Silent Hill: Sombras do Passado - Convergentes escrita por EddieJJ


Capítulo 8
Um Velho Amigo


Notas iniciais do capítulo

"Reencontros não são sempre tão agradáveis..."

OBS.: Desculpem a todos os leitores o tempo sem posts novos, mas como costumo dizer, não pretendo parar a FIC então, ânimo! Era fim de ano letivo na minha escola e por isso estava um pouco (e quando digo pouco, quero dizer MUITO) escravizado. Mas agora estou de férias, preparem-se para posts "aloucados".



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– E então, onde ela está? Ela deu alguma informação? – Cinthya permanecia, mesmo que involuntariamente, demonstrando seu súbito interesse em Emma, porém Sebastian continuava distraído com as calmas águas do lago nebuloso, desapercebido.

– Eu não sei... – ele suspirou, sem desviar o olhar - ...ela deveria ter vindo pra cá. É o que o bilhete diz, certo? Além disso, o parque é do outro lado do lago, então ela deve tê-lo atravessado.

– Mas a ponte está erguida...

– É um lago muito bonito... – ele não estava dando muita atenção às objeções da mulher – Ao contrário de tudo aqui, em Silent Hill, ele transmite calma. É estranho? Você não sente isso?

– O que eu sinto ou deixo de sentir não é importante! – o rapaz continuou distraído – Você não me ouviu dizer que a ponte está erguida?

– Ouvi... ouvi... – ele suspirou e voltou-se para ela - Então vou descê-la. - falou, olhando para um pequeno prédio de concreto à beira da ponte – Ali deve ser a cabine de controle, dá para me virar por lá. – Sebastian voltou-se para ela e novamente agradeceu toda a ajuda recebida - Obrigado de novo, Cinthya, por tudo. - ele apertou a sua mão novamente e foi em direção ao prédio, preparado pra prosseguir, agora novamente sozinho, seu caminho na cidade.

Cinthya, no entanto, contrariando todas as expectativas do rapaz, o seguiu discretamente, e então aí, só aí, ele percebeu que algo estava... no melhor dos termos, errado. “Ela estava tão desesperada para se livrar da responsabilidade sobre mim e seguir com seus negócios, o que ela quer agora?”, ele pensava, no mínimo, curioso.

– Ainda está atrás de mim? – perguntou sem ser rude, mas também sem cerimônias.

– Nossa, desculpe! - a mulher levantou os braços, como se rendida - Não sabia que a rua pertencia a você. – era íncrivel a forma com que Cinthya conseguia usar as palavras para direcionar a culpa à Sebastian, e ainda mais: o fazia sentir verdadeiramente culpado. Naquele momento, ele se sentia o mais indelicado dos seres.

– Não... não é isso. É só que... você parecia tão ansiosa para se livrar de mim que eu pensei que...

Cinthya não o deixou terminar.

– Eu também preciso cruzar a ponte. – ela falou à queima-roupa, o que levantou algumas suspeitas em Sebastian, afinal, ela sabia que ele iria cruzar a ponte bem antes de chegarem ali e ainda assim afirmou que ambos iam se separar... e agora, comportava-se como se ainda tivessem um longo caminho juntos.

– Então... - as dúvidas o fizeram cerrar os olhos e encará-la de cima a baixo, sem o menor jeito - ...porque não vem comigo até a cabine? – perguntou, aceitando toda a situação com um pouco de receio, pois no mais, suspeita ou não, Cinthya havia demonstrado até aquele momento ser alguém em que se pudesse confiar e, independente do que ela estivesse tramando, sua companhia era melhor do que vagar sozinho pelas ruas desertas de Silent Hill.

– É.... pode ser.... - respondeu, tentando preservar sua habitual indiferença.

Ambos dirigiram-se até a cabine de controle um pouco mais a frente. Tratava-se de um pequeno prédio de concreto, quase do tamanho de uma sala mediana, construído perto de onde a ponte começava, do qual partiam uma série de cabos e tubos que percorriam a ponte por baixo e chegavam a um grande sistema de engrenagens cobertos por placas de metal.

Ao entrarem, nada acharam, exceto uma enorme quantidade de quinquilharias descartadas e um grande painel de controle, repleto de alavancas e botões, acompanhado de uma cadeira caída.

– É um modelo antigo... – Cinthya afirmou de cara, passando a mão sobre o painel – Muito, muito antigo.

