A Torre de Babel escrita por Bacon


Capítulo 4
Ill


Notas iniciais do capítulo

Olá! Desculpa a demora, hehe. Eu dei uma enrolada, admito.

Como foram de Natal? Aceitam isso como um presente atrasado? X3 Espero que sim ♥

Boa leitura! ♥



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Anya pensava que não se surpreenderia com a afirmação. Pensava que encararia a verdade e enfrentaria a situação como uma menina crescida.

Muito pelo contrário, sentiu o peito apertado e a respiração começar a se desestabilizar. Então se entregou ao choro. Abraçou os joelhos com ainda mais força e enterrou o rosto uma vez mais entre as pernas, soluçando baixinho. Não deu importância aos avisos de Chiara sobre não poder chorar. Marco não era como ela, não iria gritar com Anya; Marco era bom. Ela podia confiar nele.

Não pareceu surpreso com a reação de Anya, o já tão querido rapaz. Anya queria que ele a abraçasse ou mesmo que apenas dissesse que tudo ficaria bem ― embora ambos soubessem que era mentira. Ela queria o abraço quente do pai e as palavras doces da mãe. Se tivesse a oportunidade de voltar para casa, não pensaria duas vezes antes de apanhá-la. E foi então que Anya percebeu.

Onde estavam o papai e a mamãe?

Quando se deu conta, calou-se de imediato e levantou a cabeça mais uma vez, procurando o olhar de Marco. Ele estava sério, o rosto inexpressível. Seus olhos escuros encaravam Anya com uma frieza que a fez estremecer; aquela parecia uma pessoa completamente diferente do Marco que ela conhecera alguns minutos atrás.

Ela o encarou por alguns momentos, agora hesitante em fazer a pergunta que queria. A expressão dele não mudou, parecendo desafiá-la a prosseguir. Era um desafio perigoso, entretanto: o que ele faria se Anya, de fato, prosseguisse? O Marco ainda é o Marco, pensou ela, tentando acalmar a mente que já criava inúmeras hipóteses terríveis. Ele não vai me fazer mal.

― M-Marco ― soluçou ― a mamãe e o papai, eles...

― Ela falou que não era pra chorar, não falou?

Anya arregalou os olhos, prendendo a respiração por um momento. Entendeu de imediato a quem Marco se referia. Seus lábios tremiam e a voz falhou quando tomou coragem para responder:

― Falou, m-mas...

― Então por que você está chorando? ― sua voz estava tensa, rouca; soava quase como um rosnado.

Anya ganiu e se encolheu numa bola outra vez, mordendo o lábio inferior com força enquanto tentava não fazer barulho. O frenético sacudir de seus ombros, porém, a denunciava.

Marco grunhiu enquanto esfregava o rosto com as mãos, respirando fundo. Anya ouviu-o murmurar algumas palavras numa língua que ela não reconheceu. Um instante depois, uma mão firme apertava o ombro da menina, que dessa vez se recusou a levantar o olhar.

― Escuta, Anya ― começou Marco. Seu tom de voz, agora, era calmo e contido; contudo, era possível identificar um traço de ameaça nele. ― Se alguém diz o que você pode ou não pode fazer, você obedece. Entendeu?

Ela soluçou algo que deveria ter sido um "sim".

― Então vamos começar. Primeiro: você vai parar de chorar agora e não vai continuar nunca mais. ― Ele esperou, e Anya teve de morder o lábio com força e prender a respiração. Sua cabeça doía com o esforço, mas ela estava amedrontada demais para contrariar as ordens do rapaz. Quando seus ombros já não mais sacudiam, apenas apresentavam uma leve tremedeira, o garoto continuou: ― Bom. Segundo: você nunca mais vai mencionar a mamãe e o papai. Ninguém aqui tem mamãe e papai mais, inclusive você. Não precisamos de mais gente aborrecida, precisamos?

― Nã... Não...

― Então estamos entendidos?

― Estamos.

Ela sentiu um leve e rápido aperto em seu ombro e, em seguida, ouviu os ruídos que as roupas e sandálias do garoto faziam enquanto ele se levantava.

― Ótimo. Vem, vamos procurar a Chiara.

***

Não a encontraram.

