A Torre de Babel escrita por Bacon


Capítulo 3
Il


Notas iniciais do capítulo

Cara
eu mal pisquei depois de ter postado o cap I
e agora já faz mais de duas semanas
TIPO ????????

Enfim, capítulo grandinho, yay ♥
Queria dizer muito obrigada a Ethos, Bee, Auri e Arutine que favoritaram a história!! ♥♥♥♥ Então: muito obrigada qwq

Boa leitura~ ♥

(P.S.: O nome "Chiara" pronuncia-se "kiára". Mini-spoiler, mas faz bem qq
P.S.:² O começo desse capítulo é /bem/ nojento. É bastante desagradável e meio gore-ish, então estejam avisados.)



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Ela acordou com o som de moscas indo e vindo ao seu redor.

A primeira coisa da qual ela tomou conhecimento foi precisamente das moscas. Insetos grandes e esverdeados, zunindo em seus ouvidos como se quisessem lhe cantar uma canção.

Depois, ela notou seu corpo. Todo ele pareceria uma coisa só, pulsando lentamente no ritmo de seu coração. Deitada de barriga para cima, Anya podia sentir cada pedacinho de seu ser: desde o próprio peito inquieto até a pontinha dos dedos, que pareciam ser fracamente espetados por agulhas a cada batida. Sua garganta estava tão seca que era quase como se houvesse algo obstruindo-a, deixando-lhe nauseada. O ar, quente e úmido, custava-lhe para passar pelas narinas. Entretanto, não sentia dor alguma. Era tudo quase insuportável, mas não doloroso. Anya achou aquilo estranho.

E, por último, passou a prestar atenção em seus arredores. Ela não fazia ideia de onde estava. Suas pálpebras pesadas e visão embaçada não ajudavam muito. Ainda assim, ela conseguiu identificar um teto muito alto; tão alto que, mesmo que o lugar fosse iluminado por uma estranha luz amarela, desaparecia na escuridão lá em cima. As paredes eram irregulares, como se vários montes de terras tivessem sido jogados uns por cima dos outros, e sua coloração variava entre diversos tons mórbidos de marrom e amarelo. Anya achou aquilo tudo extremamente nojento. O cheiro pútrido que dominava o local apenas intensificava essa impressão.

As moscas incômodas deixavam tudo pior. Após alguns minutos gastos com o esforço de se manter inteiramente acordada, Anya percebeu que os insetos iam e vinham de um ponto comum. Então, forçando-se a sair daquele seu estado de aparente estupor, reuniu forças para apoiar-se nos cotovelos e curvar o tronco para frente, a cabeça pendendo. Depois de uma breve, porém árdua batalha contra as pálpebras que teimavam em fechar, ela seguiu o caminho das moscas até um ponto que era... seu próprio corpo.

Mal compreendeu o que via, começou a gritar.

O que parecia uma infinidade de insetos ― moscas, larvas, ovos ― caminhava, se arrastava, infestava sua pele, numa região logo abaixo das costelas. Todos os pequenos seres pareciam entretidos com sua carne exposta por um corte profundo e de forma circular, inchado, avermelhado, umedecido por uma mistura repugnante de sangue e pus.

Anya conseguia ouvir o squish dos insetos contra a ferida.

Conseguia sentir as patas minúsculas dos insetos pinicando a carne, as larvas se arrastando, mordendo.

Ouvir o zum zum zum das moscas devorando-a viva.

Logo, ela não sabia mais se o que ouvia eram os zumbidos, seus gritos, o sangue em suas orelhas ou mesmo o turbilhão de pensamentos que atravessava sua mente, um mais perturbador que o outro. Parecia que toda a energia retornara a seu corpo, pois agora suas mãos a estapeavam, suas pernas a empurravam para trás, como se para fugir de si mesma, os olhos lançavam-se de um lado a outro nas órbitas, procurando por algo que pudesse afastar tudo aquilo dela.

E, como se seus pedidos fossem atendidos, um balde de água suja foi jogado contra sua cabeça.

― Isso vai fazer com que vão embora ― disse uma voz impaciente, após um suspiro. ― Ou que morram afogados. Agora cale a boca.

