Paz Temporária - Chama Imortal escrita por HellFromHeaven


Capítulo 9
A organização sem nome




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Combinei um local para me encontrar com o padre e segui para a casa dos dois jovens. Por mais que Jim tivesse ficado interessado no grupo, eu não podia deixar que aqueles dois e envolvessem nisso. Afinal, como ele mesmo disse, era algo muito perigoso e arriscado. É claro que tais palavras já não significavam nada para mim há muito tempo, mas o mesmo não valia para nenhuma outra pessoa. Boa parte do trajeto até a casa foi silencioso. Ruby segurou minha mão durante todo o percurso enquanto Jim apenas olhava para o céu, distraído. Pouco antes de chegarmos (minha memória era muito boa, então já sabia como transitar nos lugares pelos quais passamos naquele dia), a pequena parou de andar, mas continuou me segurando. Parei também e virei-me para ela. A garotinha estava com os olhos marejados e encarava o chão. Agachei-me ao seu lado e afaguei sua cabeça.

– O que houve pequena?

– É que... Você mal chegou na cidade e já se meteu num grande problema... Eu... Queria ajudar, mas... Não dá... Então...

– Não se preocupe. A tia Tsuya aqui ficará bem. Só quero que você me prometa uma coisa.

– O quê?

– Comporte-se e não me siga. Como você mesma disse, me meti em uma grande enrascada. Mas como eu sou imortal, ficarei bem. E isso não vale para vocês. Não quero que se machuquem por minha causa.

– Mas... Mas...

– Escute-a, irmã. Ela está certa. Também não posso permitir que você se envolva com isso. – disse Jim.

– Isso também vale para você, jovem. Espero que também fique fora disso. Cuide de sua irmã por mim.

– O quê? Mas...

– Sem “mas”. Você é muito novo para se envolver com esse tipo de coisa. Aproveite sua juventude enquanto pode.

– Mas...

– Escute a tia Tsuya, irmão idiota! Eu também não quero que você se machuque...

– Ruby...

– Viu só? Não quer preocupar a sua irmã assim, quer?

– Não...

– Então faça o que eu disse. Vamos para a sua casa.

Voltamos a andar e o silêncio voltou a reinar sobre nós. Jim continuava olhando para o céu, como se buscasse respostas e Ruby segurava em meu braço enquanto andava cabisbaixa. Mantive meu olhar para frente o tempo todo. Admito que foi frio de minha parte, mas vale lembrar que eu já não possuía muitos sentimentos devido minha longa vida solitária. De qualquer jeito, chegamos à casa dos dois e, consequentemente, ao momento de despedida. Jim abriu o portão e os dois entraram no quintal, mas pararam antes de abrir a porta. Fiquei na calçada os encarando sem dizer uma palavra. Uma leve brisa passou por nós, fazendo com que meus longos cabelos balançassem e atrapalhassem minha visão por um breve momento. Aquilo aconteceu por tempo suficiente para que Jim virasse suas costas e entrasse na casa. Restamos apenas eu e Ruby. Encaramo-nos silenciosamente por um bom tempo, até que decidi terminar com aquele momento:

– Bem... Cuide-se, pequena.

– Pode deixar... Tia Tsuya...

– Diga.

– Me promete uma coisa?

– Claro. O que é?

– Promete que você vem me visitar? Que você vai ficar bem?

Sorri e abri meus braços instintivamente. A garota correu até mim e me abraçou. Correspondi ao seu abraço e sussurrei em seu ouvido:

– Eu prometo.

Terminamos de nos abraças e ela entrou, mas logo antes de fechar a porta acenou para mim sorrindo com os olhos marejados. Acenei de volta e fiquei observando-a até que a porta estivesse fechada. Fiquei para ali, em frente à casa, por algum tempo. Eu não entendia muito bem o porquê, mas eu sentia um aperto no meu peito. Aquele momento fora deveras estranho no quesito “sensações que eu achava ter perdido”. Até aquele instante, eu havia me esquecido de como sorrir e até do que seria aquele aperto estranho e insistente no lado esquerdo do meu peito. Porém não havia tempo para me preocupar com isso. Virei-me e comecei a andar pela cidade rumo ao local de encontro combinado com o padre. Quando estava na esquina acabei me lembrando de algo que estava enterrado em minha memória: eu sempre odiei despedidas.

O lugar que eu tinha proposto para nosso encontro era um parque pelo qual havíamos passado naquele dia (assim eu saberia como chegar até lá). Andei lentamente, pois estava perdida em meus pensamentos e acabei chegando lá apenas ao anoitecer. Ronmanoth estava sentado em um dos bancos de lá com roupas bem diferentes das que usava na igreja: uma jaqueta preta, uma camisa branca, uma calça azulada de um tecido estranho, botas (aparentemente de couro) e um crucifixo pendurado no pescoço. Estranhei aquela visão, mas me aproximei do mesmo jeito. Sentei ao seu lado sem que me percebesse, o que fez com que o mesmo se assustasse ao se virar e dar de cara comigo. Ele quase caiu do banco, mas logo se recompôs.

