Silent Hill: Sombras do Passado - Convergentes escrita por EddieJJ


Capítulo 9
Papéis Invertidos


Notas iniciais do capítulo

"Muitas vezes as coisas que me pareceram verdadeiras quando comecei a concebê-las tornaram-se falsas quando quis colocá-las sobre o papel." - René Descartes



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Cinthya e Sebastian corriam o mais rápido possível pelas ruas desertas, porém o ódio ardente que crescia no peito de Reginald após ver o rosto de Cinthya depois de tanto tempo lhe enchera de um furor implacável que o fazia correr sem trégua atrás dela como se tentasse conquistar o prêmio mais valioso do mundo.

– Pare, agente Northwork! Não vamos deixar que escape! Não dessa vez!

– O que está acontecendo aqui?! – Sebastian gritava, confuso.

– Não acho que seja o momento mais apropriado para se explicar isso... Por aqui! – ela o puxou e ambos cortaram caminho por um pequeno terreno baldio.

– Eu mandei parar! – Reginald gritava, ainda atrás dos dois – É muita ousadia sua voltar aqui! Saiba que já mandei pessoas atrás dos seus amiguinhos!

– Eu vim sozinha dessa vez, idiota! – ela gritou.

– Ha! Não espera que eu acredite em você, espera?!

– Você pode fazer o que quiser! – Cinthya olhou em volta e procurou um jeito rápido de despistar seu predador – Sebastian... – ela falou para que só ele pudesse ouvir.

– O quê?

– Quando eu contar até três, vou disparar para o alto e assustá-lo, quero que corra até a porta do sobrado mais próximo e nos trancaremos lá dentro, OK?

– Não! E se a porta não abrir?!

– Arrombe ela! Me ouviu?!

– Mas Cinthya...

– UM!

– Cinthya, espera!

– DOIS!

– Eu...

– TRÊS!!!

Cinthya parou e virou-se bruscamente para Reginald, disparando agressivamente três tiros no ar.

– Evan! Abaixe-se! – ele gritou e ambos jogaram-se no chão, com as mãos na cabeça.

– Hunf, idiotas... – ela guardou a arma e voltou a correr.

– Argh!!! – Reginald estava possesso – Levante, levante!! – gritava para o garoto.

– Cinthya, aqui! – Sebastian acenou de longe, havia achado um dos sobrados abertos, assim como ela pedira.

– Bom trabalho, garoto! – ela lançou-se alpendre acima e entrou dentro do prédio. Sebastian trancou a porta.

– NÃÃÃÃÃOO!! – Reginald gritou, correndo até o prédio e lançando-se contra a porta – ABRA! ABRA! ABRA! ABRA! ABRA! ABRA! ABRA! – ele batia freneticamente na porta com toda força e violência que conseguia expressar.

– Vejo que ainda continua lento, Reginald... – Cinthya comentou lá de dentro, entre risos.

– Sua vadia!!! – ele esmurrava a porta sem dó – Evan!!

– Sim, Mestre.

– Procure outra entrada!

– Não há, esse sobrado, assim como os outros desta parte da zona residencial, tem todas as suas janelas vedadas.

– Não importa! Procure! Tem que haver! – ele batia o cetro no chão a cada frase que falava – Vamos! Procure!

– S...sim...

Evan desceu as escadas do alpendre e deu uma, duas, três voltas na casa e, como havia dito, não havia outra entrada.

– Não há como entrar. – ele reforçou.

– Não! Maldição!

– Mantenha o controle, Mestre. Pensaremos em alguma coisa...

Reginald desceu as escadas do alpendre, impaciente, e foi para o meio da rua, a fim de ter uma melhor percepção da casa e quem sabe, vir a ter uma ideia de como fazê-los sair de lá. Porém nada de especial lhe vinha à cabeça, talvez porque aquele sobrado, como todos os outros daquela rua, não tinha nada de especial: era velho, decadente, podre, portas emperradas e janelas vedadas, sendo diferenciado dos outros por apenas uma única característica, característica essa dada não só a ele, mas a todos os sobrados daquela mesma rua.