Anya ergueu o olhar, tentando enxergar quem falava com ela. Através da visão borrada por lágrimas, identificou uma menina de aparência mais velha, alta e de cabelos escuros que caíam em longas ondas por sobre os ombros, a pele tão suja que parecia quase cinza. Segurava um balde que pingava água amarronzada, apoiando-o contra sua cintura. Suas roupas eram uma mistura de cores desbotadas, como se diferentes tecidos de diferentes peças houvessem sido costurados juntos para que ela tivesse o que usar.

Naquele momento, era a pessoa mais bela que Anya já vira em toda a sua breve vida.

Incapaz de falar, a pequena ficou apenas a encarar a outra menina, tremendo incontrolavelmente, vez ou outra deixando que um soluço lhe escapasse. A menina a encarou de volta. Depois de algum tempo, a garota alta estalou a língua e se aproximou de Anya, agarrando um de seus braços e puxando-a para cima. Anya, contudo, não encontrou forças para se manter em pé e deixou-se ser sustentada pela menina. Teve uma visão perfeita do semblante que aparentava puro desgosto, os lábios finos e claros apertados um contra o outro. Seus olhos queimavam castanhos.

― Escuta aqui, eu não sei como você conseguiu ficar viva ― cuspiu a menina ―, mas é bom parar de chorar. Nem todo mundo por aqui vai ter paciência para lidar com pirralhos como você. Está vendo isso? ― apontou para o espaço atrás de Anya, que se virou.

O que ela viu foi corpos. Vários corpos jogados pelo chão, cada um num estágio diferente da decomposição. Havia os frescos, aparentemente intocados pelas larvas; os que eram quase ou apenas ossos; e os que encontravam-se num estado tão grotesco que ela sentiu o estômago dar voltas.

― É o cemitério. Não faça com que te joguem aqui de novo.

Anya teve de puxar seu braço e se soltar da garota antes que fosse tarde demais. Apoiando-se nos joelhos e cotovelos, sentiu seu estômago se contrair e a boca ser inundada por um líquido ácido, asqueroso, que foi imediatamente despejado no chão logo abaixo. O processo se repetiu até que seu estômago estivesse completamente vazio e Anya completamente envergonhada. Mas a garota mais velha não pareceu se importar muito e apenas esperou.

Anya, então, arrastou-se para longe da bagunça que havia feito e se sentou, a cabeça pendendo baixa. Começou a soluçar baixinho, por diversos motivos. Pela sensação extremamente desagradável que o vômito lhe causou; pela vergonha; pelo asco que sentira ao ver todos aqueles insetos infestando-se em seu corpo; pelo medo que começava a se instalar em seu peito, agora que ela encontrava-se um pouco mais alerta de sua situação.

Mas, com isso, a garota se irritou.

― Você é surda?! Já falei que é pra parar de chorar. Levanta, ou vou te deixar aí pros bichos.

Ao som daquelas palavras, Anya pôs-se em pé de um pulo, fungando e limpando o rosto sujo com os antebraços. Só então percebeu que suas roupas estavam destruídas: sua calça não poderia mais ter esse nome, tão curta estava agora ― uma perna na altura da coxa, a outra, um pouco após o joelho ― devido a inúmeros rasgos; seu casaco de couro, aquele que o papai havia lhe dado de presente, não parecia estar em lugar nenhum; o suéter fino que ela usava por baixo, antes de uma bela coloração vermelha, quase da cor do vinho, estava em farrapos ― as mangas compridas haviam sido arrancadas e a região que deveria cobrir a parte direita da barriga de Anya, incluindo o local de seu ferimento, também. Além disso, tudo agora estava manchado de terra, sangue e o que provavelmente era um tipo diferente de terra.

Ela engoliu um soluço e puxou o que restava de seu suéter para a direita, tentando cobrir o machucado, que parecia ainda mais asqueroso, molhado daquele jeito. A garota a olhou de cima a baixo, o rosto inexpressivo.

― É, não dá mais pra usar isso. Depois vemos com a Shuan algo pra você.

Anya tentou murmurar um "Tá", mas sua garganta estava tão desgastada que tudo o que ela conseguiu foi um grunhido rouco.

A garota revirou os olhos, bufando.

― Meu nome é Chiara. Vem logo. ― Então se virou e começou a andar, sem nem se importar se Anya realmente vinha logo ou não.

