The Walking Dead - Rio de Janeiro/ Temporada II escrita por HershelGreene


Capítulo 9
Capítulo IX - Hugo


Notas iniciais do capítulo

No capítulo anterior:
Clara, Junior, André e Alice lutam para voltarem para casa no meio da tempestade que assola o Rio de Janeiro. Porém, ao retornarem, algo inusitado acontece!

P.S - Totalmente inspirado no "Casamento Vermelho"



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/554969/chapter/9

Os tambores ecoavam em todos os cantos da propriedade, e a cabeça de Hugo ecoava com eles. As flautas e os clarinetes se juntavam à poluição sonora numa das pontes destinadas aos músicos. Trompetes soavam e trombones ribombavam, mas o som dos tambores dominava todo o espaço. Os sons da banda ressoavam pelo céu aberto do fim da tarde, enquanto os convidados comiam, bebiam e gritavam uns com os outros, logo abaixo. Hugo engole mais uma garfada do jantar enquanto observa as pessoas na pista de dança. Guilherme I deve ser idiota o bastante para desperdiçar tantos recursos assim em uma única noite.

Ainda chovia do lado de fora, mas dentro do pátio coberto o ar estava abafado e quente. Uma mesa repleta de panelas fumegantes se localizava no extremo sul da quadra, e dezenas de braseiros ardiam entre os pilares de sustentação do teto. Mas a maior parte do calor vinha dos presentes naquele espaço. Quase cem pessoas apertadas davam cotoveladas umas nas outras entre os bancos disponíveis.

Hugo sente certa irritação. Se já não bastasse a chuva, o barulho e o calor, Guilherme o pusera para trabalhar de garçom durante toda a noite de festa. Era insuportável ficar ali de terno, no meio do alvoroço, servindo taças de vinho e champagne. Não era bom com aquilo, na maioria das vezes derrubava as taças e se atrapalhava com as garrafas, mas era o necessário pela sua sobrevivência e a de seu grupo.

Gabriel aceita uma taça da bandeja de Hugo enquanto afasta o prato quase intocado. E Hugo nem podia censurá-lo pela falta de apetite. O banquete em homenagem aos militares era composto por comidas velhas, na maioria fora da validade. Os únicos pratos decentes eram as saladas de tomate, pois o cultivo era realizado ali mesmo, no reino. Era um pouco pobre para uma colônia tão bem organizada, mas os militares se serviram sem questionar nenhuma reclamação foi ouvida.

Uma pessoa fez sinal para que Hugo se aproximasse com a bandeja. Era um militar bem uniformizado, de alto porte e cabeça raspada. Por um momento, Hugo se recorda de Silas Bellshoff – o antigo diretor daquela antiga escola – e a sensação lhe causa arrepios na nuca. Ele entrega a taça de vinho sem muita cerimônia e se afasta novamente até a mesa de Gabriel.

Bernardo e o irmão mais velho dividem a mesa com mais duas pessoas. O casal de velhinhos – sentados no outro extremo – mal repara na barulheira e na algazarra. Os dois matam o tempo numa “muito” divertida partida de xadrez. Hugo se aproxima para oferecer uma taça, mas desiste no instante em que vê a senhorinha derrubar três peões com uma única jogada.

– Você está roubando, Elizabeth – grita o senhor.

– Pare de ser bobo, A madeu – diz ela, sorrindo satisfeita – Você é que é ruim!

Hugo se afasta contendo uma risada e retorna ao serviço de garçom. Gabriel desiste de tentar comer a gororoba em sue prato e segue atrás de Hugo.

– Quem é aquele sujeito lá na mesa do Guilherme? – diz Gabriel, desviando dos convidados para seguir Hugo – Aquele que pegou uma taça agora a pouco?

– Aquele é Albert Housen, o antigo general do exército brasileiro – conta a velhinha, desistindo de sua partida de xadrez – Foi ele ali que mandou derrubar a Rio-Niterói e nos prender neste inferno aqui!

– Olha a boca, Elizabeth! – chia o velho.

Elizabeth estala os beiços. Hugo desiste de servir bebidas e puxa um banco para ouvir o resto da história. Gabriel faz o mesmo.

– Pelo o que me contaram, esse aí é o único nesta cidade com culhões o suficiente para aguentar o mundo que nos vivemos – continua Elizabeth, ignorando os estalar de beiços do marido – E o líder dos militares, esse aí. Até o rei Guilherme teme o sujeito. Dizem que ele mata todas as pessoas que se opõe a ele, usando seu machado de bombeiro afiadíssimo.