Devido ao fato de ser a rua mais à extremidade da zona residencial, aqueles sobrados, em toda sua extensão, estabeleciam contato direto com uma das várias florestas que rodeavam Silent Hill, sendo separados da vegetação silvestre, somente, por uma cerquinha branca insignificante de mais ou menos um metro de altura. Uma vez que a cidade fora abandonada, não só a cerca ou o sobrado foi consumido pelo tempo, mas todos os cuidados para conter o avanço natural da floresta também foram, a qual encheu todas aquelas casas, tanto em seus quintais como em seus interiores, de ervas daninhas e plantas que, não conseguindo se acomodar dentro e fora das construções, secaram e deram ao lugar uma aparência mórbida e triste que se destacava, mesmo naquela cidade.

– Evan... – Reginald sorriu - ... trouxe o isqueiro? – perguntou afagando a ponta de seu cetro.

– Sim... – ele sacou o objeto de uma espécie de bolso da túnica que vestia – mas... o que pretende fazer com ele?

– Menino tolo... – Reginald tentou conter o riso, quase como um maníaco - ... o que vê aí? – ele apontou para casa.

– Eu vejo... um sobrado... velho... eu... eu não sei... – Evan tentava pensar rápido e dar ao pai a resposta que esperava.

– Pois eu vejo... um amontoado de madeira e plantas podres que pegariam fogo assim... – ele estalou os dedos - ... e como você mesmo disse, não há outra entrada... logo... – ele cobrou a conclusão do filho.

– Logo não há outra saída...

– Exato... – Reginald apanhou o item das mãos do filho – Não podemos entrar, não é? – ele disse em voz baixa, deslizando o dedo sobre o interruptor do isqueiro e aproximando-se de um vinhedo seco, ao lado do alpendre, cujos ramos eram longos e se enroscavam na madeira velha que compunha a casa – Então farei vocês saírem.

Já dentro da casa, o som da tempestade causada pela fúria de Reginald aos poucos se acalmara. Sebastian esperava sentado na escada, um tanto assustado, um tanto ansioso, enquanto Cinthya circulava em silêncio, com os braços cruzados, pensativas, em meio aos móveis cobertos da sala principal.

– Não estou ouvindo mais nada... – falou o rapaz, sugerindo que talvez já fosse hora de sair de lá.

– Não ache que a Ordem foi embora e deixou nós dois aqui dentro, sem mais nem menos. No mínimo, estão à espeita, esperando um único deslize e aí... BAM! – ela apoiou-se subitamente no corrimão da escada, assustando Sebastian – Estaremos amarrados de ponta cabeça numa fogueira. – ela sorriu.

– Não faça isso de novo.

– Desculpe, estou apenas tentando melhorar o clima... afinal, ficar trancada numa casa com malucos te caçando não é o melhor dos programas, não é? – Cinthya olhava em todos os cantos da casa, temendo um ataque surpresa.

– Não... não é... Mas já que estamos aqui... Acho que você me deve uma explicação. Como conhece o... o...

– Reginald?

– Sim, o Reginald.

– Bom, lembra quando eu disse que estive por aqui em uma operação policial?

– Naquela que você perdeu seus amigos?

– Sim, obrigado por lembrar. Bom, foi há três anos. Nós viemos aqui atrás da Ordem e... como você sabe, não achamos ninguém...

– Mas você me disse que tinha achado um suposto membro e levado para interrogatório...

Cinthya franziu a testa. Sebastian percebera o significado do sinal.

– Era ele, não era? Era o Reginald? – ele perguntou.

– Sim, era ele. O levamos e o interrogamos mas ele não disse nada. Foi aí que...

– Aí que?

–~-qOp-~-

– Poupe meu tempo! Está claro para mim que você é um deles! – Cinthya falou envolta de autoridade.

– Eu não sei do que você está falando. – Reginald permanecia calmo e frio, sentado, algemado em sua cadeirinha de metal em frente à mesa da sala de interrogações.

– Não sabe? Então acho que possui a justificativa perfeita para estar vagando numa cidade deserta!

– Acha que sou obrigado a justificar algo para você, agente Northwork? – ele perguntou, com um sorriso malicioso no canto rosto.

– Calado! – ela bateu furiosamente em seu rosto – Eu faço as perguntas.

– Hunf... – ele olhou nos olhos dela – Você não me assusta.

– Ah não? Talvez isso te assuste! – ela sacou sua arma e posicionou em frente ao rosto do interrogado.

– Oh... – ele fez uma cara falsa de surpresa – Vai atirar em mim, agente Northwork? Até mesmo eu sei o que você pode ou não fazer...

– Acha que não vou atirar em você?

– Oh, eu com certeza acho que vai. Mas gostaria também de achar alguma coisa sobre como você vai se justificar para seus superiores e salvar sua carreira depois de matar um suspeito, até então inocente.