– Como sabe disso?

– Hunf... só uma ponte levadiça construída há pelo menos trinta anos usaria algo assim, as mais atuais não usam mais esse tipo de equipamento... – ela suspirou – Realmente faz muito tempo que não há ninguém aqui.

– Não sabia que era uma expert em pontes.

– Não sou. Apenas conheço um pouco de algumas coisas... nada demais.

– Sabe como operar? Seria bem útil.

– Não... mas não será necessário muito esforço. Eles geralmente deixam os comandos claramente explicados já gravados na máquina para que qualquer idiota possa operar em casos de emergência. - ela agachou-se e procurou, na base da máquina, o compartimento de acesso à fiação do equipamento e o abriu. De fato havia, como dito, gravados na parte de dentro da porta do compartimento, todas as orientações detalhadamente explicadas – Viu? Nada mais simples.

Ela lia as instruções quando Sebastian perguntou.

– E a chave? Eles também deixam por aí para qualquer idiota pegar?

– O quê? – Cinthya levantou-se e olhou para onde Sebastian estava indicando.

– A chave... – o rapaz observava um pequeno orifício em forma de “X” no painel – Posso não ser um expert, mas posso afirmar que podemos apertar quantos botões quisermos, mas não vamos a lugar nenhum se não ligarmos a máquina com a chave.

– Droga! – Cinthya pensou um pouco, indignada com a maneira como tudo ali parecia dar errado – Então a Emma não passou por essa ponte. – concluiu, falando com uma certeza irrevogável.

– Como tem tanta certeza?

– Sem a chave a ponte é desativada e volta à sua posição inicial, ou seja, erguida...

– E... – ele cobrou a conclusão da ideia.

– ...e que se ela está erguida agora, Emma não pode ter passado, uma vez que o único jeito de manter a ponte abaixada é mantendo a chave conectada a este painel.

Houve um curto tempo de silêncio.

– Emma... Emma... – Sebastian suspirou, desapontado. Puxou a cadeira caída e sentou-se, pondo o rosto entre as mãos – Porque sempre que chegamos tão perto... você dá um jeito de sumir!? - ele baixou a cabeça e permaneceu em silêncio, por vários instantes.

Cinthya apenas o olhava, com um pouco de pena, mas com certo incômodo pela desitência iminente.

– O que pretende fazer agora? - perguntou.

– Eu?! – ele riu, não de ironia ou de amargura, mas porque realmente começara a achar graça daquele jogo de gato e rato que jogava com Emma desde que se separaram – Eu, sinceramente, não sei.

– Ah... vamos! – a mulher o puxou da cadeira pela mão e o pôs de pé – Não vai parar agora! Ela deve... deve... ter ido atrás da chave. Ela precisa atravessar, correto?

– Correto... - falou arrastando a voz.

– Porque não fazemos o mesmo?

Ele riu.

– Qual a graça?

– Quer mesmo procurar uma chave minúscula dentro de uma cidade? Nem temos garantia de que exista mesmo essa chave, Cinthya!

– Quem disse que temos que procurar na cidade toda? Vai ver ela está aqui nessa cabine e nós nem sabemos! – ela olhou em volta – Só precisamos procurar.

– Fique à vontade... - ele fez um gesto desinteressado com a mão para que ela continuasse com, seja lá qual fosse, sua ideia para encontrar a suposta chave.

Cinthya, na verdade, não esperava encontrar tal objeto por ali e não estava muito mais disposta que Sebastian, nem ela mesma tinha ideia do que fazer ou para onde ir, mas precisava encorajar o rapaz, que se mostrava seriamente desanimado. Foi então que, sem muito o que fazer, ela dirigiu-se a um pequeno armarinho de plástico anexado à parede, um pouco antes do painel, e o abriu, pois afinal de contas, deveria começar por algum lugar. Porém, para sua agradável surpresa, dele caíram uma grande quantidade de papéis, todos dobrados no meio duas vezes, como se fossem pequenas cartinhas.

– Achou alguma coisa? – Sebastian aproximou-se.

– Eu não sei... – disse, tirando seus pés de dentro do montinho de papéis.

