As 11 poesias de Halicarnasso escrita por Salomão


Capítulo 3
Luz solar, velhas tartarugas andantes e aparições


Notas iniciais do capítulo

Rapaz, haja imaginação. Esta aí o terceiro capítulo. Fim da introdução. Uhul. Bola pra frente. Rumo aos 100 capítulos, yea! Tenham uma boa leitura!



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III

Eu nunca pensei que ficaria tão ansioso em ver humanos caminhando silenciosamente. Geralmente, eles produziam cacofonia, quando estavam em bandos. De acordo com Kurt, um humano incomoda muita gente, mas dezenas deles parecem imitar o próprio inferno. O sol anunciava que a manhã havia chegado, riscando o céu azul e límpido bem lá no alto. Gostaria de trocar de lugar com o sol, ambos não recordávamos o próprio passado, mas o sol não possuía consciência (ou será que não?) e ficava, simplesmente, distante de todos os problemas. Quem não sente, não ressente. “Ser uma bolo de fogo gigante e que torra humanos parece ser mais divertido”, pensei.

Pessoas de todos os tipos caminhavam sem rumo próximo ao Mausoléu de Halicarnasso: negros, brancos, pardos, crianças e um anão. Todos gastando seu curto tempo vendo uma obra artística e colossal. Eles esqueciam que após morrer, não se lembrariam de nada. Em um intervalo de horas, ou semanas, ou dias, ou anos, eles se esqueceriam, perderiam qualquer resquício do dia em que viram aquele grande palácio fúnebre e branco. Como não podiam ficar impressionados com algo tão belo que sobrevivera ao longo de séculos apenas para ser observado por pessoas ignorantes? Como as pessoas se sentiam? Como o monumento se sentia? Como eu me sentia?

Sentia-me triste e decepcionado ao assistir os vivos tão desconcentrados quanto à dádiva que era a vida, enquanto eu, morto, gostaria de ter meus sentidos de volta e sentir a frieza do mármore cálido e imortal. Longas histórias se passaram nos arredores do Mausoléu: reis, rainhas e ditadores titânicos proferiram suas palavras proféticas no mesmo solo em que, naquele momento, dois jovens adolescentes quase transavam em público. Eles embrenhavam seus corpos em algo quase pornográfico. Uma coisa é o desejo mútuo: amar e, simplesmente, amar. Mas a outra é a vulgaridade explícita, apenas pelo prazer de incomodar as outras pessoas que circulavam por ali, era bizarro. Sentia vontade de dar um chute em suas canelas, mas me segurei. A lei do mínimo esforço me dominou. “Desculpa, amigos. Entretanto, o assunto não acaba aqui”, sussurrei e desviei a atenção.

Kurt notou que eu estava imerso em meus pensamentos e apontou para um casal de idosos. Esperou que eu dissesse algo, então suspirou. Pegou um cigarro fantasma dentro de sua confusão de roupas e deu uma tragada demorada e prazerosa. Lançou alguns círculos de fumaça em direção ao ar e disse:

– Sabe o que vejo de estúpido naquele casal de idosos? Bom, além de serem idosos? – ele pronunciou a última palavra como se tivesse aversão ao fato de envelhecer. – Consegue me responder? É fácil.

– Você é esperto, Kurt. Pensei que eu fosse o único a ter reparado isso – sorri. – “Valeu a pena viver? Faz sentido estarem vivos?” é o que eu perguntaria pra eles.

Estava indignado em relação aos humanos. Era inaceitável o fato de viverem por longos anos para no final, em suma, serem apenas... velhos. Que sentido teve a vida deles? Não soube dizer e ainda não sei. Não compreendia a vida daqueles humanos. Eles foram jovens, droga. Por que não se arriscaram no auge de suas vidas em algo divertido e que os deixasse felizes? Isso não é tão difícil de perceber!

Todos morrem no final, logo, por que não fizeram a vida valer a pena, pegando um automóvel qualquer, partir rumo a uma direção qualquer que tem uma surpresa qualquer? A vida deles teria sido tão mais interessante. MUITO interessante. Achava ofensivo o fato de gastarem setenta anos de suas vidas para, finalmente, terem cinco anos de uma vida chata, mórbida, apenas esperando os dias passarem para virarem pedaços de... nada.

Levantei-me e fui em direção ao casal de idosos. Hora de aprontar, baby (hum?). Kurt veio correndo atrás de mim e segurou a manga de minha jaqueta. Ele disse:

– Halicarnasso, seu filho da mãe! – Kurt gritou. – Eu avisei: Não. Interaja. Com. Os. Humanos. Compreende? Você pode machucá-los e SE machucar.

– Solte-me. Agora – respondi, enquanto encarava seu olho esquerdo. O direito estava encoberto por uma mecha de cabelo loiro. – Cara, eu sei o que estou fazendo. Tente relaxar.