Perambularam por aquele enorme pátio por aproximadamente uma hora e Chiara não parecia estar em lugar algum. Mas Anya não estava realmente procurando, sua atenção estava centrada no suéter, tentando esconder sua ferida horrenda das outras crianças; apenas Marco parecia empenhado de verdade na tarefa de encontrar Chiara.

A pequena Anya, enquanto perambulava pelo enorme pátio da torre, lutava para desfazer o nó que aparentemente queria lhe rasgar a garganta e para acalmar sua própria cabeça latejante. Segurar o choro era doloroso, tanto física quanto mentalmente.

Ela precisava deixar seus pais afastados de seus pensamentos. Precisava, precisava, precisava! Caso contrário, não sabia se conseguiria sobreviver àquele lugar. Ela não podia confiar em ninguém. Nem Chiara nem Marco haviam sido bons com ela; Anya não sabia quão pior poderiam ser as outras crianças. O pensamento a assustava.

Ela só queria a mãe e o pai. Queria que seu feitiço tivesse funcionado naquela noite, que ela realmente fosse capaz de garantir a felicidade de sua pequena família. Por que tudo havia acontecido daquela forma? O que ela fizera de errado?

O aperto na garganta se tornou mais fortes e os soluços, quase incontroláveis. Anya involuntariamente apertou a mão de Marco, que a puxava ao redor do pátio, e sentiu o rosto empalidecer quando ele a olhou por cima do ombro. Marco, porém, apenas lhe lançou um franzir de sobrancelhas e um leve sacudir da cabeça em repreensão. Anya fungou, engoliu em seco para desfazer o nó de sua garganta e forçou-se a retomar a compostura ― ou seja, continuou a andar de cabeça baixa, perdida em seus pensamentos, sendo guiada pelo rapaz mais velho.

Foi então que ela desejou. Desejou com todas as suas forças, com todo o seu coração: seus pais viriam salvá-la. Eles não estavam mortos como Marco dera a entender. Não. Eles derrotaram os demônios que os atacaram naquela noite, só não conseguiram chegar a tempo ao demônio que sequestrara Anya. Só isso. Fora só isso.

Eles viriam salvá-la. Definitivamente.

― Eles virão me buscar ― sussurrou para si mesma, deixando tudo mais real. ― Vão me salvar.

Entretanto, Marco a ouviu e, se virando, lançou-lhe um olhar inquisitivo:

Quem, Anya?

Ela, com medo da reação do garoto caso lhe contasse a verdade, preferiu mentir. Acabou surpreendendo a si mesma com as palavras que escaparam de seus lábios: era algo que sua mãe diria, algo que seu pai condenaria. Aquilo fez com que seu peito se esquentasse, trazendo-lhe a memória dos dois, esperança.

― Deus. Seus anjos. Se existem demônios, então existem anjos também. A mam... ― mordeu a língua antes de continuar. ― Às vezes é bom pensar assim.

A expressão de Marco se suavizou e ele soltou o ar que aparentemente prendia, como se desistindo da bronca que daria em Anya.

― Você acredita nisso?

Ela não precisou pensar para responder. Fosse a esperança de que seus pais a resgatariam ou a presença de divindades que viriam a ajudá-los, não fazia diferença. Anya acreditava em ambos.

― Sim ― e um sorriso brincou em seus lábios.

Anya se sentiu incrivelmente melhor quando Marco sorriu de volta. Era um sorriso cansado, quase triste; mesmo assim, aquele Marco simpático e carinhoso de antes parecia ter voltado.

― E você? ― ela perguntou de súbito. ― Acredita também?

Ele hesitou, o sorriso desfazendo-se.

― Eu... Eu não sei, Anya. ― E com isso se virou e continuou a andar, puxando a garota pela mão. ― Vamos procurar a Shuan. Ela vai costurar alguma roupa nova pra você.

***

Shuan era uma garota de estatura mediana; mais velha que Anya, mais nova que Marco. Tinha olhos puxados e bem estreitos e cílios longos, assim como um nariz pontudo e empinado. Seus cabelos eram bastante escuros, curtos na altura dos ombros, e Anya achou que aquilo a fazia parecer ter uma cabeça quadrada. Não achou que seria prudente comentar, então manteve-se quieta.

