A Torre de Babel escrita por Bacon


Capítulo 2
I


Notas iniciais do capítulo

Chegay. Idk what to say. Meh.

Boa leitura ♥



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― Parte I: Inocência ―

Apesar das constantes repreensões do marido, a mãe de Anya nunca deixou de rezar. Sempre deu um jeito de esgueirar-se para longe da vista de sua família e ter um momento de privacidade entre ela e qualquer que fosse a divindade sobre a qual ela ainda mantinha alguma fé. Certa vez, ao encontrá-la em meio às árvores, ajoelhada e com o rosto úmido de lágrimas, Anya lhe perguntou com quem a mãe tanto falava. Ela não entendeu o que a mãe quis dizer com "Qualquer um que possa me ouvir."

Por outro lado, seu pai sempre lhe dissera que estavam sozinhos no mundo, que acreditar em divindades ou coisa do gênero era perda de tempo. Ninguém nunca viria salvá-los. Tudo o que poderiam fazer era fugir e ter esperanças de sobreviver mais um dia. Quando Anya insistiu que "ter esperança" era o mesmo que "ter fé", o pai lhe acertou o rosto com um tapa.

Eles viviam assim, correndo, fugindo, dominados pelo medo. Já há algumas gerações o mundo estava sob ataque dos Demônios, que tudo o que faziam era roubar, destruir, matar. Durante seus curtos nove anos de vida, Anya aprendeu algumas regras muito importantes para sua sobrevivência: sempre viajar de dia ― os Demônios pareciam sensíveis à luz do sol, sempre caçavam à noite ―, evitar atravessar campos abertos, onde é fácil ser visto e difícil esconder-se, jamais permanecer no mesmo lugar durante mais de três semanas, e nunca, de maneira alguma, viajar pelo mar.

Mas não era como se Anya realmente tivesse a opção de seguir ou não seguir essas regras, ou mesmo criar suas próprias. Tudo em sua vida era decidido por seus pais, que buscavam sempre deixá-la em segurança, longe dos monstros. Ela, do fundo de seu pequenino coração, amava os pais. Amava-os por sempre tentarem deixá-la a salvo, por lhe darem carinho em meio àqueles tempos sombrios, por serem sua família. Mas ela sempre soube que, um dia, tudo aquilo seria em vão.

Durante toda sua vida, Anya só conhecera uma única criança ― de sua idade ou não, não importava; ela não sabia. Fora há um ano ou quase isso. Anya e os pais estavam vivendo já há uma quinzena naquela pequena aldeia. Era um lugar quase deserto, com centenas de casas e algumas dezenas de famílias ali morando. Lá, ela conheceu um garoto com quem brincou algumas tardes. Seu nome era... Juan? Ou seria João? Ela não se lembrava. Quando Anya foi embora, o amigo ainda permaneceu por lá. Nunca chegou a ter notícias dele, e duvidava que algum dia teria.

Depois disso, mais ninguém ― ninguém com quem brincar, conversar, ser criança. Sua melhor amiga era Wy, a boneca de pano, que àquela altura já nem parecia mais uma boneca. Apesar de se fingir ignorante, Anya sabia por que nunca vira nenhuma criança, salvo por seu colega da antiga aldeia. Sabia que os Demônios estavam ganhando a guerra, matando os velhos e sequestrando os jovens. Mais de uma vez ela ouvira rugidos monstruosos durante a noite, seguidos de gritos distantes. Mais de uma vez ela e os pais saíram correndo de seu esconderijo, dominados pelo horror que apenas o pensamento de estar próximos àquelas criaturas causava. E durante incontáveis, incontáveis vezes tivera vontade de chorar enquanto ouvia as palavras acaloradas, porém vãs, de sua mãe, dizendo que tudo ficaria bem, tudo ficaria bem...

Porque, no fundo, Anya sabia que, um dia, seria a próxima.

Só não esperava que esse dia chegasse tão cedo.

Ou, mais precisamente, noite. Aquela era mais uma das desagradáveis ocasiões em que Anya e a família deveriam passar a noite em meio à floresta. "Nunca viaje durante a noite!" dizia seu pai. Mas, sempre que migravam de cidade em cidade, tinham de permanecer algumas noites sob as árvores, que poderiam lhes oferecer algum tipo de abrigo.

Aquela foi a noite em que tudo deu errado. Sua mãe estava dormindo e seu pai estava fazendo o segundo turno da noite, apesar de estar visivelmente com dificuldades em manter a guarda. Anya havia acabado de acordar devido a um pesadelo. Ela não se lembrava exatamente com o que havia sonhado, apenas que fora horrível o suficiente para fazê-la acordar tremendo e suando.

Sem querer preocupar o pai, tirou silenciosamente de sua mochila ― que ela usava como travesseiro ― um pequeno espelho, de cabo e moldura dourados. As bordas do espelho estavam manchadas, oxidadas, e tudo o que ele refletia parecia estar contornado por trevas. Anya adorava aquilo. Adorava, pois, quando via seu próprio rosto refletido naquela superfície e, depois, inclinava o espelho de modo a refletir a luz da lua ou estrelas, ela sentia como se, de algum modo, tivesse o poder para deixar o mundo novamente banhado pela luz: feliz, saudável, em paz. Era um pensamento reconfortante.