Gabriel agarra a jarra de vinho da bandeja e toma um longo gole no gargalo.

– É uma ameaça para nós, este tal de Albert? – pergunta Hugo, já não simpatizando com o sujeito.

– Enquanto formos aliados, não – diz Amadeu, recolocando as peças de xadrez no mesmo lugar.

Os dois senhores recomeçaram o jogo, deixando Hugo sozinho com os próprios pensamentos. Uma aliança forte entre duas colônias, com trocas de mercadorias e armas. Albert não parecia ser uma pessoa ruim, só um líder forte, amadurecido pelo apocalipse. Por um momento, Hugo se viu espelhado nele. Os dois eram líderes de sobreviventes, obrigados a sempre tomarem decisões certas e nunca falharem, transformados em pedra por dentro, quase sem nenhum sentimento. Mas a grande diferença era que Albert nunca falhara. Hugo, por outro lado, deixou que quinze pessoas morressem num único dia.

Precisava retirar os pensamentos dali. Hugo pega a bandeja e retorna ao trabalho, indo de mesa em mesa. A música retoma outra batida, iniciando uma sessão de sambas de raiz. Ninguém ali parecia preocupado com os mordedores nas redondezas. Um barulho daquelas atrairia, com facilidade, uma considerável horda até as muralhas do reino. As jarras se esvaziam com facilidade, obrigando Hugo a retornar aos barris para enchê-la. Ele mal percebe a presença de duas figuras próximas até que uma estende a mão para uma das taças e o surpreenda.

– Vinho, por favor – diz ele, o careca que acompanhava Junior e Clara no primeiro dia de hospedagem no reino.

Hugo inclina a jarra em direção à taça, enchendo-a com o líquido rubro. Albert se aproxima dos dois e estende o copo, esperando sua vez.

– Governador Silva, é um prazer revê-lo! – diz Albert Housen, esticando a mão para cumprimentar o careca – Como tem andado?

O careca, ou governador Silva, toma um longo gole de sua taça antes de responder. Hugo quer sair dali o mais rápido possível, mas a curiosidade fala mais alto e ele permanece escutando.

– Sabe, viver aqui no reino nem é tão ruim – conta Silva, bebericando mais um pouco – Claro, estamos sempre ocupados com o trabalho em grupo...

Albert solta uma risada exagerada.

– Sei como é, Guilherme e seu discurso de “bem maior” – comenta ele, aos risos – Sério, cara, não entendo essa ideia dele de transformar esta escola num reino medieval. Parece coisa de maluco! Eu sei que ele é um líder nato e tal, mas um pouco menos de ego próprio não ia fazer mal.

Os dois trocam piscadas que inquietam Hugo. Depois, Silva se afasta deixando o menino sozinho com o militar.

– Sabe garoto – diz Albert, enchendo mais um pouco a taça – Aprenda uma lição: neste novo mundo, nada é duradouro. Você pode construir a mais alta muralha e se achar seguro, mas ela racha e desaba. Nunca esteja cem por cento seguro, nunca mais.

Hugo quase revira os olhos. Grande novidade! Ele tenta esconder uma risadinha olhando para os pés, quando percebe uma coisa que mudaria todos os fatos do futuro.

Albert estava com o machado preso no cinto. Um machado comum, madeira e metal unidos numa única arma mortífera. Mas não era esse o problema. Havia uma assinatura na base do cabo com caneta permanente. Mesmo daquela distância, ainda era possível ler o nome “Hugo”.

O choque atravessa o corpo de Hugo. Ele lança um olhar penetrante para Albert, que mal entende o motivo.

– Você esteve lá – diz Hugo, perdendo todo o controle na voz – Eu me lembro de você. Você viu tudo. Você estava lá.

Albert tenta fingir que está confuso. Mas não engana Hugo. Ele sabe a verdade, ponto.

– O que você está dizendo, criança?

Hugo inspira profundamente, inalando o ódio que pulsa nas veias.

– Agora eu reconheço você. Você estava na ponte... Você nos deixou para morrer nesta cidade infernal!

– Reconheço isso, mas fui obrigado a seguir ordens apenas e...