Sebastian pegou um dos vários papeizinhos do chão e abriu-o. Dizia:

“Ao John Humphrey, o novo encarregado da ponte levadiça,

Bom, John, antes de tudo quero informar a você que é uma grande responsabilidade ser o supervisor da ponte de Silent Hill. Com exceção de uma distante estrada precária de barro que cruza a floresta e de uma ponte mais rústica do outro lado da cidade (que quase já não é usada), esta é a única via terrestre que cruza o Lago Toluca. Por tal motivo, torna-se imprescindível que você compareça sempre nos horários corretos e garanta a passagem de nossos cidadãos. Seus dias de supervisão já foram informados, porém você deverá pegar a chave operante da ponte na casa do Phil (seu colega), ele mora na Holloway Street Nº 13, na zona residencial da cidade, nada mais que alguns minutos daí. Seja breve. Ele lhe dará mais detalhes.

Atenciosamente, Jenna Sherman”

– É uma carta.... – ele sorriu - ... e é sobre a ponte!

Cinthya agachou-se e apanhou uma porção dos papéis com as mãos.

– Todas são sobre essa ponte... e são todas da mesma pessoa: De Jenna para John.... De Jenna para John... De Jenna para John... – ela lia uma a uma e as jogava para trás, caçoando da remetente das cartas – Pobre, Jenna... Acho que ela não sabe que homens odeiam mulheres grudentas.

– Haha! Que divertida essa sua piada. – ironizou o rapaz.

– Arghh... É nisso que dá tentar ser mais “engraçada”! – estava decepcionada pela crítica de Sebastian, que há pouco tempo havia pedido para que ela mostrasse mais senso de humor.

– Estava tentando ser engraçada? Desculpe, você é péssima nisso. – ele deu de ombros, sorrindo.

– Eu poderia dar um tiro em você agora.

– Tá, tá... Agora vamos ao que interessa: segundo o que diz ele, o John, seria o novo operador da ponte. E essa tal Jenna queria que ele fosse buscar a chave na zona residencial da cidade! Nesse endereço: Holloway Street, Nº 13. – ele mostrou o endereço no papel.

– E acho que... – ela olhava a quantidade de recados deixado – ...ele nunca veio trabalhar. Que vagal. – Cinthya novamente sacou seu pequeno aparelho do bolso – Silent Hill, Holloway Street.

– Procurando... procurando.... Ponto Localizado! – disse o aparelho.

– Marcar rota mais próxima! – Sebastian gritou rápido, antes mesmo que Cinthya pudesse abrir a boca.

– Analisando possíveis rotas! – o aparelho emitiu alguns sons – Montando... Montando... Confecção de rota completa.

– Eu ainda ia fazer isso! – ele vibrou, feliz pela conquista.

– Hunf!

Ela nada disse, apenas deu as costas ao rapaz, com certo charme pode-se dizer, e saiu da cabine, indo na direção indicada pelo aparelho.

– Espera. - Sebastian estendeu a mão.

– Sim?

– A... a Ordem. - naquele momento, o rapaz lembrou de algo importante, algo que o meteu um pouco de medo.

– O que tem a Ordem?

– Não disseram que estavam indo para a zona residencial?

– Sim... disseram... - Cinthya suspirou. Também havia ficado um pouco apreensiva após a notícia.

– E também estamos indo para lá?! Achei que devíamos correr deles e não atrás deles.

– Precisamos da chave, não é?

– Precisamos mas...

– E temos que ir atrás dela, não é?

– Sim....

– E você precisa encontrar sua amiga, não é?

Sebastian não respondeu, não de imediato. Naquele momento parecia pensativo, como se ligasse aqueles pontinnhos dos desenhos de livros infantis a fim de formar uma figura final.

– Emma... - ele sussurrou, gélido.

– Sim... a Emma...

– Não... não, não...

– Não?

– Não está entendendo Cinthya?! E se ela foi atrás da chave na zona residencial?! - ele perguntava com clara preocupação na voz - Ah, droga. Droga. Droga. Ela pode estar em sério perigo! - o desespero o estava fazendo andar em círculos com as mãos na cabeça.

– Eu, realmente, não quero piorar a situação, mas se ela está no caminho da Ordem, "sério perigo" seria o termo mais leve de se usar.

– Eu... eu sei... ah, meu Deus...

– Se sabe disso, então sabe que estamos perdendo tempo aqui enquanto você dá chilique.

– Tem razão, preciso me acalmar. - ele respirou fundo e tentou manter seus pensamentos sob controle. - Mas... mas precisamos ser rápidos.

