamãe?”

“Ma... Ma.” Ele balbuciou as sílabas, rindo e batendo palminhas. Em um instante os olhos da dançarina estavam rasos d’água, assimilando o que as duas sílabas juntas significavam. Era muito cedo para que ele falasse, mas ela sentia que era isso o que ele queria dizer. Mamãe.

“Você me chamou de... Mamãe?” Ela sussurrou, a voz mal saindo de tão embargada.

E afinal, era o que ela havia sido desde o princípio.

Desde que o acalentara quando toda a família do rejeitava pelo susto e pelo medo. Quando o fizera dormir inúmeras vezes, o alimentara e brincara com ele, lhe dera amor e carinho como nem mesmo as avós e tias conseguiam dar. Quando foi seu colo que ele procurou no momento em que estava doente e que precisava de um porto seguro.

“Eu já sou a sua mãe, Gabe. E você é meu filho, não importa o que um exame de DNA diga. No meu coração você é meu filho, e eu nunca vou te abandonar, está ouvindo meu amor? Mesmo que eu e seu pai venhamos a nos separar um dia, eu e você vamos estar juntos para sempre.”

O garotinho sorriu satisfeito, como se concordasse com o que havia sido dito, e deitou sobre o peito dela, brincando com os dedos magros e finos de sua mãe. Ela apenas sorriu e deixou as lágrimas de alegria escorrerem enquanto acariciava as costas de seu filho e se sentia em paz pela primeira vez em anos.