– Você não é inocente! – ela bateu a arma com força sobre a mesa.

– Com que argumentos faz tamanhas acusações? Estou profundamente ofendido.

– Escute aqui, seu canalha! – Cinthya ajoelhou-se em frente à cadeira – Eu perdi todos os meus melhores homens na droga daquela cidade por culpa do seu pessoal! Como... – ela o olhou com cara e nojo - ... como conseguem matar pessoas com tamanha facilidade apenas para defender crenças idiotas?! Vocês são monstros?!

– Nós somos monstros? E você, agente Northwork? O que é? Não pode ser chamada de monstro também?

– Eu?! Não sou igual a vocês!

– Não? E quanto o seu parceiro, srta. Northwork? O Jeffrey. – os olhos dela arregalaram-se.

– Como sabe dele?

– Você disse que perdeu todos na cidade, mas ele saiu vivo de lá, não foi?

– Cala a boca... – ela falou entre dentes.

– E... não foi você e a sua covardia que o jogaram naquele manicômio?

– Eu mandei...

– Não foi você... – ele a interrompeu - ...que destruiu a carreira dele como um profissional?! Tudo que ele lutou para conseguir aqui em Brahms foi para o ralo por sua culpa!

– Cala a sua boca! – ela começava a levantar seu tom de voz.

– Não foi você que privou uma mulher e crianças de um pai? Consigo imaginar quantos sonhos daquela família não morreram, ao saberem que seu patriarca não está mais em casa para protege-los e sim trancado em uma cela suja, comendo restos e com direito a uma visita semanal! Não foi você que fez isso?!

– CALA A BOCA! – ela esmurrou a mesa, mas era inútil. Reginald não se calava.

– Não foi que o jogou lá dentro para proteger sua imagem e carreira diante de seus superiores, agente Northwork? A carreira que você estupidamente julgava ser tudo que tinha. Não foi você que foi fraca demais para escolhê-lo ao invés de escolher... – ele abriu um largo sorriso - ...defender suas crenças idiotas? Diga! Você o matou, Cinthya Northwork!

– NÃO! – ela acertou-o na cabeça com sua arma, arrancando um pouco de sangue.

Reginald começou a rir.

– Você o matou... pode não ter tirado a vida dele, mas o matou. Você é, sim, igual a nós. É igual a todos nesse mundo podre, onde pisamos uns nos outros por um pouco de crédito ou vantagem. – ele riu mais um pouco e sussurrou, como quem conta um segredo - Acha que monstros não existem? Olhe em volta. Está cercada deles.

Cinthya e Reginald apenas se entreolhavam, em um longo e perturbador silêncio.

– E é isso... – Reginald decidiu pôr as cartas na mesa, revelando-se membro da Ordem - ...que nosso deus irá mudar.

– Então você é mesmo da Ordem...

– Acho que não disse que você já não soubesse, não é mesmo?

– Tudo que é dito nessa sala, mesmo que não seja visto, é gravado. E, embora eu já soubesse, todos aqui sabem agora. Então sugiro que comece falando onde estão seus amiguinhos antes que eu transforme sua vida num inferno...

– Conhece o inferno, agente Northwork? – ele riu – Como sabe como é lá?

Ela ficou em silêncio.

– Conheço bem esse olhar... – ele suspirou - Mas se serve de consolo, ele existe. E tem um lugar guardado esperando por você.

Cinthya ignorou o que foi dito, tentando manter sob controle a enorme ira que crescia dentro dela como uma bomba, prestes a explodir

– Vou mandar novamente: - ela respirou fundo, contendo-se - Onde está a Ordem?

– E eu vou mandar novamente: não sou obrigado a dizer.

– Você não me deixa escolha... – Cinthya estava completamente tomada de ódio por dentro, embora soubesse muito bem disfarçar. Ela sacou uma pequena faca da bota que usava e apontou para Reginald.

– Mais ameaças? – zombou.

Cinthya não disse nada. Apenas dirigiu a um pequeno aparelhinho no canto da porta e puxou fora seus fios.

– Era o gravador. Assim ninguém vai poder ouvir você gritar. – ela dirigiu-se até Reginald friamente e fincou a ponta faca no topo de sua testa, fazendo um fino filete de sangue correr sobre sua face. Ele, algemado, nada pôde fazer se não gritar e bater desesperadamente os pés contra o chão – E agora vai dizer?