– Seremos rápidos. - ela continuou na direção indicada, porém ele permaneceu parado, ainda pensativo - Você vem?

Sebastian fez uma expressão como quem volta subitamente à realidade.

– Sim! Eu... vou.


–~-oOo-~-

Àquela altura, o esquadrão da Ordem visto por Sebastian e Cinthya já havia chegado na zona residencial e começado a habitual procura. Reginald, totalmente determinado em achar a Mãe, dava ordens e mais ordens para que fossem reviradas todas as casas daquela parte da cidade. Porém, o esforço parecia inútil. Cada casa vasculhada, cada cômodo revirado, cada movimento feito cobrava um esforço de todos do qual não tiravam nenhum proveito ou recompensa.

– Ânimo! - ele gritou, batendo seu cetro de ponta piramidal no chão ao ver sinais de fraqueza - Não estamos nem perto de terminar!

– Sim, meu lorde! - todos assentiram.

Embora estivessem todos esforçando-se o máximo possível, o cansaço era inevitável e estava claramente à mostra, até mesmo em Reginald; a zona residencial era um dos maiores bairros da cidade, não só em tamanho geográfico, mas em número de edifícios também. Quando comparada às cidades dos arredores, Silent Hill não mostrava ser um lugar tão desenvolvido, principalmente pelo fato de estar há muito tempo já abandondada. Por isso, a presença de moradias era bem maior que a de comércios e semelhantes, e grande parte dessas moradias concentravam-se na zona residencial, fazendo desta a busca a mais desafiadora até o momento.

Os dois homens que acompanhavam Evan, Emilly e Reginald, Monroe e Otto, arrombaram a porta de mais um sobrado e todos entraram.

– Monroe, Otto. Encarreguem-se do térreo. Evan, Emilly, andar de cima. Eu irei ao porão. Revirem tudo, olhem dentro das paredes se for necessário. - foram as ordens do Mestre – E não se esqueçam, sejam rápidos! É só uma questão de tempo até que anoiteça e tenhamos que voltar à Catedral, e assim, mais um dia terá se passado sem que tenhamos resultado nenhum.

– Sim, meu lorde! - todos curvaram-se com a mão no peito em sinal de obediência e seguiram para seus respectivos destinos.

Os gêmeos foram os primeiros. Ambos subiram às escadas e chegaram ao corredor que o andar superior possuía.

– Nós vamos começar por esse lado. – Emilly disse, após examinar rapidamente o corredor.

– Érrr... eu acho que...

– Que...?

– Acho que poderemos poupar tempo e esforço se cada um se encarregar de um lado do corredor... – Evan sugeriu, em voz baixa, sem nem mesmo estabelecer contato visual com a irmã.

– Pare de falar como um bichinho indefeso. Não consigo nem mesmo entender o que você diz!

– Eu disse que devemos nos separar e procurar individualmente, assim pouparemos esforço! – ele levantou um pouco o tom da voz.

Ela o olhou por um tempo, em silêncio, e começou a riu, sarcástica.

– O que foi?

– Então você quer poupar esforço? – perguntou, com um olhar sádico.

– Não! – ele temeu ser entendido de forma errada - É só que... se pouparmos esforço nós...

– Diga-me Evan... – ela o interrompeu - Está cansado?

– Emilly, eu só....

– ESTÁ CANSADO, EVAN?

O garoto suspirou.

– Um pouco...

– Entendo... afinal, estamos procurando bastante há semanas, não é mesmo?

– Sim... e também...

– Sabe Evan... – ela o cortou - ...acho que preciso ensinar uma lição pra você...

– O que está querendo dizer?

– Eu vou te mostrar. – ela sorriu.

A garota o puxou pelo braço ferido, fazendo questão de apertá-lo com toda força que tinha, e o levou até o último cômodo do corredor. Tratava-se de um quarto, repleto de móveis cobertos por lençóis brancos, assim como em todos os outros sobrados que invadiram naquela rua. Assim como todos os outros, esse também estava escuro, no máximo pouco iluminado, devido às janelas vedadas.

– O que vai fazer? – Evan receou em relação às atitudes da irmã.

– Se existe uma coisa que me enoja, Evan, é a falta de consideração para com o nosso deus e para com a Ordem. Você mais do que ninguém sabe disso. – ela aproximou-se dele - Eu sei, sim, que estamos todos cansados da procura, somos humanos, e isso é inerente a nossa condição mortal.