– Isso não importa mais! Você estava no Iguatemi – diz Hugo, satisfeito ao ver a expressão de Albert – Eu me lembro de você na arena... Você estava presente no dia em que QUINZE DOS MEUS AMIGOS FORAM MASSACRADOS POR PSCOPATAS!!!

Algumas pessoas ao redor pararam para observar a cena, mas Hugo nem se importava. Ele estava lá, ele viu tudo acontecer.

– Foi você que destruiu aquele shopping?! - pergunta Albert, descobrindo a verdade.

Hugo não lhe responde. Em vez disso, ele parte atrás de Gabriel e Bernardo. Precisa encontrá-los e dizer o amigo a verdade. Foram burros demais confiando em Guilherme. Simplesmente abriram as portas para os inimigos declarados do grupo de Hugo. Sua mente fervilha com o ódio do choque. Suas mãos tremem e sua respiração se altera. Os últimos versos da música soam tristemente pelos tambores. Rei Guilherme se levanta da cadeira para um discurso, fazendo com que Hugo apresse mais o passo. Gabriel e Bernardo estão sentados junto ao casal de velhinhos, jogado uma partida de xadrez em duplas.

– Boa noite a todos – começa Guilherme – É um prazer estar aqui presente, festejando junto a vocês!

Dez metros. O coração acelera.

– Mas, o motivo de estarmos aqui hoje é para comemorarmos o novo começo de nossa sociedade. Quando os telejornais pararam e nossa cidade foi declarada irrecuperável, eu achei que fosse o fim. Mas eu estava errado! E estou aqui hoje, vivo, para comprovar isso. Erguemos muralhas, criamos plantações e construímos uma sociedade. Não é perfeita, mas eu gosto! E isso tudo só foi possível, pois mantivemos nossa humanidade erguida, não nos esquecemos de quem fomos! E, só podemos vivenciar isso hoje porque tivemos uma base... Um homem que pôs todos os seus problemas de lado para o bem maior... Senhoras e senhores aplaudam educadamente o general Albert Housen!

Dois metros. A multidão vai à loucura. Albert se dirige até a mesa de Guilherme, pronto para seu discurso. A adrenalina impulsiona Hugo. Seis passos rápidos e já chega à mesa. Quando finalmente os alcança, Gabriel já percebeu a expressão no rosto do amigo e já destravou a pistola. Bernardo também repara no rosto de Hugo e repete as ações do irmão.

– Bem, obrigado a todos por estarem aqui, nesta humilde lembrança dos dias passados – Bom, como sabem, nossa vida hoje não é mais estável. Ela muda e sofre a cada novo dia que surge. Nunca saberemos se morreremos amanhã ou depois. Mais uma coisa é certa. Nós nunca estamos seguros!

Nós nunca estamos seguros... Nós nunca estamos seguros... A frase ecoa pelo salão silencioso durante meia fração de segundo. Tempo suficiente para Hugo prever o futuro.

Muitas coisas acontecem num mesmo instante. Albert retira a pistola do coldre e dispara cinco vezes contra o rei Guilherme. A multidão entra em pânico, esbarrando-se uns nos outros numa tentativa fútil de sair dali. Os soldados abrem fogo contra os moradores do reino, espalhando sangue e fluidos em todas as direções. Juntos, Hugo e Gabriel derrubam a mesa de armação, usando-a de escudo. Os tiros ricocheteiam pelas paredes, provocando chuvas e poeira e reboco. Os três começam a atirar contra os militares, protegendo Amadeu e Elizabeth do perigo.

Um dos braseiros é derrubado no meio do tiroteio. As chamas se espalham por toda a extensão da mesa de comidas, inundando a sala de luz e calor. Outras pessoas se juntam ao massacre no salão.

Uma vintena de homens armados invade a quadra pela porta dos vestiários. Parece que todo o exército das muralhas está agora participando do tiroteio. Alguns deles, liderados por Moreira, lançam granadas de fumaça contra os atacantes, limitando a visão de todos os presentes. Albert termina de executar os convidados na mesa de Guilherme e retorna ao conflito. Por um momento, Hugo sente um alívio tremendo ao ver Moreira ali, atirando contra os militares.

A esperança se apaga como uma vela. Albert dispara meia dúzia de tiros com seu fuzil, acertando ao mesmo tempo o peito e o crânio de Moreira.

