The Walking Dead - Rio de Janeiro/ Temporada II escrita por HershelGreene


Capítulo 8
Capítulo VIII - Clara


Notas iniciais do capítulo

No capítulo anterior:
Gabriel finalmente retorna ao jogo. Ainda confuso, ele tenta entender as regras e todo o esquema envolvido.



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A tempestade dura todo o dia seguinte. Postes de luz vergam sob o peso do ataque, caindo sobre as avenidas entulhadas de carros abandonados. Os esgotos transbordam, inundando ruas inteiras, transformando o Rio de Janeiro numa espécie de Veneza dos mortos.

A região portuária da cidade é quase completamente varrida do mapa. Em flashes violentos dos relâmpagos, as ondas da baía ultrapassam os portos, arrastando containeres, derrubando armazéns e espalhando veículos pelas ruas como se fosse uma criança zangada. A água invade as calçadas, invadindo as casas e comércios do bairro. Alguns barcos menores estão jogados pelas ruas, arrastados pela chuva forte.

Ao meio-dia, uma multidão de mortos grande o bastante para encher uma catedral é depositada nas ruas dos bairros vizinhos. Arrastados pela tempestade, os cadáveres rolam uns sobre os outros, alguns são levados para longe pela correnteza, outros se prendem nos destroços espalhados pela cidade, mas a maioria continua numa procissão de gemidos em direção a nenhum lugar específico.

No dia seguinte, os que restaram do grupo de busca e coleta lutam para atravessar a enchente que se formou na cidade. André ordena uma vasculhada pelos veículos abandonados para tentar a sorte de conseguir um que ainda funcione. Os outros obedecem sem questionar, concentrando-se em apenas não se afogar. Durante todo o dia, sob uma chuva forte, os sobreviventes vasculham cada carro que não tenha sido levado pela correnteza.

– Estou ensopado – diz Junior, no fim da tarde, sentado no capô carbonizado de uma viatura.

Clara mal ouve as palavras do irmão. A chuva desaba ao seu redor, respingando nas poças lodosas encharcando suas meias. Ela já está profundamente irritada com tanta água. Se já não bastasse três mortes numa só noite, ainda precisa ficar 24h molhada dos pés a cabeça.

– Sinto muito, Junior – diz André, saindo de dentro de uma ambulância – Mas sem descanso ainda.

Clara ouve Junior falar um xingamento baixinho enquanto volta ao trabalho.

Ela não pode culpá-lo. Estão naquilo há horas. André parece confiante de que vão achar um carro que ainda funcione, mesmo depois de um ano e meio de colapso. Desde a explosão, o garoto parece cada vez mais frio e distante. Parecia estar certo de que alguém havia causado aquele desastre. Três mortos, nenhum transporte disponível e água até os ossos. Tudo o que Clara merecia.

– Estou morrendo de fome – grita Alice, chutando uma poça de água – Precisamos de comida, André! E um descanso não seria nada mal.

– Sem chances, enquanto não conseguirmos um veículo, nada de descanso!

Alice bufa e volta ao trabalho.

– Sabe, não é possível que alguém tenha feito aquilo – volta a dizer Alice, aproveitando a conversa para sentar – Não ouvimos nenhum carro se aproximando.

Junior dá um grito de surpresa de dentro da viatura. Ele sai do carro sorrindo consigo mesmo, carregando uma caixa de balas e uma barra de chocolates.

– Só venceu há alguns dias – diz ele, quebrando o chocolate em pedaços e oferecendo a Alice – Sabe, eu acho que você está ficando paranóico com essa história de “culpado”.

André se aproxima de Junior, usando a sua lança como cajado.

– Sabe o que eu acho?! – diz ele, aceitando um pedaço do chocolate – Que tem alguém querendo derrubar o reino.

Alice e Junior reviram os olhos no mesmo instante.

– Pare com isso, cara – diz Junior – Isso é coisa de gente anormal.

– Não estou brincando – responde André, contando nos dedos – O jovem príncipe sumiu, meu pai também e agora explodiram nosso ônibus. Não pode ser coincidência.

Clara se aproxima do trio e morde um pedaço do chocolate. Tem sabor de velho, mas é a primeira vez que come chocolate desde que saiu do Copacabana Palace.

– Seu pai sumiu? – pergunta Junior, tentando ser delicado, mas sem sucesso.

André concorda com a cabeça.

