As 11 poesias de Halicarnasso escrita por Salomão


Capítulo 5
Chuva de balões negros: Parte I


Notas iniciais do capítulo

Essa é a primeira parte desse arco, onde o primeiro nome da lista dos maiores problemas do século XXI será investigado.
Caraca, pensei que não fosse conseguir terminar o capítulo de hoje, mas graças a minha namorada linda, CONSEGUI. UFA. Boa leitura pra vocês



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V

O tempo para os fantasmas era algo agonizante e emblemático. Para os figurantes de vidas passadas, estarem mortos, significava passar os infinitos dias repelindo a angústia e a solidão. Os eufemismos de uma cerimônia fúnebre não geravam consolo, mas sim, uma nostalgia em relação ao momento em que porções de terra começaram a ser lançadas contra seus corpos inertes. Posterior a isso, só existia a escuridão. A dor da fome nunca se equiparará a dor da alma, pois é ela quem realmente nos representa e, logo, é o alvo dos rasgos causados pelas intempéries da vida.

Os cidadãos iam embora, enquanto eu e Kurt os observávamos prosseguirem com suas vidas fúteis e aguardávamos em silêncio o momento mais confortável de nossa rotina: a noite. Os balões também seguiram o mesmo rumo. A luz do sol sucumbiu ao final do dia e, naquele momento, estávamos, novamente, em meio ao véu noturno e repleto de luzes esféricas que se espalhavam sobre os gramados.

Eu estava triste, pois me sentia perdido. Toda minha animação parecia ter sido sugada por aquela indisposição humana amontoada próximo ao Mausoléu de Halicarnasso. “Que desperdício de tempo, humanos”, pensei.

Estava decepcionado devido à minha vontade de não querer tomar uma atitude e à curiosidade inexistente em relação a quem eu realmente era. Caramba! Como eu conseguia sentir total antipatia para com minhas lembranças? Era como se... eu não quisesse recordá-las. Autodefesa fantasma, baby. Nossa! Até as piadas perderam o ânimo! Cruzes.

Olhei para o céu e sua tonalidade púrpura insinuava que iria chover a qualquer instante. Kurt levantou-se e desceu a escadaria. Sua aura transmitia uma sensação agourenta, como um presságio. Ele caminhou para cá e lá, enquanto coçava a própria cabeça, num sinal claro de indecisão e nervosismo. Sua essência parecia cada vez mais etérea. Encarou-me com uma aparência neutra e disse:

– Halicar, eu preciso que faça algo para mim em troca.

– Em troca? Não entendi. Volte a fita, por favor. Quando começa a anoitecer, eu fico meio lentinho – sorri. – Por que essa cara tão séria?

– Porque eu estou sério, droga! Pode, por favor, prestar atenção? – Kurt perguntou.

– Não é minha praia pedir desculpas pelo meu tom brincalhão, mas vai lá, tente desabafar. Minha atenção é sua. Faça bom proveito, amigo – respondi ironicamente.

– Tudo bem. Eu preciso ir. Não posso mais ficar no Mausoléu – ele parecia chateado, pois sua aparência parecia abalada. – Simplesmente... não dá, cara – virou-se e começou a lançar suas botas em direção ao gramado repleto de bolas de cristal.

– Ei, mas de que raios você está falando, cara? – resmunguei. – O QUE VOCÊ VAI FAZER, COBAIN? – gritei. – Porra, me responde. E... a cadela é sua!

– Durante anos, eu permaneci aqui! Pensando numa maneira de alcançar minha redenção, compreende? EU CANSEI DESSE LUGAR. NÃO QUERO PRORROGAR MINHA EXISTÊNCIA POR MEIO DA INFELICIDADE! – ele parecia frustrado (explosivo) e liberava toda sua angústia por meio de palavras. - Eu disse que ia resolver seu problema e VOU. Quero ficar feliz em poder te ajudar e sair dessa merda de lugar que chamamos de mundo.

– Você é louco. E esse é um dos motivos de eu te admirar – confessei. – Passamos pouco tempo juntos, mas você é... tão colossal quanto esse elefante branco – apontei para os pilares branquíssimos e o chão polido. – Eu precisava lhe dizer isso.

– Promessa de rockstar: eu vou voltar. O Caballero vai conseguir me ajudar, tenho certeza – ele lançou-me um olhar intenso, deixando claro o brilho de seus olhos. “Kurt Cobain não morreu, yea!”, pensei. – Cuide-se, man – ele disse e, logo, sumiu nas sombras do anoitecer.

– Adeus – sussurrei para o vento que uivava. A tempestade estava próxima.

Estávamos eu e Laika sozinhos. Que cara vacilão! Tudo bem que eu usava um nome falso e etcétera, porém, nos abandonar sem mais nem menos era sacanagem. MUITA SACANAGEM. Tipo… um filme pornô (I don’t know what I’m saying. I spoke in english? What the hell?). Legal! Cool!

A determinação de Kurt Cobain me comoveu e, bem lá no fundo da minha consciência, eu sabia o que deveria ser feito. Londres! Era para lá que eu necessitava ir, entretanto, não fazia ideia de como fazer isso. Ah, joguei a ideia para escanteio e fiquei de pé.

