As 11 poesias de Halicarnasso escrita por Salomão


Capítulo 4
Fantasmas que sonham, balões coloridos e jeans surrado


Notas iniciais do capítulo

Quarto dia e quarto capítulo. Por enquanto a imaginação está fluindo muito bem. Enfim, capítulo novo. Se estiverem gostando ou odiando ou sei lá, comentem. A opinião de vocês é muito importante para uma fic diária.

Boa leitura!



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IV

Caminhava por entre dunas infindáveis, enquanto o vento noturno e arenoso judiava de meu rosto. Eu podia sentir o mundo e também o medo. Dei inúmeros passos, entretanto, todas as direções pareciam levar para o mesmo lugar. O norte desértico era gêmeo do sul. O leste era sinônimo de oeste. A rosa dos ventos era tão inútil quanto às palavras de um profeta, que preveem, mas em nada auxiliam, apenas geram o pavor em relação ao futuro.

O céu estava roxo e nublado e com nuvens escarlates que pintavam o céu com um colorido sombrio e mórbido. A tempestade de areia fazia com que as nuvens corressem rapidamente, riscando o céu conta tinta vermelha, abstrata e feia.

Cada duna parecia esconder o perigo iminente. Entretanto, eu insistia na minha caminhada, embrenhando-me cada vez mais naquele labirinto onipresente e sem paredes, e isso o tornava ainda mais assustador, pois, a qualquer momento, eu poderia encarar, face contra face, um escorpião gigante e peçonhento. O medo de ter medo era o que doía na minha alma.

Alcancei a mais alta das dunas. Escalei-a até o momento em que passei a sentir meus lábios secos contra a areia fria.

Eu desabei...

Estava exausto...

Lembrei-me do oceano no fim do mundo... era tão acolhedor.

Levantei o rosto e pude enxergar, logo a minha frente, uma mulher. Ela vestia roupas tão roxas quanto o céu. Estava sentada numa cadeira de madeira próxima a uma mesa laranja. Sobre ela, uma vitrola tocava uma música fúnebre, porém, sensual. O tecido de sua vestimenta estava banhado de estrelas costuradas com fios de seda. Usava um chapéu pontudo e também repleto de estrelinhas prateadas. Sua pele era delicada, alva e ancestral. Mechas de cabelo ruivo ardente brotavam de debaixo de seu chapéu peculiar.

– Levante-se – disse sua voz adocicada. – Vamos, romano. Fique de pé.

Foi necessário um esforço absurdo para que eu conseguisse me levantar. Espanei a areia de minhas roupas: um único pedaço de tecido costurado bisonhamente, deixando parte do meu tórax exposto. Uma faixa dourada estendia-se em todo o perímetro de minha cintura. Logo abaixo, o tecido seguia até altura de meus joelhos e mantinha-se aberto, como uma saia.

Encarei o rosto da desconhecida e absorvi a essência de seu olhar: absurdamente opaco e superior. Ela mandou-me sentar numa das cadeiras, mas recusei sua educação.

– Ache a bússola. Helena precisa ser assassinada. E você é o responsável. Assuma seus erros. Derrame o sangue de sua amada. Seja um romano! – ela bradou.

A ventania cercou-me e iniciou um pequeno furacão alcalino, com areia sépia dançando ao meu redor. O chão começou a ceder e a me sugar para as profundezas desérticas. Do chão nós viemos e ao chão retornaremos. Nasci na escuridão e, naquele momento, morria junto com ela. Senti dor, medo e angústia.

Meu corpo estava a um instante de ficar completamente encoberto. A areia corria contra o meu rosto e penetrava pela minha boca, preenchendo os meus pulmões. Não conseguia respirar, e muito menos gritar. A voz inexistia, ao contrário da dor. Senti frio e...

– HALICARNASSO, SEU PUTO. ACORDA! – alguém gritou, enquanto uma cadela latia sem parar. – Isso! Abra os olhos!

– Kurt... Laika... o que aconteceu comigo? – perguntei.

Terminei de abrir os olhos. Novamente, foi uma tarefa árdua, pois aquilo doía pra caramba, mas, por fim, consegui ver dois malditos desfocados na minha visão. “Mas que merda acabou de acontecer?”, pensei. Bom, pelo menos achei que tinha apenas pensado isso.

– Mas que merda acabou de acontecer aqui? – disse (tenho que aprender a controlar meus impulsos). – A voz era diferente.

– Você quase virou uma aparição, man. Foi pura sorte eu ter conseguido te salvar a tempo. Os velhinhos ficaram felizes e, pelo visto, você também. Naquele momento... você estava morrendo! Indo para o céu! Xablau.

– KURT! A! VOZ! ERA! DIFERENTE! PORRA! – gritei.

Ele levantou-me do chão, segurando meu cachecol. Empurrou-me um pouco para trás e olhou diretamente pra mim. Seus dentes estavam cerrados, e os tendões de seu pescoço pareciam cordas próximas de arrebentarem. Kurt parecia segurar o que queria dizer. Desembuche, homem!

– EU! NÃO! SEI! DO! QUE! VOCÊ! ESTÁ! FALANDO! – Kurt devolveu pra mim. – E para de gritar!