– N... nun... nunca.... – Cinthya desceu a faca até o centro da testa do homem, abrindo um corte violento e enchendo seu rosto com muito sangue – AARGHH!!! – ele batia os pés com cada vez mais força e tentava recuar o rosto, sem sucesso.

– E agora?

– Não! AARGH!!!! – ela desceu a faca até a sobrancelha, pouco acima do olho. A boca de Reginald estava cheia do sangue corrente e ele mal podia falar.

–~-dOb-~-

– Eu sabia que agressão era contra as regras, mas fiz mesmo assim. Achei que ele confessaria quando eu chegasse no olho mas... ele era bem durão, cedendo apenas quando a faca chegou ao centro da sua bochecha.

– E aí ele confessou? – Sebastian perguntou.

– Fez uma confissão, sim. Mas era falsa. O desgraçado nos enganou! Ele se aproveitou da nossa vinda à Silent Hill para averiguar se o que havia sido dito era verdade e então deu um jeito de fugir. Depois disso nunca mais vi o Reginald, bom, até agora... A propósito... – ela deu duas longas fungadas no ar - ... está sentindo esse cheiro?

– Sim... parece... – Sebastian parou de falar ao mesmo tempo que seus olhos pareciam focar em algo realmente assustador – Cinthya... – ele se levantou da escada e recuou dois degraus acima – Cinthya, fogo!

Cinthya olhou para trás e também recuou. Ao longo de toda a parede da sala, chamas se erguiam e consumiam o sobrado, alastrando-se com uma velocidade assustadora e tragando-o com um furor implacável.

– Temos que sair! – ele correu até a porta mas seu braço foi agarrado por ela.

– Não!

– Como não?! Eles estão incendiando a casa!

– Mas com certeza estão esperando a gente sair.

– Então vamos sair por outro lugar! – Sebastian pôs-se corredor a dentro, rumo à cozinha.

– Droga... eles já colocaram fogo aqui também! – as paredes da cozinha também apresentavam violentas chamas espalhadas em todos os cantos, corroendo a madeira velha. Reginald, por sua vez, do lado de fora, punha fogo em cada planta ou madeira seca que tivesse contato com a casa – Temos que achar outra saída! – ele voltou correndo pelo corredor.

– Sebastian! Se houvesse outra entrada eles já teriam entrado. Não estariam tocando fogo no lugar. Querem nos obrigar a sair, você não entende?

Uma espessa nuvem de fumaça escura começava a se formar no andar térreo.

– Quer dizer que estamos trancados aqui?

– Pelo visto sim...

– Cinthya, não temos escolha, temos que sair ou morreremos queimados ou... ou... ou sufocados!

– Não iremos fazer o que eles querem, OK? Vamos dar um jeito, somos mais espertos.

– Ainda estão vivos? – pôde-se ouvir o grito pejorativo de Reginald vindo da lateral da casa.

– SIM! – Cinthya gritou de volta – E pretendemos continuar desse jeito. Sebastian... – falou para o rapaz - ...vamos para o primeiro andar!

O fogo havia tomado as paredes por completo e agora consumia o piso gradativamente, cercando os dois e enchendo o andar com um calor excessivamente ardente, calor esse que poderia queimar ambos vivos sem que nem precisassem tocar às labaredas. Se não saíssem dali, seriam torrados com certeza, mas, uma vez que que sair não era uma opção, o primeiro andar se mostrou a melhor alternativa. Cinthya e Sebastian correram e subiram as escadas que, já fraca pelo tempo e corroída pelo fogo, desabou pedaço por pedaço pouco depois.

– Por aqui! – Cinthya abanava a fumaça com os braços em frente ao rosto enquanto atravessava o calor escaldante do corredor até o quarto mais ao fim deste. – Vamos entre! – ela puxou o rapaz para dentro e trancou a porta – Talvez isso segura o fogo e a fumaça até que eu pense em alguma coisa.

– Vocês se arrependerão de terem cruzado com a Ordem! – outro grito foi ouvido.

– Se esse for o problema, eu já me arrependo! – Cinthya respondeu, aproximando sua boca das frestas da janela para ser escutada com o máximo de clareza.

As chamas, já no corredor do andar de cima, cada vez mais fortes, consumiam sem piedade a madeira enegrecida do sobrado com um furor implacável e enchiam seu interior com uma fumaça densa e escura, quase palpável, que sufocava mais e mais os dois dentro da casa. A situação estava, quase que literalmente, preta.