Ele me soltou, logo, segui em direção ao casal poeirento. Aproximei-me deles a passos largos, como se estivesse furioso e pronto para receber uma boa explicação sobre a vida que eles estavam levando. Pronto, podia enxergar seus rostos enrugados e fios grisalhos abundantes em suas cabeças bem próximos de mim. Independente do fato de ser um fantasma, eu quis discutir com eles. Não me importava se seria notado ou não. Só queria me expressar e ponto final.

Quando fui pronunciar a primeira das palavras do meu monólogo filosófico e de causa social, eles começaram a andar e me atravessaram. LITERALMENTE, me atravessaram. Senti cócegas e uma sensação de vazio. Por fora, meu corpo parecia fisicamente okay. Aquele casal babaca atravessou-me porque eu parecia uma névoa estúpida, droga.

Os dois idosos seguiram rumo à fonte com passos lentos (tartarugas não tão ninjas) e, logo, segui-os. “Escuta aqui, seu vermes”, disse bem alto. Distante de mim, Kurt estourava em gargalhadas, irritando-me um pouco. Estou mentindo. IRRITOU-ME BASTANTE. “Eu te mato, Kurt. Te ressuscito e te dou um tiro, babaca”, pensei.

Os dois velhinhos admiravam a luz irradiar contra a água límpida, criando reflexos luminosos em suas faces. E naquele momento, eu tive a melhor ideia possível. Estava orgulhoso de mim mesmo e não sentia nem um pouquinho de pena. Estreitei nossa distância num único pulo e, para o meu azar, empurrei-os contra a água (CA-RA-CA. Eu pensei que minha mão fosse atravessar eles e... só. Ai, meu Zeus). Não entendi no momento, mas creio que minha raiva foi capaz de... Ah, não sei explicar. Empurrei e eles caíram. Fim de história. Casal ao mar! Chamem a... qual o nome? É... a guarda costeira! Ri da minha própria piada. “Moby Dick e baiacu precisam de ajuda. Câmbio. Repito. Moby Dick e baiacu precisam de ajuda. Câmbio, desligo”, pensei. Com toda a certeza, eu não deveria ser o humano mais normal, quando estava... bem, vivo.

Primeiramente, os dois velhos pra caramba (vão pra um motel... quero dizer... museu) ficaram em pânico e completamente desnorteados. Suas bocas formavam um grande “o”, enquanto eles tentavam, sem resultado algum, levantarem-se em meio à fonte. Eu observei os dois e não acreditei no que vi. Após inúmeras tentativas inúteis de se recomporem, os dois largaram seus corpos contra a água e começaram a rir. Gargalhadas tão doces e capazes de abrir um sorriso tímido em minha face. “Porra, Halicar. Eles te comoveram?”, pensei. O sol iluminava seus rostos, fazendo com que suas bochechas brilhassem (isso me lembra de um filme. Perguntarei a Kurt), mas não tanto quanto o seus sorrisos. O homem idoso levantou-se (finalmente, em!) e ofereceu a mão a sua esposa. Os dois se abraçaram, cara. Foi realmente muito... alguém me chamou?

– Ei, Halicarnasso! – gritou Kurt. – Vem pra cá, agora. Eles vão te transformar em uma aparição! Corre! – ele gesticulava, lançando seus braços para o alto num movimento desesperado. – Rápido, cara! CORRE! – Kurt cessou seus gritos e fez uma cara de espanto.

Algo de errado estava acontecendo naquele momento e eu descobri: meu corpo estava ficando cada vez mais transparente. O casal de idosos parecia olhar para MIM, e não através do meu corpo. Minha mão esquerda havia desaparecido e os meus pés também começaram a desaparecer. Eu tentava impedir, mas era impossível, como pegar fumaça com as mãos. “ESQUEÇA A FELICIDADE, HALICAR!”, Kurt gritou. Olhei para todas as direções, minha cabeça parecia dar uma volta de trezentos e sessenta graus. Bem a minha frente, mais humanos se aproximavam. Atrás de mim, Kurt vinha correndo em minha direção.

O processo de desaparecimento havia alçando a minha cintura e meu braço esquerdo se fora para o espaço há tempos. Kurt Cobain insistia para que eu esquecesse a felicidade, entretanto, eu não conseguia deixar de sentir felicidade. Aquele casal de malditos, mas que merda! A solução para a sobrevivência: era desaprender o sorriso doce.

Restava apenas um décimo de um EU FLUTUANTE. Minha mente também começou a desvanecer, entretanto, um único detalhe parecia perpetuar no buraco negro que eram os meus pensamentos: uma voz feminina.

– Você foi rude quanto à morte, querido – a desconhecida em meus devaneios disse. – Não soube jogar o jogo da morte. Tu és fraco, romano. Por isso perdeu meu coração. Eu era sua... eu era sua...

Eu sentia-me extremamente feliz.

A felicidade me degenerava.

A felicidade foi minha sentença.

O mundo terreno começou a escurecer.

Adeus...


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, caras. Não deixem de comentar!



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