Shuan estava deitada sobre uma grande pilha de tecidos coloridos, encostada a uma parede, quando Anya e Marco se aproximaram dela. Parecia quase adormecida, com os olhos sem foco e a boca entreaberta. A expressão distante dava-lhe um ar melancólico. Anya se perguntou se ela estaria esperando que seu pai e sua mãe a viessem resgatar também.

A garota mostrou-se completamente desperta, no entanto, assim que viu quem Marco trazia consigo. Shuan soltou um arquejo e cobriu a boca com as mãos, mirando Anya de cima a baixo, sentando-se com rapidez. Então virou-se para Marco, gaguejando e com as mãos visivelmente trêmulas. Apontou para Anya e gritou palavras que a pequena não entendeu ― era uma língua completamente diferente a que ela falava.

Marco a respondeu na mesma língua estranha, um sorriso simpático estampado no rosto. Anya não conseguiu entender nenhuma palavra do que diziam. Ou melhor, entendeu duas: Venom e Chiara, sendo a primeira de significado tão nebuloso quanto o próprio idioma que falavam. Anya suspirou e esperou que terminassem sua conversa.

Observou Shuan enquanto isso: sua pele já era clara, mas seu rosto estava tão branco quanto uma nuvem, extremamente pálido. Sua voz tremia e às vezes ela lançava olhares (nem tão) furtivos para Anya, carregados de espanto. Embora já estivesse cobrindo sua ferida horrenda com o que restara de seu suéter, Anya pensou que o que estava deixando Shuan tão inquieta fosse seu machucado ― talvez a garota estivesse se sentindo enjoada com a visão e queria que Marco tirasse Anya de lá.

Mas não foi esse o caso.

Quando Shuan finalmente se acalmou, fechando os olhos e respirando fundo inúmeras vezes pelo nariz, Marco voltou para perto de Anya, lançando-lhe um sorriso amarelo.

― Ela pensou que você estivesse morta. Estava achando que eu tinha feito alguma besteira e dera um jeito de te ressuscitar ― revirou os olhos com uma risada sem graça. Anya se perguntou se aquilo era possível, as ressurreições. ― Ela vai costurar alguma coisa pra você.

Dada a deixa, Shuan foi até Anya e a puxou pela mão até sua pilha de roupas rasgadas. Tirou de algum ponto abaixo dela um par de ossos finos e desgastados, de pontas bem afiadas. Eram mantidos juntos por um emaranhado de fios castanhos e pretos, que se assemelhavam muito a cabelo. Era meio nojento.

Dessa vez do topo da pilha, Shuan pegou um tecido vermelho escuro e comprido, do tamanho de um braço. Anya o reconheceu como uma das mangas de seu suéter destruído.

— Perdão — disse Shuan, mostrando-lhe o pedaço de tecido.

Quer dizer que ela pode falar a minha língua, afinal, pensou Anya. Tem um sotaque engraçado.

— Tudo bem — respondeu, sacudindo a cabeça para mostrar que não havia problema e sorrindo de canto.

Shuan não devolveu o sorriso.

— Tira — ordenou a menina mais velha, apontando para o suéter de Anya.

A pequena sentiu o rosto esquentar e sacudiu a cabeça mais uma vez, dessa vez de maneira muito mais enérgica. Com um passo para trás, abraçou o próprio corpo — ou melhor, seu suéter.

— Tira — repetiu Shuan, agora com mais firmeza.

— Ela precisa costurar a coisa pra você, Anya — explicou Marco, a voz calma e reconfortante. — Não dá pra fazer isso direto no corpo.

— Mas... M-Mas...!

— Prometo que nem eu, nem ninguém aqui vai olhar pra você, tudo bem?

Era impossível dizer "não" para Marco quando ele estava assim tão sorridente, inclinado para a frente para que pudesse olhá-la cara-a-cara, as mãos apoiadas nos joelhos. Após alguns momentos de conflito interno, Anya acabou cedendo.

Despiu-se do suéter e jogou-o para Shuan o mais rápido que conseguiu. Pensou que sentiria frio ao ter o ar da torre contra sua pele desprotegida, mas se surpreendeu quando tudo o que sentiu foi uma rápida sensação de refrescância. O ambiente permanecia igualmente quente. Pelo jeito não era por causa do suéter.