Subia as escadas, enquanto assoviava para Laika. “Fantasmas podem sonhar”, divaguei (mas que cara viajão). O barulho dos meus passos ecoava pelo recinto que, éons atrás, fora ocupado por corpos de reis e rainhas. Os destinos das coisas maravilhosas são cruéis no mundo terreno. Nascer, crescer (sofrer) e morrer. O sentido de viver me parecia tão pobre.

A vida... era trágica.

Escolhi o canto do mausoléu que parecesse mais escuro e encostei minha cabeça contra a superfície de uma das inúmeras colunas. Observei o céu escarlate e esvaziei minha mente. Fechei minhas pálpebras e concentrei-me em pegar no sono. O céu lançou suas lágrimas tristes contra o monumento fúnebre. Com o auxílio do som da chuva, eu adormeci, porém, não sonhei.

Eu quero sair daqui.

Isso é sufocante.

O pergaminho.

Shhh.

. . .

Acordei num cômodo verde musgo, escuro e poeirento (Ô, raiva. Onde fui parar?). As paredes estavam descascadas e uma luz preguiçosa que atravessava a vidraça quebrada de uma janela era a única fonte de luz. Não podia pressentir odores, mas com a minha vidência humana, posso, COM MUITA RAZÃO, dizer que aquele lugar fedia pra caramba.

Enquanto observava o cômodo, notei algo estranho: havia uma mesa com suas pernas presas contra o teto, de tal forma que eu conseguia ver a parte superior dela. Num canto mofado, um interruptor estava instalado na parte mais alta da parede, onde nenhum humano normal conseguiria alcançar. Olhei para a porta do recinto e ela não estava presa ao chão, mas sim, encaixada na parede alguns centímetros acima do rodapé. Laika (sim, ela me seguiu. Digamos que... aparatou. Definitivamente, não sei) latiu e ela parecia estar... no teto também? COMO ASSIM? MAS QUE MERDA É ESSA? O mundo parecia de cabeça para baixo.

Tudo pareceu muito bizarro, porém, eu (gênio pra caramba) notei que era o único fora do lugar naquele cômodo cheio de... aquilo são pás? Que estranho. Enfim, eu estava deitado NO TETO, ZEUS! NÃO! ALTURA NÃO! Eu possuía tanto medo de altura, que era capaz de sentir calafrios na barriga que um dia eu tivera. Dessa forma, vocês podem ter noção do tamanho da problemática. Droga, droga, droga! Regra número um para casos em que você acorda no teto de seu quarto: quando você percebe a real situação, você CAI.

Obviamente, eu não sofri nenhum ferimento porque eu sou um fantasma (uhul). Parem de reclamar! O que vocês queriam? Eu já estou morto, cacete. Vão se ferrar. Joguei meu cachecol para trás e fui em direção à janela. Laika pulou no meu colo, para que também conseguisse enxergar através da vidraça.

Lápides, lápides e mais lápides. Era um cemitério! Uma névoa bem consistente navega por entre a grama e os túmulos. Flores de todas as cores decoravam aquele lugar. O mais estranho de tudo era uma menina que caminhava por entre os túmulos. Suas roupas eram pretas, suas unhas eram pretas, a maquiagem também era preta... bom, só faltava ela estar pintada com tinta preta. Que ausência de senso de moda. Entretanto, essa garota era do contra e, por isso, ela tinha cabelos vermelhos e usava um chapéu pontudo de festas de aniversário. VERMELHOS PRA CARAMBA. Ela mais parecia um pincel com todo aquele cabelo vermelho e corpo encoberto com vestes pretas. “HAHAHAHAHA. Cof Cof. Desculpa, eu não queria rir”, pensei, enquanto tentava não gargalhar.

Ela vagava entre o labirinto de corpos enterrados, deixando que sua mão percorresse o traço dos nomes grafados nos túmulos de uma forma quase religiosa.

Eu tentava, insanamente, descobrir como poderia ter parado ali (aquilo era Londres? Um cemitério? Mas. Que. Deselegante), entretanto, lembrei-me da minha nova filosofia. Nem tudo precisa de uma resposta. Não desejei sair do Mausoléu de Halicarnasso e descobrir o significado daquele pergaminho? Pronto, eu saí. Assunto encerrado. Passado é passado.

Um pensamento surgiu nas dobras da minha mente, deixando-me sério. Não havia mais tempo para brincadeiras. Se eu quisesse dar algum sentido ao meu pós-morte, eu deveria começar a tomar atitudes especiais. E lá estava meu passaporte para o admirável mundo novo. Laika, inconvenientemente, lambeu minha face. Magra e aleatória!

Não sabem quem era aquela menina? A resposta é óbvia. Duas palavras, um sentimento: Karina Beuregard. Não sei como e nem o porquê de ter afirmado isso naquele momento, entretanto, sinceramente, eu não me importava com suas respostas.

Eu só queria me divertir.

Pretendia balançar os alicerces desse planeta.

Prepare-se, Londres. Não terei pena de vidas mundanas.


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Notas finais do capítulo

Gostaram? Odiaram? Me digam, galeres. Críticas construtivas são muito bem-vindas, sério. Não deixem de comentar. Até o próximo capítulo ;)



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