A menorzinha a seguiu por corredores tortuosos, todos rodeados pelas paredes nojentas, que pareciam pilhas e mais pilhas de sujeira. Em tais corredores, contudo, o teto era visível, apesar de não ser algo agradável de se olhar: assim como as paredes, aparentava ser feito de material sujo, podre; olhando para cima, Anya apenas desejava que aquilo não desabasse. O pensamento repentino de que aqueles poderiam ser túneis escavados por minhocas gigantes a assustou.

Ademais, aquela estranha luz amarela, que aparentemente vinha de todos os lugares e lugar nenhum, continuava a mesma, iluminando o caminho. Os passos das duas meninas ecoavam pelas paredes, levantando a poeira do chão de terra enquanto caminhavam.

Não demorou muito para que chegassem a um enorme pátio, que se estendia por quilômetros sem fim. Olhando para cima, não era possível enxergar o teto novamente; as paredes irregulares desapareciam na escuridão lá no alto.

Mas era o que estava no chão o mais impressionante. Uma infinidade de crianças habitava o lugar, tantas que Anya pensou estar delirando. O que mais a chocou foi a diferença entre todas elas: havia quem fosse alto, quem fosse baixo e os de estatura mediana; também os inúmeros tons de pele ― mais claros, mais escuros, com marcas ou sem ― e os vários tipos de cabelo. Era incrível.

Contudo, todas as crianças que ela conseguia enxergar, fossem elas meninos ou meninas, apresentavam algumas semelhanças: eram extremamente magras, algumas até esqueléticas; seus corpos e roupas estavam sujos, arranhados, de aparência cansada. Todos vestiam trapos, pedaços de roupa costurados a outros para formar algo. Anya não conseguiu julgar suas idades, mas observou que ninguém aparentava ser mais novo do que ela.

Enquanto ela e Chiara atravessavam a multidão, vários olhares recaíram sobre as duas ― em especial sobre Anya, que, envergonhada e amedrontada, puxou Chiara pela mão para que pudesse se esconder atrás dela. Mas a garota mais velha a sacudiu para longe quase que imediatamente, e Anya precisou se esforçar muito para não começar a chorar mais uma vez.

Quando finalmente pararam de andar, Anya já sentia suas pernas doloridas; Chiara parecia tão firme quanto antes. Estavam de frente para uma parede, sobre a qual escorria uma enorme quantidade de água, que se acumulava num buraco escavado no chão, um pequeno lago malfeito. A água não refletia a luz amarela e Anya achou aquilo estranho.

Chiara se sentou de pernas cruzadas à margem e esticou um dos braços, indicando o lago.

― Divirta-se ― ironizou. Estava de costas para Anya, encarando a água, e não se virou para olhá-la. ― Só uma coisa: nós falamos a mesma língua, né?

Anya não teve tempo de responder; já estava com a cabeça quase inteira dentro do lago, bebendo por grandes goles, antes mesmo que Chiara pudesse terminar de falar. A água era mal-cheirosa, escura e tinha um gosto desagradável, mas Anya duvidava que haveria algo melhor naquele lugar. Continuou bebendo como se nunca mais fosse encontrar algum líquido em sua vida. Chiara riu com escárnio da cena:

― Você parece um cachorro. E, se fosse eu, ia lavar essa ferida nojenta.

Anya engasgou com o comentário e tirou a cabeça da água, em busca de ar. Chiara deu risada. Anya sentiu o medo voltar para ela, agora que se lembrara do machucado e dos insetos. Seu corpo tremia de novo. Não tinha coragem de olhar para baixo, para a ferida.

Mas respirou fundo e fez como Chiara sugerira. Voltou a se aproximar da água e, com uma das mãos em concha, jogou um pouquinho de água no machucado. Não sentiu nada, então continuou. Sua mão acabou toda vermelha devido ao sangue coagulado, mas, pelo menos, a ferida estava livre de bichos. Aproveitou para limpar os braços, as pernas e o rosto também.

Nesse meio tempo, Chiara havia se levantando e ido embora; Anya nem percebeu sua ausência. Voltou depois de aproximadamente quinze minutos, trazendo consigo um garoto alto, de braços levemente musculosos e pele bem escura. Seu cabelo estava raspado de maneira irregular, e os pequenos tufos de cabelo mais comprido ― que cresciam em minúsculos cachinhos apertados, parecendo bolinhas negras ― deixavam sua cabeça com um aspecto ondulado. Assim como todas as outras crianças do lugar, sua roupa estava em farrapos: trapos costurados sobre outros trapos para cobrir as pernas até os joelhos e o peito ― sua camiseta não tinha mangas.