– Mas...

– Silêncio! – ela o acertou com um tapa no rosto – Eu estou falando. Sei que estamos cansados, mas o auto sacrifício é admirado por deus, e é por esse motivo, que todos, até mesmo o papai, mesmo caindo pela falta de forças, permanecem submissos e transformam as fraquezas em forças para continuar no serviço. Você entende Evan?

– Entendo Emilly...

– No entanto, parece que você se acha bom demais e especial o suficiente para se dar ao luxo de reclamar do cansaço, não é?

– Eu... eu não... não disse isso... – ele gaguejou.

Emilly riu.

– Está nervoso?

– Emilly, eu não disse isso! – ele repetiu, tentando, inutilmente, fazer a irmã entender tais palavras.

– Não com palavras... mas sua proposta de “poupar esforço” disse o bastante para mim. – ela retirou um dos lençóis que cobria uma velha poltrona no canto do quarto e o jogou contra o rosto de Evan, sentando-se comodamente – Você vai se encarregar deste primeiro andar inteiro, Evan, sozinho. Eu vou ficar aqui supervisionando você, pessoalmente.

– Mas é impossível! Esse andar é enorme!

– Achando ruim? Talvez seja melhor você se encarregar de todos os primeiros andares de todo o resto dos sobrados da rua... – ela o ameaçou.

– Não! Eu...

– Sim! – ela fez um gesto para que ele se calasse - Você vai! Está decidido! Até aprender a obedecer sem questionar! - Emilly não era do tipo misericordiosa, muito menos do tipo de gente que gosta, ou no mínimo aceita, ser contrariada.

– O papai não vai concordar com isso! – o garoto retrucou – Além de que eu não preciso obedecer você! Sou o Guardião dos Ritos! Estamos no mesmo patamar de autoridade dentro da Ordem! Só devo satisfações ao Mestre, e só!

– Ah, tem razão... Então talvez eu deva contar para ele esse seu plano genial para “poupar esforço” ... Talvez ele concorde com sua posição, não é mesmo? Principalmente numa situação como esta, na qual temos que acha-la o mais rápido possível. – ela esperou uma resposta, mas o garoto permaneceu calado - Devo lembrar o quão baixo você está no conceito dele? Ou o quão comprometido você está depois de ter deixado aquele cara dos esgotos escapar? Ou após deixar a Mãe fugir no seu turno de vigia? Acha mesmo que ele vai ficar do seu lado, senhor Guardião dos Ritos?!

Ele ficou em silêncio.

– Responda!

– Não... – Evan balançou a cabeça.

– Então sugiro que obedeça e comece vasculhando esse quarto primeiro.

O rapaz deu as costas à sua irmã e começou a fazer o que lhe fora ordenado. Ela estava certa, ele não possuía escolha alguma, principalmente diante das ameaças proferidas. Por mais que quisesse acreditar no contrário, em seu interior, ele sabia que tudo dito era verdade, seu pai não ficaria do seu lado, ele era como ou até mesmo pior que Emilly. Compreensão não era, nem de longe, uma virtude que algum dos dois possuísse. Suas únicas opções eram obedecer sua irmã ou arcar com seu pai. Ele estava sozinho.

– Falando nisso... sabe de uma coisa que nunca ficou clara? Nem pra mim, nem para o papai?

– O quê? – ele perguntou, revirando os móveis.

– Como a Mãe conseguiu fugir....

O garoto gelou, suou e sentiu seu coração acelerar, quase como se quisesse sair pela garganta, mas tentou disfarçar continuando o serviço como se a pergunta não tivesse lhe incomodado.

– Talvez alguma irresponsabilidade minha... não sei... por quê?

– Ah... não sei... Mas eu e o papai achamos estranho ela ter fugido de uma gaiola com três trancas e ainda ter se retirado da Catedral sem ser notada, você não?

Evan respirou fundo e virou-se para Emilly.

– Não acredita em mim? Por acaso está insinuando que eu a deixei fugir?

– Ora, é claro que acredito em você Evan... – ela riu, gesticulando para que ele continuasse a trabalhar - ... mas não porque dou o menor crédito às suas palavras e sim porque tenho consciência do covarde que você é para fazer qualquer coisa por conta própria, e creio que você também tenha consciência do que acontece com aqueles que se opõem à Ordem. – ela retirou a poeira do encosto da poltrona com a ponta do dedo indicador e a soprou no ar - A punição para os traidores internos é bem mais severa... devo lembrar...