Então, para acalmar a si mesma e livrar a mente do sonho ruim, Anya se sentou, livrando-se dos grossos cobertores, e segurou o espelho com firmeza. Mais uma vez, tomou cuidado para não assustar o pai com muito barulho.

Começou a brincar. A lua crescente estava alta no céu, deixando a magia ainda mais poderosa. Cada árvore que Anya, a Feiticeira, iluminava, a deixava ainda mais forte. Quando seu pequeno raio de luz atingiu todas as árvores que cercavam a ela e os pais, a pequena feiticeira decidiu que também jogaria seu feitiço sobre o pai ― que havia momentaneamente se rendido ao sono ― e a mãe. Afinal, seus pais mais do que mereciam o feitiço da felicidade.

Assim, para fazer daquele o feitiço mais poderoso que já lançara na vida, Anya abriu um enorme sorriso em frente ao espelho. O fato de seus olhos estarem iluminados a animou ― seu poder era tanto que agora até havia estrelas em seu olhar! Mas aquela não foi a única coisa a lhe chamar a atenção.

No reflexo do espelho, Anya viu seus próprios olhos, brilhando castanhos; viu o cabelo, desgrenhado e enfestado de folhas e gravetos, camuflar perfeitamente a terra que os cobria; viu os vazios deixados no sorriso pelos esquecidos dentes de leite.

Viu também um par de olhos brancos, brilhando com riscas vermelhas em meio à escuridão.

Quando se deu conta, já era tarde demais. Ela gritou, mas não para avisar os pais. Uma dor excruciante atingiu-lhe a lateral do corpo, que pareceu entrar em chamas. Seus braços e pernas perderam instantaneamente a força; tudo o que ela podia fazer era engasgar-se com os próprios gritos e lágrimas.

Anya logo se sentiu ser arrastada ― puxada exatamente por aquela terrível, angustiante ferida em sua lateral ― e ser levada para o interior da floresta. Já não sabia mais dizer quais eram os seus gritos, quais eram os lamentos de sua mãe, quais eram os urros de seu pai, quais eram os guinchos e rosnados das criaturas. A terra sob seu corpo arranhava seu rosto, cortando-o, esfolando-o. Mesmo que ela tentasse cravar as unhas no solo, tentando se arrastar de volta, ficar mantida no lugar, fazer qualquer coisa, tudo era inútil.

― Mãe! ― ela gritava, entre soluços e gritos, enquanto era levada para as trevas. ― Mãe! Pai!

Ela ouviu a voz do pai em algum ponto distante. Nada da mãe. Um último rugido ensurdecedor cortou o ar gelado da noite e, com um puxão, o ferrão que perfurara o corpo de Anya não estava mais lá.

E o silêncio se seguiu.

Ela não conseguia ver. Não conseguia falar. Não conseguia respirar. A única sensação que a dominava era o pulsar lancinante de todo o seu corpo, iniciado num ponto logo abaixo das costelas. Os ouvidos estavam preenchidos pelos ruídos secos e arranhados que sua garganta lançava. Cada batida do coração era mais uma nova onda de dor, mais um novo dedo invisível para lhe estrangular.

O corpo, dominado por ondas de espasmos, debatia-se contra o nada e contorcia-se sobre si mesmo. Gritos estrangulados vez ou outra substituíam os grunhidos penosos. E ela rolava sobre a ferida, as folhas e gravetos entranhando-se na carne.

O mundo tornara-se um vazio vermelho, onde tudo o que experienciava era a dor. Aquela dor cega, aquela dor aguda, aquela dor, dor, dor dor dor dordordordor

Só quando abriu os olhos Anya percebeu que antes os apertava com força dentro das órbitas. Mas, ao invés de ver as estrelas, as tão belas estrelas que ali estariam para lhe dar algum conforto, viu dois olhos monstruosos encarando-a de cima. Quando tentou gritar, encontrou a garganta congestionada por uma espuma espessa e borbulhante, que escorria por seus lábios entreabertos.

O monstro se aproximou, e os espasmos de seu corpo tornaram-se mais fortes. Anya sentiu algo quente e áspero pressionando sua ferida. A dor foi tanta que a consciência lhe deixou.


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Notas finais do capítulo

*sigh* Eu odeio acabar capítulos com "e ela/e desmaiou", mas eu precisava de um suspense e S//2 Dsclp

Cara, sdds narrar personagens ácidos/irônicos. Depois que a gente se acostuma com eles, narrar crianças é mUITO DIFÍCIL ASDHBFNCFDJHVBDS *dies*

O capítulo ficou pequenininho, eu pensei que fosse render mais wasrdtfghjbk Mas fazer o quê, melhor curtinho que forçado, enchedor de linguiça, myeh qqq

Enfim, espero que tenham gostado ♥ Até o próximo~

(*whispers* Daqui a pouco teremos a torre, MUAHAHAHAHA)