O garoto, porém, não apresentava o semblante carrancudo como o de Chiara e, quando se aproximou de Anya ― que limpava uma vez mais seu machucado, apenas por precaução ―, exibia um sorriso doce nos lábios.

― Oi ― cumprimentou, apoiando-se num dos joelhos para que ficasse mais ou menos da altura de Anya. ― Meu nome é Marco. Você é...?

Ela se encolheu, de cabeça abaixada, e puxou o que restava de seu suéter para cobrir a ferida. Não disse nada por um bom tempo e o garoto não a pressionou ― apesar de que, pelo canto do olho, Anya poderia observar Chiara quase explodindo de impaciência. Quando a pequena finalmente tomou coragem para levantar os olhos e encarar o menino, o tal de Marco, viu que ele ainda sorria. E era um sorriso tão natural e bonito que Anya não conseguiu deixar de sorrir de volta.

― Eu... ― começou, finalmente. ― Eu sou a Anya.

― Muito prazer, Anya ― exclamou Marco, seu sorriso parecendo aumentar. ― Está escondendo o que aí?

Ela sentiu o rosto queimar e se encolheu novamente, agora puxando ainda mais seu suéter para se esconder. Foi Chiara quem respondeu, aparentemente sem paciência para a timidez da menina mais nova:

― Ela foi pega por um Venom. Acordou com as moscas comendo ela viva.

O sorriso de Marco caiu instantaneamente e ele se virou, encarando Chiara com olhos arregalados e incrédulos.

― Um Venom? E ela tá viva?

Chiara começou a gritar:

― É claro que ela tá viva, seu idiota, não está vendo?! Se não estivesse, eu não teria que ter voltado para aquela droga de cemitério. ― Ela se virou para Anya, os punhos cerrados e olhos brilhando de ódio: ― Por que você não morreu lá?!

Anya ganiu e se encolheu ainda mais, abraçando os próprios joelhos e escondendo o rosto nas coxas. Marco se levantou enquanto Chiara procurava algo para atirar contra um dos dois.

― Ei, me desculpa. ― Ele se aproximou da garota e pôs uma mão consoladora sobre seu ombro.

Anya pôde ouvir o som estridente de um tapa.

― Não encosta em mim! Eu odeio isso! ― Ela chutou o chão, levantando uma nuvem de poeira, e foi embora, soltando rugidos enfurecidos como se para extravasar a raiva.

Logo Marco se sentou novamente ao lado de Anya, que continuava com o rosto escondido. O rapaz soltou um suspiro.

― Por que ela ficou assim?

― A Chiara é... complicada ― respondeu Marco. Pôs uma mão sobre a cabeça de Anya e afagou-lhe os cabelos. ― Mas vai cuidar bem de você.

Ela estremeceu só de pensar em passar mais tempo com alguém como Chiara.

― Por que você não cuida de mim?

Eu?! ― Marco riu. ― Não, Ana, não é assim que as coisas funcionam por aqui.

― É Anya. E onde é "aqui"?

Ela levantou o rosto e apoiou o queixo nos joelhos. Já sabia a resposta para sua pergunta, mas, ainda assim, algo no fundo de seu coração recusava-se a aceitar a realidade. Anya observou o semblante de Marco, agora não mais sorridente, adquirir uma expressão longínqua, quase dolorosa, enquanto ele puxava o ar para soltar um longo suspiro.

― "Aqui" é a Torre de Babel, Anya. É melhor se sentir em casa, porque nunca mais vamos sair daqui.


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Notas finais do capítulo

E aí? ♥
Espero que tenham gostado~ Comentários com as suas opiniões são muito bem vindos! 8D

Não tenho muito o que dizer, hehe.
Marco = ♥
E eu tenho uma relação de amor e ódio com a Chiara, mas ela ainda assim é minha bb ♥

O capítulo não explicou muito (acho que não explicou NADA, hue), mas pffffffft, ainda temos muita coisa pela frente, amigos

Queria apenas deixar registrado que quase fiz com que a verdadeira forma dos demônios fosse de mosquitos, pORQUE SOCORRO, EU NÃO AGUENTO MAIS ESSES BICHU DUS INFERNU //apanha

Ok, chega.

Até o próximo! ♥