– Não! Você não deve me lembrar da mamãe! – assentiu – Não há um dia que se passe sem que eu me lembre disso...

– Pois bem, continue. – ela concluiu com um gesto, passando então a apenas observá-lo em silêncio.

Evan continuou a vasculhar o cômodo em silêncio, sendo cuidadosamente vigiado pelo olhar cauteloso de sua irmã, que, sentada, ordenava procuras avulsas aqui ou ali, às vezes até mesmo em lugares repetidos, apenas para a própria diversão. Ele, no entanto, nada podia fazer senão aturar a árdua tarefa, que se fazia mais difícil a cada segundo dentro daquele lugar.

– Como pode se referir a ela com tanta frieza? – a pergunta cortou o silêncio.

– O que quer dizer com isso?

– Como pode se referir à ela assim... sem sentir nada?

– O que quer que eu sinta? Ela era uma traidora! Tentou nos tirar de Silent Hill quando éramos crianças, mesmo sabendo que havíamos sido eleitos para sermos os guardiões. Se ela tivesse obtido sucesso... – Emilly reparou que seu irmão estava desatento, olhando para a rua pelas estreitas frestas da janela vedada – Evan, o que está olhando?

Ele nada respondeu, ainda fixado no que, seja lá o que fosse, estava vendo.

– O que está olhando, idiota?! EVAN! – gritou.

O garoto percebeu a indiscrição com a qual estava observando a rua e saltou, assustado, pondo-se de costas à janela.

– Nada! – ele respondeu, nervoso.

Não, não era simplesmente nada. Evan, com certeza, vira alguma coisa: uma pessoa cruzando a rua, não a Mãe, não o homem dos esgotos, mas uma garota, diferente de qualquer outra já vista. “Tem mais gente aqui, como é possível, o que essas pessoas têm na cabeça?!”, ele pensava, apreensivo. A garota parecia ser de uma estatura mediana, morena, com o cabelo preso em rabo de cavalo (foi tudo que deu para ver através da névoa) e se dirigia para a porta do sobrado vizinho ao que estavam.

– Como nada?! Estava parado aí feito um idiota!

– Eu não vi nada, era só que... só que...

– Você mente muito mal, Evan. – Emilly levantou-se da poltrona e dirigiu-se à janela – Vamos ver o que você tem aí!

– Já disse, nada! – ele se posicionava na frente da irmã, não importando em que direção ela fosse, tentando atrasa-la e impedi-la de ver aquela garota na rua e começar uma perseguição. Sem falar, que, ao dizer que não estava vendo nada, Evan negou a existência da tal garota, e se ela fosse vista, bem, ele teria sérios problemas.

– Ora, saia logo daí! – ela ordenou, agarrando-o pelos braços e o jogando para o lado.

Evan caiu sobre a cama e sentou-se, gélido, aguardando a irmã, que, curvada, observava as ruas com os olhos cerrados pelas frestas da janela. Seu coração batia cada vez mais rápido à medida que ele esfregava a palma das mãos no colchão fétido da cama para limpar o suor.

– E então... – ele perguntou, trêmulo - ... viu alguma coisa?

Emilly cessou a observação da rua e aproximou-se dele, em silêncio, olhando-o nos olhos.

– Você é um idiota. Sua capacidade de se distrair é mesmo incrível.

– O... o quê?

– Pare de se ocupar olhando ruas vazias e volte ao trabalho! – ela dirigiu-se de volta à poltrona.

“Ela deve ter entrado no sobrado vizinho... É a única explicação para ter sumido tão rapidamente.”, ele concluiu consigo mesmo, voltando a revirar os móveis.

A situação continuou assim, Evan na procura e Emilly na poltrona, sem muitos problemas e em absoluto silêncio, porém, não se passou muito tempo até que Reginald subisse as escadas ao encontro dos dois.

– Evan! Emilly! Onde estão?

Os gêmeos surgiram no fim do corredor.

– Aqui, Mestre! – a garota respondeu, baixando a cabeça em sinal de reverência.

– E então?

– Não achamos nada Mestre, a Mãe com certeza não está nesta casa. E Monroe, e Otto? Como se saíram?