A batalha continuava por todo o salão. Alguns dos convidados que ficaram atiravam copos e garrafas de vidro contra os atiradores. Homens de azul e homens de farda trocam tiros por toda a extensão, salpicando as paredes e o teto com buracos de bala. E no meio de tudo aquilo há Hugo, Gabriel, Bernardo e dois velhinhos.

– Temos que sair daqui! – grita Gabriel, sua voz abafada pelo som do tiroteio.

– Não há saídas! – grita Hugo em resposta – Estamos perdidos!

Uma bala perdida acerta a mesa e arranca um pedaço da madeira.

– A porta principal está sem nenhum soldado! – grita Gabriel – Precisamos só atravessar a quadra!

Hugo acerta um dos soldados no crânio antes que a frase se finalizasse. O ódio agora voltava a correr em suas veias. Com um único movimento, o garoto se põe em pé e recarrega a pistola. Tiros de metralhadora passam tão perto de seu crânio que seu cabelo se arrepia. A fumaça das granadas ainda dificulta a visão, ajudada pelo enorme incêndio que se espalha pelas mesas destroçadas. Gabriel, Bernardo, Amadeu e Elizabeth seguem Hugo pelo tiroteio. Os cinco alcançam as portas principais alguns segundos antes de elas se abrirem com um chute.

Agora estamos salvos pensa Hugo, aliviado.

Quatro pessoas invadem o salão. Junior, Clara, Alice e o garoto com a lança. Os nove se esbarram entre si e capotam com força no chão.

– Mas o quê diabos está acontecendo aqui? – grita a voz de André, o garoto com a lança.

Hugo tenta responder, mas no mesmo instante os bebedouros são perfurados por tiros distintos.

– Os militares – grita Gabriel, colocando Bernardo atrás de si – Não são o que pensamos.

Amadeu e Elizabeth abraçam André com força, quase esmagando o garoto.

– Oh pequeno Ned, sentimos muito sua falta – diz Amadeu.

As bochechas de André ficam mais vermelhas que o sangue derramado em todo o lugar.

– Vô, vó – grita ele, se afastando dos dois e mirando a metralhadora – Agora não dá tempo!

– Temos que sair daqui! – grita a voz de Clara – Andem, rápido!

Os nove desatam a correr para longe daquela quadra. Hugo tenta ficar, mas a visão do corpo sem vida de Danilo o faz correr para longe. Várias pessoas morreram naquela noite, pois Hugo foi lento o suficiente para reconhecer o inimigo. Ele mal percebe que o grupo já atravessou dois prédios. A sensação de nostalgia invade-lhe o peito. Há quase um ano e meio, Hugo e Gabriel saíram correndo daquela mesma quadra. Só que desta vez não eram os mortos que os perseguiam. Era algo muito, muito pior.

– Tem uma entrada para o porão no próximo corredor! – grita André, liderando o grupo.

Hugo ainda está surdo por conta dos tiros. Sua pistola está vazia e um caco de vidro está enterrado em sua perna. Mas ele mal tem tempo de sentir dor. O garoto, tão catatônico com as cenas que presenciou, mal percebe a escuridão que os engloba de repente.

André fecha a porta do porão com um clique surdo, enquanto Amadeu ascende um fósforo, proporcionando alguns segundos de luz.

– Ok, tudo bem, agora estamos seguros! – diz Junior, respirando com dificuldade – Vão nos dizer o que aconteceu?

– Os militares mataram Guilherme na frente de todo mundo e começaram a disparar contra os moradores daqui – informa Gabriel.

Junior, Clara e Alice olham para André, surpresos.

– Eu sabia! – diz André – Nunca confiei muito nestes desgraçados, e agora olha o que fizeram!

– Mas, eles foram idiotas, não é? – pergunta Clara, afastando os cabelos da cara – Se queriam assumir esta escola, vão perder a chance.

O fósforo de Amadeu se apaga, mergulhando todos na escuridão.

– Como assim, querida? – pergunta Elizabeth num sussurro.

– Com toda essa barulheira e sem vigia nas muralhas – continua Alice - Provavelmente isto tudo vai ser invadido dentro de poucas horas!

Elizabeth e Bernardo suspiram assustados.

– Então, nossa única chance é... – começa Gabriel.

– Sair daqui antes que os mortos assumam o reino de Guilherme! – termina Hugo.

Oito pares de olhos o encaram.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "The Walking Dead - Rio de Janeiro/ Temporada II" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.