– Acho que já podem sair daí! Não há nenhuma escapatória! - gritou Reginald, gargalhando, sem nem ao menos ter certeza se estava sendo ouvido - Ou podem ser queimados vivos se quiserem! Usarei vocês como um sacrifício a Samael! - ele apontou seu cetro para cima.

Evan, trêmulo e horrorizado testemunhando (assim como fazia desde criança) a fúria do culto, apenas assistia tudo aquilo. Via passivamente os pedaços do sobrado desabarem em chamas enquanto as fagulhas refletiam seu brilho nas lágrimas que ele continha, totalmente impotente contra as atitudes da Ordem; mais especificamente, de Reginald. Sua vontade era clara e ardia em seu peito: dar um jeito de acabar com tudo aquilo e tirar os dois inocentes com vida do lugar, porém sabia que podia pagar com a sua vida caso fosse descoberto ou pego em traição e seu medo era infinitamente maior que sua coragem. A Ordem era cruel e fria, tal crueldade e frieza também percorriam as veias de seu pai, e ele sabia disso. Já havia deixado Sebastian escapar uma vez e, em sua concepção, não devia correr um novo risco quando foi burrice do rapaz continuar ali mesmo tendo sido mandado embora.

– Eu... eu não consigo respirar... - Sebastian tentava poupar oxigênio em seus pulmões pressionando a manga do seu sobretudo contra o nariz e a boca.

– Eu também não! Malditos... - Cinthya olhou pelas brechas da janela vedada e viu o Mestre encapuzado rindo dos dois em frente à casa em chamas.

A porta do quarto já não suportara o calor e sucumbira, o refúgio temporário estava desfeito. O fogo agora já havia entrado no cômodo consumindo o que se pusesse em seu caminho: paredes, móveis, e qualquer outra coisa.

– Precisamos sair daqui! - Cinthya gritou entre repetidas tosses, tentando controlar o fogo com um dos lençóis brancos que cobriam os móveis.

Não dá! As escadas desabaram e as janelas... - ele disse jogando todo o seu corpo contra as tábuas que as vedavam - não... ABREM!

– Não! Tem de haver... haver outro jeito... Me recuso a morrer aqui dentro por causa... deles!

– E acha que vai sair daqui só porque quer muito isso?

Ela puxou o rapaz pela gola da camisa para perto de si e o falou, olhando em olhos, com um certo tom furioso.

– Eu quero e VOU sair daqui! E ajuda é bem melhor que críticas ou sarcasmos, então tente alguma coisa!

– Mas não temos escolha! - Sebastian a empurrou para trás. Ele estava muito fraco, e embora quisesse, de verdade, ajudá-la, não conseguia ver opções. Havia inalado muita fumaça e seus olhos ardiam, não tinha lhe restado muito mais força ou ânimo - ... não tem saída...

Cinthya tentava ao máximo manter a si mesma sob controle, no entanto, o ardor das chamas inflamando a casa e a visão de Sebastian desfalecendo pouco a pouco faziam-na ceder ao medo de, realmente, não haver escapatória.

– Sim, há sim! - exclamou, num tom determinado e esperançoso, após atentar para um pedaço de madeira que caiu do teto, já fragilizado pelo fogo, em frente aos seus pés.

– O que está dizendo?

– Não temos portas ou janelas, é verdade. - ela correu até o outro lado do cômodo - Então faremos a nossa saída! - Cinthya agarrou um velho mancebo de madeira, de mais ou menos dois metros de altura, que vira no canto e, aproveitando-se do enfraquecimento da estrutura da casa devido ao fogo, golpeou violentamente o teto, que, estrondosamente, desabou em poucos pedaços.

– Deve ser o suficiente, iremos sair por ali!

Sebastian, que se ajoelhara devido à fraqueza, levantou-se com dificuldade.

– Vamos Sebastian! - ela gritou.

– Você primeiro! - ele agachou-se e posicionou-se a fim de servir de apoio para que Cinthya subisse.

Ela, por sua vez, debruçou-se sobre o telhado e estendeu suas mãos para dentro da casa.

– Agarre minha mão!

Sebastian estendeu sua mão até a mão de Cinthya, porém antes que pudesse agarrá-la, todo o piso do quarto, já queimado e amolecido, desabou completamente debaixo dos seus pés. Ele gritou, enquanto via, como num filme em câmera lenta, a mão de Cinthya, representando sua única esperança, afastar-se gradativamente da sua, à medida que ele afundava em um mar de destroços em direção ao fim.