– Oh... Boa noite, sacerdotisa.

– Boa noite, felino assustado.

– Hehe... Pois é... Há quanto tempo está aí?

– Acabei de chegar.

– Oh... Você é muito silenciosa.

– É que eu era uma mercenária antes de me tornar uma sacerdotisa.

– Sério?

– Sim.

– Nossa... Isso é bem... Excêntrico... E explica sua luta com os guardas da igreja.

– Tem algum problema com isso?

– Não, na verdade... Pode até ser útil para nós.

– Entendo. Bem, vamos aos negócios. Você me disse que para entrar naquele grupo eu só precisaria falar com um deles, certo?

– Exatamente! Quer dizer... Na verdade você teria que fazer um pequeno teste, mas isso não será necessário no seu caso.

– Por quê?

– Porque você fez algo mais ousado do que todos os movimentos que realizamos até agora: contrariou um bispo no meio de seu culto e o deixou sem palavras.

– Bem... Não foi nada demais. A culpa maior é dele por estar em uma posição daquelas sem saber de nada.

– Pois é... Esse realmente é um grande problema dentro do culto. Muitos conseguem posições hierárquicas altas por causa de “contatos” e não por serem dedicados à fé.

– Como? Isso é... Um absurdo!

– Eu sei. E é por causa desse tipo de acontecimentos que eu resolvi me juntar ao grupo.

– Entendo... E qual seria o nome do tal “grupo”?

– Então... É uma organização muito recente. Não temos um nome ainda. Esse é um dos tópicos mais discutidos durante as reuniões. Vários membros já deram sugestões, mas até agora não houve um consenso.

– Oh... Bem, isso não é nada incomum. A minha família era um grupo de assassinos profissionais sem nome. Ele variava da região em que estávamos e era dado pelos clientes.

– Interessante. Nomes são algo realmente complicado... Seu sotaque é engraçado...

– Anh?

– Sua pele também não é tão escura quanto ao povo de Harvyre... Você é estrangeira?

– Sim, vim do extremo oriente há muito tempo.

– Agora me responda uma coisa que está me incomodando desde que a vi levar vários tiros e caminha como se não fossem nada... O que é você?

– Como eu disse antes, sou apenas uma sacerdotisa... Imortal.

– Bem... Parte de mim quer duvidar disso, mas você provou isso hoje, então... Como você ficou assim? Quantos anos você tem?

– Não tenho como responder a segunda pergunta. Afinal, nem sei em que ano estamos. Só responderei a primeira no seu quartel general. Seria muito desagradável ter que contar essa longa história novamente.

– Entendo... Ah! E estamos no ano de 1906.

– Nossa... Então esquece. Sou muito mais velha do que pensava. Melhor deixar isso só comigo.

– Anh? Mas assim não tem graça.

– Não importa. Isso acabou de se tornar um precioso segredo.

– Droga... Deveria ter mentido o ano.

– Pensou devagar demais.

– Meh... Bem, o que estamos esperando? Vamos até nossa “base secreta”.

– Está querendo ouvir minha história, não?

– Com certeza! Sempre me disseram que eu sou curioso demais para um padre.

– Sério? Não entendo o motivo.

– É que os membros da Igreja geralmente apenas aceitam as ordens sem questionar. Faz parte da metodologia que lhes é ensinada.

– Meu Deus isso é... Ridículo!

– Também acho. Mas como questionar diretamente aqueles que são seus superiores hierarquicamente é considerado uma heresia passível de punição, sempre me refugiei em livros e pesquisas secretas nas horas livres.

– Entendo. Na minha época se eu tivesse uma dúvida era só perguntar à T’eemu e ela me respondia com todo o prazer e a paciência do mundo.

– Oh... Essa deve ser a divindade do seu templo, certo?

– Divindade não, espírito elevado. Só existe uma divindade e esta está presente em todo o lugar, todo o tempo.

– Oh... Muito interessante... Conte-me mais.

– Só quando chegarmos lá.

– Droga! Desculpe-me... É que eu minha curiosidade me empolga com muita facilidade.

– Percebi.

Enfim saímos do parque e começamos a andar pela cidade. O padre me guiou até uma parte menos movimentada da mesma, onde as casas estavam mais distantes umas das outras e a natureza era mais presente. Paramos em uma espécie de estalagem feita com madeira de onde se podia ver luzes (porém não eram de vela, deveriam ser a tal da “energia elétrica” que Ruby me falara). Adentramos o terreno e paramos em frente à porta. Ronmanoth bateu algumas vezes na mesma e esperou. Ouvi alguns passos vindo em nossa direção e uma voz rouca logo nos atendeu:

– Quando o rebanho se perde do caminho da luz...