Mas o calor era o que menos importava para Anya agora. Assim que entregou sua roupa para Shuan, cobriu apressadamente seus pequenos seios com as mãos, dobrando-se um pouco para esconder sua ferida com o cotovelo. Olhou para Marco por sobre o ombro, mas felizmente ele estava de costas. As outras crianças também mal prestavam atenção nela — andavam depressa de um lado a outro ou concentravam-se em suas tarefas, as quais Anya não fazia ideia do que fossem.

Seus músculos relaxaram pouco a pouco e ela se sentou, as costas apoiadas na parede, enquanto esperava que Shuan terminasse de costurar sua roupa. A parede, assim como aparentemente tudo naquele lugar, estava quente, um morno agradável. Apesar do calor, Anya não se sentiu desconfortável. Fechou os olhos e respirou fundo, meditando da mesma forma que às vezes via a mãe fazer.

O mundo se envolveu em escuridão. Uma escuridão gostosa, aconchegante. Nada ameaçador ou terrível. Apenas o interior de suas pálpebras.

Era uma sensação boa, aquela. Estar sozinha consigo mesma, enchendo os pulmões de ar enquanto tudo o que poderia fazer era perder-se em seus próprios pensamentos. Era como se a guerra, a torre e as crianças nem mesmo existissem. Tudo o que importava era Anya e o som reconfortante de seu próprio coração batendo contra o peito, da mesma forma que faziam os corações de sua mãe e seu pai naquele mesmo momento.

E naquele mesmo momento, o sentimento que a encheu foi tão bom que nem ouviu seu nome ser chamado.

Era uma voz feminina, bem fina, porém firme. Quando Anya abriu os olhos para responder a voz após tê-la finalmente percebido, deu de cara com um tecido vermelho-vinho, com algumas manchas mais escuras aqui e ali. Atrás do tecido, o rosto de Shuan, de semblante inexpressivo.

— Aqui. Se rasgar, você volta — instruiu ela, enrolando-se com as palavras enquanto tentava pronunciá-las direito. Jogou o suéter sobre o corpo de Anya e voltou para sua pilha.

A pequena vestiu-se do suéter rapidamente, sentindo-se aliviada por não estar mais seminua. Ao contrário do que ela imaginava, Shuan não tinha costurado a manga que pegara ao ombro da peça; na verdade, a havia rasgado para que deixasse de ter o formato afunilado e a costurara no lugar que, antes, Anya se esforçava para cobrir — bem acima de seu machucado. Sentiu-se grata pela compreensão de Shuan e decidiu agradecê-la.

Com alguns poucos passos rápidos, um pouco hesitantes no início, alcançou-a e cutucou suas costas. A garota mais velha se virou com uma das sobrancelhas levantadas.

— Muito obrigada.

Anya surpreendeu-se com o sorriso que viu: pequeno, tímido e incrivelmente belo. Teve vontade de abraçar a outra menina, mas faltou-lhe a coragem.

Shuan então deu-lhe as costas e voltou a deitar-se sobre seu amontoado de roupas. Anya foi até Marco e pegou sua mão, sorridente.

Anya se sentia bem. Um tanto alegre, quase feliz. Era ótima a sensação de não ter mais de esconder-se dos outros. Melhor ainda a de ter a chance de conquistar uma amiga. Nunca se relacionara com nenhuma outra menina antes e sempre desejou alguém para confidenciar suas histórias e aventuras, assim como nas histórias de jovens princesas, sempre junto de suas companheiras. Talvez, se Anya tentasse, poderia se tornar amiga de Shuan. Ela havia sorrido para Anya! Com certeza daria uma chance à amizade das duas.

O lado pessimista de seu coração dizia que Anya estava se iludindo. O otimista, que teria uma amiga antes mesmo que percebesse. Decidiu seguir seu otimismo, é claro. Pensar pelo lado bom era sempre o melhor; só assim para Anya conseguir seu final feliz. E ela iria conseguir. Iria sim!

Porque, se pensasse o contrário, começaria a chorar.


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Notas finais do capítulo

Por agora, é só :B
Espero que tenham gostado do capítulo! Não teve ação nem nada, mas contém vários detalhes que serão importantes futuramente.
Por favor, comente com sua opinião, isso me ajuda muito e é suuuper apreciado ♥♥♥

É isso :3 Até a próxima~ ♥

(P.S.: Prometo que teremos mais Chiara e algumas explicações úteis no próximo :B)