– VAI SE FERRAR!

– AU RRR – ladrou Laika, entretanto, ficou quietinha após falarmos (eu e Kurt Cobain) em uníssono: - Cala a boca, magrela – ela emitiu um som triste de volta e correu em direção ao gramado verde e cheio de bolas luminosas extraterrestres.

Eu e Kurt ficamos nos encarando durante longos segundos até que ele comentou com uma voz mais branda que o habitual:

– Halicarnasso, me responde uma pergunta. Que outra voz, cara? O que você quis dizer com isso?

– Quando eu quase desapareci, uma mulher maluca começou a falar dentro da minha cabeça – Levantei os braços e os balancei de modo irônico, imitando uma mulher estressadinha, enquanto disse: - Mimimi eu sou sua mimimi romano. Entendi. Porcaria. Nenhuma. E no meu sonho, apareceu uma bruxa geek viciada em roxo, mas sexy, que também me chamou de “romano” e falou para eu achar uma bússola, provavelmente, mágica.

– Depois eu que sou o drogado da história. Hilário – respondeu Kurt. Jogou a guimba do cigarro no chão (olha o câncer, cara). – Lembra-se do nome de alguma das duas chicas?

– Helena – uma palavra bastou para a resposta.

– Ok, darei um jeito nisso para você – Kurt disse, enquanto andava na minha direção e colocava a mão em um dos meus ombros enfumaçados. – Vamos, me siga. Eles estão quase chegando.

– E quem seriam eles? – perguntei ansiosamente.

– Os balões coloridos.

. . .

Estávamos sentados olhando para o céu, esperando é... bem, balões coloridos. Pelo menos foi o que Kurt disse, antes de me convencer a ir para a escadaria de mármore. O crepúsculo dominava o céu e lembrava-me de suco de laranja com framboesa. Isso existe? Só sei que não sei, cara. Enfim, o céu estava muito maneiro.

Ouvi gritos e notei Laika correndo em nossa direção. Ela lançava suas patinhas numa velocidade muito, muito rápida, igual a um foguete. Kurt Cobain disse que ela era um foguetinho russo endiabrado. A cadela alcançou a escadaria e pulou os degraus com muita agilidade. Ela tinha algo cravado entre seus dentes e cuspiu o conteúdo em minha mão. Eca!

– Olha só! Um presentinho. O que é isso? Jeans? – Kurt disse.

– Aham, um belo pedaço de jeans surrado. De onde arrancou isso, Laika? – perguntei, após fazer carinho em sua cabeça fantasma.

Ela latiu e acenou com a cabeça em direção a um casal de adolescentes meio punks (exatamente os de mais cedo! Vingança!) meio desnorteados e rodando em círculos, procurando pelo culpado. O garoto tarado e punk estava com um belo de um rasgado na parte de trás de sua calça. Todos gargalhamos! Inclusive a cadela Laika (ei, do jeito dela, é claro). As risadas foram diminuindo até silenciarem-se completamente. Aproveitei a oportunidade e falei:

– Fantasmas podem sonhar?

– Claro. Já te disse: o sono é um dos estados mais próximos da morte. E, logo, o sonho está incluso nisso tudo. O sonho está relacionado à nossas aventuras e aos medos mais íntimos, man. Então, sim. Fantasmas podem sonhar. – Cobain respondeu.

– O que exatamente aconteceu comigo quando os velhinhos ficaram alegres? Pensei que nós já estivéssemos mortos – perguntei de novo.

– Esqueceu, esperto? Você ficou feliz.

– Tá... e o que isso tem a ver?

– Fantasma feliz é igual a bye bye. Não há motivos para um fantasma feliz continuar perdido no planeta Terra. Quando um fantasma faz algo valer a pena, ele some, pois conseguiu um lugar ao sol.

– E como você sabe de tudo isso?

– Cacete, você não cansa de perguntar? OK, essa é a última que responderei. Eu sei de tudo isso... digamos que faz muito tempo que estou por essas bandas. Agora cale a boca e preste atenção nos malditos balões.

E lá estavam eles: milhares de pontinhos coloridos brilhando contra o crepúsculo (ah, o filme em que as pessoas brilham. Pelo visto consigo me lembrar de certas coisas. Esta aí, velhinhos) e fazendo uma jornada vagarosa, deixando que o vento fizesse o seu belo trabalho. Subitamente, senti uma vontade enorme de viajar, rodar pelo mundo, me perder por aí. Queria descobrir o que ser um fantasma perdido nesse planeta poderia significar. Lembrei-me do pergaminho e do nome: Karina Beuregard.

“Será você meu ingresso para o novo mundo?”, pensei, enquanto observava os balões, naquele momento, mais próximos, inundarem o céu com formas redondas, mas com charmes distintos.

Quem é você, Karina?

Quem sou eu, Karina?

Karina?

– Bom trabalho, romano. Que a sorte o acompanhe – ouvi a voz da bruxa ruiva clarear em meus pensamentos. – Vá para Londres!

Que a jornada comece.


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Notas finais do capítulo

AEOOOO. Fim do capítulo. Não deixe de comentar :D



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