– Devemos punir o pastor. – respondeu o padre.

A porta se abriu e uma figura de um grande homem apareceu à nossa frente. Ele possuía uma longa barba, cabelos curtos e músculos avantajados. Por seu porte físico e aparência “simples”, deveria ser um trabalhador braçal. O homem nos guiou pela estalagem até o porão, onde várias pessoas estavam reunidas. Aquela parte da construção era incrivelmente grande (algo que não se esperaria ao olhar de fora). Todos estavam sentados em cadeiras numa posição de círculo. Havia algumas cadeiras vazia, então logo sentei em uma delas e fui acompanhada pelo “porteiro”. Apenas o padre permaneceu de pé e foi ao centro de todos. Ele coçou a garganta e abriu seus braços:

– Boa noite a todos os membros do grupo secreto contra a seita dos Fallen Ones!

– Esse nome é muito grande! – reclamou um dos membros.

– Não importa! Vou usá-lo hoje, pois temos uma nova membra! – disse apontando para mim.

Toda a atenção se voltou para esta humilde sacerdotisa, que não sabia como reagir àquilo. Ronmanoth fez um sinal para que eu me levantasse e obedeci.

– Vocês já devem estar sabendo do tumulto que aconteceu hoje durante o culto.

– Com certeza! – disse um dos membros.

– Disseram que vários fiéis desistiram da fé. – disse o “porteiro”.

– Exatamente! – exclamou o padre. – Ela é a causa disso tudo! Uma salva de palmas à sacerdotisa que deixou o bispo sem palavras.

Todos me aplaudiram e eu continuei lá, parada, sem saber o que fazer. Depois disso, ele explicou minha situação e falou que eu queria me juntar a eles. Todos me receberam muito bem e a maioria deles ficou curiosa sobre mim, assim como o padre. Então não tive escolha a não ser contar-lhes minha história.

Quando terminei de falar, apenas dois tipos de pessoas estavam presentes: aqueles que me olhavam admirados e os que me olhavam com deboche. Por sorte, o primeiro tipo era a grande maioria, mas ainda assim havia aqueles que duvidavam de minhas palavras. Isso gerou uma grande discussão entre os membros presentes. Enquanto todos brigavam, Ronmanoth me encarava sem graça e eu apenas pude suspirar. Levantei-me, peguei uma machadinha que estava cravada em uma tora de madeira jogada no chão e fui até o centro do círculo.

– Parem com essa discussão infantil! Se estiverem duvidando de minhas palavras, então provarei minha imortalidade aqui e agora!

Todos pararam de falar na mesma hora e se voltaram para mim. Já estava cansada de ter que provar isso para os outros e decidi ser radical. Ergui meu braço esquerdo e tencionei seus músculos o máximo que pude para mantê-lo parado. Levantei minha outra mão empunhando a machadinha e a desci o mais forte que pude, cortando assim minha mão esquerda. Ela caiu no chão e fez um som abafado. Meu sangue logo começou a jorrar e eu rapidamente direcionei meu pulso para baixo. Todos me olhavam boquiabertos e somente o som do sangue caindo no chão pôde ser ouvido até que eu me regenerasse.

Quando minha mão se recompôs totalmente, a ergui diante de todos (vale lembrar que mantive minha expressão séria desde o começo). Como eles ainda se mantiveram em silêncio, resolvi me posicionar:

– E então? Ainda duvidam de mim?

– Não... – disseram alguns dos membros em coro.

– Você... Você... É um monstro! – disse um homem que estava perto de mim.

Ele saiu correndo e caiu nas escadas duas vezes antes de enfim sair da estalagem. Voltei-me para o resto e estes já estavam voltando ao normal.

– Então é verdade...

– Isso... É ótimo! Se tivermos alguém assim do nosso lado... Nada poderá nos deter!

– Poderemos matar todos aqueles filhos da puta!

– Sim! Morte aos hipócritas!

Aqueles comentários foram muito desagradáveis de se ouvir. Virei-me para o padre e este apenas me encarava sem jeito. Ele deu de ombros e eu apenas pude suspirar profundamente. Aquilo foi o suficiente para eu notar que tinha alguns aliados e que... Teria muito, mas muito trabalho do que eu imaginava.


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Notas finais do capítulo

Olá~
Pode não parecer, mas estou fazendo tudo o que eu posso para terminar os capítulos o mais rápido possível, mas tá foda x.x
Mas é o que dizem e eu já disse algumas vezes: antes tarde do que nunca ='D
Não sei se vocês já leram outras das minhas histórias, mas... Eu adoro organizações ='D só um comentário de valor duvidoso que deixarei aqui.
A tia Tsuya terá que tretar com os aliados antes de tretar com a Igreja xD
Enfim, agradeço a quem leu até aqui, espero que estejam gostando e até a próxima =D



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