– Não!! – Cinthya berrou do teto.

Sebastian gritou dolorosamente ao cair de costas sobre o balcão metálico e ardente da cozinha, tendo uma de suas pernas perfurada por uma estaca fina e dura que cairá do teto logo abaixo dele.

– Parece que pescamos um peixe... - disse Reginald, deliciando-se sem discrição no grito agonizante do rapaz.

Evan, porém, o grito não trouxe mais nada que medo e uma regurgitação agressiva.

– O que está esperando? Veio do outro lado. - ele referia-se à cozinha, que ficava na parte mais posterior da casa - Vá e veja se ainda precisamos nos preocupar com ele.

– Sim... Me... Mestre. - Evan temia pelo estado do rapaz, mas ainda sem escolha, obedeceu, dando a volta no quintal.

Já dentro da casa, Sebastian rolou até cair no chão (não que estivesse muito menos quente que o balcão) e arrancou à estaca da sua perna, fazendo jorrar muito sangue.

– Cinthya!! - ele gritou, tentando enxerga-la em meio a fumaça - Cinthya, socorro.

– Sebastian!

– Eu estou ferido! - ele levantou-se com dificuldade - Você tem que me tirar daqui! - Sebastian tentava ao máximo que podia não ser queimado ou sufocado naquele inferno em que o andar térreo se tornara.

– Não consigo alcançar você daqui! - ela pensou um pouco - O... o... mancebo! Use-o!

Sebastian agarrou o objeto, que caíra próximo a ele após a queda, e tentou fazer Cinthya alcançar a outra ponta estendendo-o para cima, mas a distância entre os dois era muito grande.

– Não consigo alcançar, não é alto o suficiente. Tente outra coisa.

– Consegue sim! Vamos! - ele esticava-se o máximo que conseguia; ela também.

– Sebastian! Não dá! Você vai ter que tentar subir se quiser sair por aqui!

– Não tem como... - ele tossiu - ... não tem como subir!

– Você tem que dar um jeito!

– MAS NÃO TEM JEITO NENHUM! - ele gritou, em uma mistura de pânico e fúria.

Cinthya olhava em silêncio para o rapaz, que àquela altura, do teto, parecia apenas um borrão por causa da grande quantidade de fumaça.

– Tem razão. - ela pôs- se de pé sobre o teto - Não tem mesmo jeito nenhum...

– O que... o que você está fazendo? - ele pedia aos céus que ela não fizesse o que ele achava que iria ser feito.

– Desculpe garoto...

– Cinthya... Cinthya, não! – Sebastian pulava e clamava cada vez mais desesperado, como se esperasse agarrar a mão dela dali.

– Já perdi tempo demais.

– Você não pode me deixar aqui! Cinthya!

– Espero que você fique bem, espero mesmo... - ela sacou sua arma e a jogou para Sebastian - Que isso seja de ajuda para você. Queria poder fazer mais, de verdade, mas é tudo que eu posso fazer agora.

– Cinthya! Me escuta...

– Por favor, me perdoe. - ela desapareceu na fumaça.

– CINTHYAAAAAAAAAA!!!!! - não houve resposta.

Sebastian se viu sozinho e desamparado. Sabia que Cinthya era capaz de fazer esse tipo de coisa, afinal, o fizera com seu parceiro e amigo em Brahms, porque não o faria com ele? Mas em seu coração queria acreditar que ela não era assim tão egoísta e que até tivesse aprendido com seu primeiro erro. Obviamente estava errado, e agora pagaria com a vida por esse erro.

As chamas o haviam cercado completamente e seus pulmões já estavam gastos. Mas apesar de sua situação, seus pensamentos e preocupações focavam-se em duas pessoas: Emma, sua mais nova amiga, e a tal garota misteriosa, por quem sentia algo, um tanto que... especial, embora a conhecesse muito pouco. De certa forma Sebastian se sentia responsável pelas duas, não por ser o homem do time, mas porque sempre fizera questão do bem estar daqueles de quem gostava, e isso era o que mais lhe doía frente à morte iminente por fogo dentro da casa.

Porém não demorou até que o seu socorro chegasse. Enquanto Sebastian se preocupava em escapar da morte ou até nas consequências dela e ocupava suas últimas hemoglobinas com oxigênio, Evan o havia visto pelas brechas da janela vedada da cozinha ao obedecer a ordem do pai e, achando-o vivo, tivera uma ideia para tirá-lo daquela enrascada... de novo.