– Também não obtiveram resultados. Nem mesmo eu obtive. Essa casa também está vazia.

– Uma pena, meu lorde.

– Não temos tempo para lamentações! Vamos para o próximo, não podemos parar.

– Sim! – ambos assentiram e desceram as escadas, seguindo seu Mestre.

Monroe e Otto os aguardavam na sala principal.

– Sigam-me! – Reginald ordenou e todos voltaram à rua – Iremos naquela agora... – ele apontou para o sobrado vizinho.

“DROGA! É AÍ QUE AQUELA GAROTA ESTÁ!!”, Evan gritava por dentro, estava completamente mergulhado no medo do que poderia acontecer a ele ou à garota caso ela fosse achada, mas por fora mantinha-se controlado, tentando não ceder à indiscrição que o quase o condenara dentro do sobrado.

– Não desanimem! – reforçou Reginald – Não revistamos nem metade deste lugar! Vamos para a próxima! Temos que acha-la!

O grupo subiu às escadas que levava ao alpendre do edifício e Otto girou a maçaneta da porta principal.

– Está trancada. – ele girou mais uma ou duas vezes para ter certeza – Teremos que arrumar outro jeito de entrar.

– Não há outro jeito! – disse Evan, na esperança de que pulassem a tal casa ou simplesmente decidissem passar por ali em outro momento – As janelas estão todas lacradas.

– Não importa! – disse Reginald, avançando até a porta – Terá de ser aberta de qualquer forma! – disse, dando alguns empurrões, todos inúteis.

– Não está trancada! - disse Emilly, observando o interior da casa por um pequeno painel de vidro quebrado, o qual fazia parte do arco da porta – Está barrada! – ela via claramente uma larga estante apoiada em frente à porta, como se houvesse sido posta lá de propósito – Parece que alguém não quer nos deixar entrar. – cantarolou aos outros, em um tom sugestivo.

– Então você pode estar aí... – falou o Mestre, sorrindo e acariciando a porta com a mão – Finalmente te achamos... Ela está próxima! – ele gritou, em tom alegre, abrindo seus braços para os outros em o que parecia ser um convite para que estes se alegrassem junto a ele.

Todos aplaudiram.

– Otto, Monroe! Derrubem essa porta! – Emilly comandou os dois homens.

Eles assentiram e, juntos, começaram a dar violentos empurrões alternados na porta de madeira. Emilly, que observava tudo pela vidraria quebrada, auxiliava-os coordenando os empurrões nos momentos mais propícios.

– Mas o quê?! – exclamou Monroe, após sentir um peso extra sobre a porta, como se alguém estivesse empurrando em sentido contrário pelo lado de dentro – Mestre, alguém está tentando nos impedir!

– É uma garota! – Emilly gritou para os outros, expiando através da mesma vidraria pela qual vira a estante momentos antes.

– É muita coragem sua nos enfrentar de cara depois de fugir, Mãe Sagrada! – disse Reginald.

– Não! Não é a Mãe! – ela o corrigiu.

– Não... Não é a Mãe?! – estava surpreso – Mas e... quem é?

– Não sei! É uma estranha!

“Droga, acharam ela!”, Evan lamentava m silêncio.

– Mais um estranho?! O que está acontecendo com esse lugar? – ele bateu o cetro fortemente no chão – EMPURREM MAIS FORTE! Não quero que a deixem escapar como fizeram com o outro! Diga seu nome estranho! O que está fazendo aqui? – ele ordenou, batendo novamente o cetro.

– Vai se ferrar, idiota! – uma voz feminina gritou de dentro da casa.

– Insolente! Sabe, por acaso, com quem está falando?

– Sim! Estou falando com um louco local! Vocês fazem parte daquela droga de culto.

– Então reconheça a autoridade suprema do Mestre da Ordem e saia daí, agora!

– Eu não vou SAIR!

– Então NÓS iremos entrar! EMPURREM!

– Não acho que queiram fazer isso! Eu estou armada e juro por Deus que vou explodir a cabeça de cada um de vocês! – a garota da casa tentou pôr um pouco de medo no inimigo.

– Suas balas não podem perfurar a missão de deus! Evan! – ele continuou - Ajude-os a empurrar a porta!

– Sim! – o garoto assentiu e logo passou a empurrar também.