– Arrrrrrrgh! - uma interjeição de esforço, seguido de uma grande pancada derrubou um pedaço da parede.

– O... o quê? - Sebastian olhou com dificuldade através das chamas a origem do som.

Uma nova pancada foi dada e o buraco aumentou de tamanho, o suficiente para que alguém entrasse... ou saísse: era Evan, com um pedaço grande e largo, aparentemente pesado de madeira, talvez caído da casa. O garoto adentrou à cozinha e atravessou as chamas com bravura e avidez.

– Você... - Sebastian reconheceu-o - ...o que está fazendo?

– Salvando sua vida. - Evan pôs o braço de Sebastian sobre seu pescoço, e ajudou-o a atravessar de volta, passando-o pelo buraco na parede.

Já fora da casa, Sebastian caiu no chão ofegante, tentando absorver o máximo de oxigênio possível em seus pulmões através de longas respirações. Quem diria que sua vida seria salva por um suposto vilão quando foi abandonado por um suposto aliado?

– Quem é você...? - ele indagou, recuperando aos poucos o fôlego e a força que perdera dentro da casa.

– Quem sou eu, não importa! - ele apagava as fagulhas acesas que ameaçavam queimar suas roupas.

– Sim, importa. Preciso saber ao menos seu nome...

– Evan Harris... - ele respondeu, hesitante, ainda focado em apagar as fagulhas.

– Sebastian Baker... - ainda tossiu algumas vezes ao se apresentar - Obrigado Evan... pela segunda vez. - agradeceu, levantando-se.

– Onde está sua amiga? - ele perguntou, olhando de volta para dentro da casa pelo buraco que fizera.

– Ela... - já fora de risco, Sebastian foi tomado de uma grande aversão à Cinthya. Ela, de quem se esperava socorro, o abandonou par morrer, e Evan, seu suposto inimigo, foi aquele que salvou sua vida. E daí que ela lhe deixara sua arma?O que ele iria fazer? Criar uma saída à balas? Atirar contra o fogo? Cinthya havia se mostrado alguém seriamente instável. Ele não pretendia perdoá-la. - ... me largou aqui.

– Evan?! O que aconteceu? - ambos ouviram o grito de Reginald, que, do outro lado da casa, gritara esperando uma resposta do filho sobre a situação.

– Não me agradeça ainda. - Evan tirou uma pequena bolsa de sua capa e a abriu, retirando dois pequenos objetos, os quais entregou a Sebastian.

Eram espécies de dardos, ambos de madeira e com pontas afiadíssimas, meladas de uma espécie de gel seco, de cor verde escura.

– Acerte-o. - ele sussurrou - Eu o peguei!! - Evan gritou para o seu pai, no outro lado, e lançou-se no pescoço de Sebastian por trás, simulando um sufocamento.

– O que você está fazendo? - Sebastian tentava se livrar do garoto, confuso com a situação.

– Só atue!

– Evan! - Reginald apareceu às pressas e flagrou a "luta" entre os dois - Você o pegou! - ele correu para ajudar.

O garoto, em sua deixa, simulou ter levado um golpe na barriga e caiu de joelhos, liberando Sebastian.

– Cuidado papai! Ele roubou meus dardos. - advertiu.

Reginald porém não hesitou em erguer seu cetro e tentar desferir um golpe sobre a cabeça de Sebastian. No entanto, o rapaz foi mais rápido e perfurou o braço do Mestre, através da manga, com o dardo.

– Aaarrrgh!!!! - grunhiu de dor, arrancando o objeto encharcado de sangue e arremessando-o no chão.

– Você não vai escapar, herege! - Evan se lançou novamente sobre Sebastian, para prosseguir com a performance.

– Não....o... não o deixe... - Reginald se mostrava claramente tonto e desorientado - Pegue-o... Evan... - ele ainda tentou avançar sobre os dois, porém o gel do dardo já havia surtido efeito e o fez cair duro no chão.

Evan imediatamente largou Sebastian.

– Eu... eu o matei?!

– Não... - ele retirou com cuidado o dardo do ombro do pai - Esse gel possui propriedades soníferas que são ativadas quando entram em contato com a corrente sanguínea, funciona como uma anestesia geral, ele só vai dormir por uma ou duas horas.

– Ah... - Sebastian estava aliviado por não ter tirado uma vida - Isso é bom.

– Não, isso é péssimo!

– Péssimo? Mas por que motivo? Quer seu pai morto?

Evan relutou, como se não soubesse que resposta dar, e de fato não sabia. Nunca fora bem tratado pelo seu pai ou pela sua irmã, e isso desde pequenos, quando eram educados para serem os Guardiões da Doutrina e dos Ritos, para acompanhar Claudia Wolf, a Mestra da Ordem antes de Reginald. Mas sua paciência e sua compreensão diante do fanatismo ancestral de sua família, com exceção de sua mãe que, assim como ele, era contra as atitudes da Ordem, preservaram um pouco de amor dentro do rapaz.

– Eu não o quero morto... não quero ninguém morto... mas é que...

– É que...

– É que ele vai acordar e ver que deixei você escapar de novo! E aí vai... - ele parou de falar, como se receasse dizer alguma coisa.

– Vai...

– Vai isso! - Evan arregaçou as mangas e mostrou seus braços repletos de cicatrizes, entre elas a mais nova, feita quando o deixara escapar nos esgotos.

– O que... quem fez isso?! - Sebastian estava horrorizado.

– A Ordem... - Evan decidiu ser mais especifico - Foi ele... meu pai...

– Mas por quê?!

– Para me lembrar de cada falha cometida contra a Ordem e contra deus.

– Eu não entendo... que tipo de pai faz isso com seu filho?

Evan riu amargamente.

– Laços de sangue não são mais valorizados que a fidelidade a doutrina aqui... E a culpa é sua!

– Minha?!

– Sim! Sua! IDIOTA! Idiota! - Evan repetia essas palavras sem parar enquanto golpeava o peito de Sebastian.

– Ei, calma aí! - Sebastian o empurrou.

NÃO! Se você tivesse ido embora quando mandei...

– Eu não posso ir embora! Preciso achar algumas pessoas antes de ir!

– Quem?

– Duas amigas.

– Só o que faltava! Mais gente! Vieram com você?

– Uma sim. - Sebastian referia-se a Emma - A outra estava aqui quando chegamos, mas não sei nada sobre ela. Fica sempre dizendo não lembrar de nada e...

Evan engoliu seco, sua corrente aumentou e seu coração bateu mais rápido ao ouvir as palavras sobre a segunda garota.

– Fique longe dela. - ele interrompeu, falando como se dissesse algo extraordinariamente importante.

– Longe dela? Mas...

– Fique longe dela! - Evan agarrou Sebastian pelo braço e olhou fundo em seus olhos - Fique longe dela! - ele silabou. Nessa hora seus rostos já estavam há centímetro de distância - Você não pode tira-la daqui. Se a Ordem a vir com você... vão garantir que nem suas cinzas sejam encontradas.

Sebastian estava profundamente assustado.

– Você não sabe no que está se metendo. - ele continuou- Além de já ter problemas demais. Apenas ache sua amiga e SAIA DESSA CIDADE!

– Si...sim... - Sebastian não sabia como reagir diante daquelas informações e então só assentia balançando a cabeça.

– E quanto a ela, sua amiga... - Evan suspirou - ...a Ordem achou uma menina estranha numa casa aqui perto, há grandes chances de serem a mesma pessoa. - Evan apontou para a rua referida.

– Eu... eu irei conferir. Obrigado, Evan.

– Mas tenha cuidado, ela ficou aos cuidados de Emilly, minha irmã, e de Otto, um seguidor da Ordem. Peça ao seu deus para que ela esteja bem, ou pelo menos viva, e seja cauteloso.

Sebastian novamente só assentiu e saiu correndo em direção à rua indicada.

– Muito cuidado... - Evan observava Sebastian desaparecer na névoa - Tenha muito cuidado. - ele sacou o segundo dardo e furou a própria mão (a fim de não levantar suspeitas ao pai quando este acordasse), caindo desacordado no chão.


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Notas finais do capítulo

Cinthya e Sebastian abrigaram-se da perseguição dentro de um sobrado nas proximidades, onde foi revelado um pouco sobre a passada relação entre Cinthya e Reginald. Porém, antes que mais alguma coisa pudesse ser dita ou feita, Reginald e Evan incendeiam o sobrado, a fim de forçar os dois a sair. Numa tentativa falha de escape, Cinthya abandona Sebastian lá dentro e Evan, contra a vontade de seu pai, o salva, e diz em que direção deve continuar para encontrar Emma.



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