O peso contra a garota estava cada vez maior, era uma questão de tempo até que ela cedesse, e Reginald sabia disso.

– Já pretende desistir? – perguntou.

– Não!

– Ora, vamos! Saia daí agor... – Reginald baixou gradativamente o som da sua voz enquanto tentava o máximo possível discernir os vultos ocultos pela névoa que estava vendo no fim da rua, próximo à esquina.

Eram Sebastian e Cinthya, que acabavam de chegar no endereço citado pelo bilhete achado na cabine de controle da ponte.

– O que houve, Mestre? – Emilly perguntou, ao notar o claro desconforto de seu pai.

– Oh, grandioso deus... - ele disse em tom abafado - Isso só pode ser alguma espécie de piada. MONROE! – a autoridade exprimida em seu grito assustou a todos no local.

– Sim, Mestre! – o homem parou de empurrar e ajoelhou-se.

– CORRA ATÉ A CATEDRAL E TRAGA REFORÇOS! O caso é pior do que eu imaginei. – o homem assentiu com a cabeça e desapareceu às pressas na névoa.

– EMILLY! – dirigiu-se para a menor – Ajude Otto a parar a estranha! Não a deixe escapar!

– Sim, meu Lord! - ela assentiu com a mão sobre o peito.

– E EVAN! Siga-me. – ele já descia rapidamente os degraus.

– Mas... – o garoto se preparou para retrucar, ou pelo menos perguntar qual o motivo de tamanho alvoroço, mas foi interrompido.

– SIGA-ME! É UMA ORDEM, NÃO A QUESTIONE! – o garoto assentiu e o seguiu, e ambos partiram a correr em direção aos dois no fim da rua, deixando Emilly, Otto e o sobrado para trás.

– O que... o que houve? Para que os reforços? – ele perguntou, desorientado por causa de toda aquela confusão.

– Ela está aqui! – Reginald cerrava os dentes.

– Ela quem?!

– A que fez isso! – ele parou e retirou o capuz, mostrando ao seu filho a longa e violenta cicatriz que o deixara cego do olho esquerdo, que ia do topo da sua testa até o centro de sua bochecha – E deve ter trazido amigos novamente. Precisamos de mais gente, precisamos parar seja lá o que ela tenha vindo fazer!

Reginald já havia contado para os gêmeos (e até mesmo para toda a Ordem, em momentos como reuniões) a história de como havia recebido a tal cicatriz, usando-a como exemplo para mostrar as atitudes violentas dos hereges para com os servos de deus e de como estes não dignos de misericórdia. Por isso, Evan já sabia muito bem do que se tratava.

– Está falando da...

– Cinthya Northwork! – ele gritou odiosamente para o vulto, voltando a correr.

– O grito alertou Sebastian e Cinthya, que até então estavam despercebidos da presença da Ordem no local.

– Droga... são eles! – Sebastian exclamou.

Cinthya não parecia muito preocupada, muito pelo contrário, parecia interessada naquele que gritara seu nome, pois tentava claramente avistá-lo em meio a rua enevoada.

– Ora... ora... olha só quem temos aqui... – ela sorriu com o canto do rosto ao ver Reginald emergindo da névoa, no entanto nada mais disse, apenas agarrou o braço de Sebastian e o puxou na direção contrária – Corra!

– Não pode simplesmente sacar sua arma e acertar um tiro nos dois?!

– Matar não está nos meus planos, garoto. Só corra!

Ambos saíram na direção contrária.

– Não pare! NÃO PARE! – Reginald gritava para Evan correr mais e mais rápido – Não foque no outro, foque nela, pegue-a!

– Mas ele é o garoto dos esgotos! – Evan exclamou, reconhecendo Sebastian.

– Não ligue para o outro! Eu já disse! Pegue a Cinthya! Coisas ruins aconteceram da última vez que ela esteve aqui! Não posso deixar que se repita!

– Conhece ele? – Sebastian perguntou enquanto ouvia a discussão dos dois perseguidores.

– Digamos que... – ela pensou no melhor termo para se usar - ... é um velho “amigo”.


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Notas finais do capítulo

Sebastian e Cinthya partem em direção à zona residencial para achar a chave da ponte e continuarem a procura por Emma. O esquadrão da Ordem, por sua vez, também está indo para a zona residencial procurar a Mãe. Lá, um reencontro desagradável acontece.



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