– Que droga, cara. Vou torcer para ele estar bem! Mas, nada me diz que estes fatos foram realizados pela mesma pessoa. Olhe a sua volta, tem uma cidade inteira repleta de mortos reanimados e pessoas piores ainda. Além disso, qualquer teria se afogado nesse dilúvio.

André aceita mais um pedaço de chocolate e volta para dentro da ambulância.

– Estou com a mão dolorida de tanto fazer ligação direta – reclama Alice, esticando os dedos – Mas André, Junior está certo.

– Olha, pode até ser – responde a voz de André – Mas, me diga, só há um grupo nessa cidade armado com bazucas e lança-chamas, quem seria?

Alice arregala os olhos, finalmente entendendo o que o menino quer dizer.

– Os militares?! Não, não é possível. São nossos maiores aliados! Fizemos até uma união entre os grupos de busca e coleta.

Clara retira os cabelos da cara e se senta junto ao irmão.

– Exatamente! Meu pai saiu numa viagem com eles e não voltou, o mesmo aconteceu com o jovem príncipe. Fomos a primeira expedição sem eles, e nosso ônibus EXPLODE!

Alice se levanta e entra na ambulância. Junior e Clara repartem o ultimo pedaço de chocolate e se levantam para continuarem a conversa.

– Olha, isso é estupidez. Somos aliados, o reino e os militares são amigos!

André está sentado no banco do motorista, remexendo nos fios. Alice ao seu lado. Junior e Clara entram no compartimento traseiro e fecham as portas. Os quatro mal sentem a chegada de dois mil mortos, apenas duas ruas de distância.

– Bem, supondo que eles sejam inimigos – diz Junior – Então...

– Então estamos abrindo as portas para dezenas de caras armados até os dentes – completa André – Sim, é exatamente esse o problema.

Clara não responde. A possibilidade é grande. Nunca confiou muito nos militares daquela cidade, principalmente aqueles dois que arrastaram seu grupo para dentro do Centro Cultural atrás de uma presidente morta.

– Sendo assim, a festa de hoje vai ser um arraso – concluiu Alice, apoiando a cabeça no vidro, distraidamente.

O motor ruge sob os pés de Clara instantes após o fim da conversa. André solta um suspiro e se ajeita melhor no banco. Aos quatorze anos, ele já sabia lutar bem com uma lança, atirar e dirigir um carro. Quase era possível ver o nível de ciúmes de Junior estourando os limites.

– Agora, vamos para casa! – comemora André, colocando a ambulância em marcha ré.

A multidão de mortos se torna visível. Dois mil corpos apodrecidos guiados pelo som das vozes alteradas e o cheiro de tecido vivo. A horda é tão densa que, de longe, o topo de seus crânios poderia ser confundido com uma enchente escura e repulsiva percorrendo a rua. Alice dá um grito ao notar, puxando o braço de André e apontando compulsivamente para a janela molhada. André arregala os olhos e pisa com força no acelerador. O veículo estremece, sem sair do lugar. Apenas segundos separam a ambulância da procissão mortífera.

– Estamos atolados! – grita Junior, olhando pelas janelas traseiras – Alguém vai precisar ir lá fora empurrar.

Os primeiros mortos se amontoam ao redor da ambulância. O veículo inteiro chacoalha, caindo perigosamente para a esquerda. O retrovisor e arrancado e diversas rachaduras se espalham pelo vidro do carona. André tenta dar partida mais uma vez, mas a ambulância mal se move.

– Ok, prestem atenção – diz ele, tentando promover calma – Junior e Clara, vocês saem primeiro. Tentem atrair o máximo dos “inimigos” para longe da ambulância. Alice, você assume o volante. Temos apenas segundos de chance, entenderam?

O grupo reage instantaneamente. André chuta a porta do motorista na mesma fração de segundo em que Junior e Clara abrem as portas traseiras. Os mortos avançam, estalando os dentes e esticando os braços. Clara derruba uma fêmea obesa com um único chute, dando tempo o suficiente para Junior cravar a faca em outro. Os dois se movimentam rápido. Descrevendo círculos e aplicando golpes. André está logo adiante, derrubando mais mordedores sozinho do que Junior e Clara juntos. A ponta da lança é quase imperceptível. Ela rasga gargantas e decapita crânios num mesmo microssegundo. Até mesmo Clara mal percebe a lâmina, só um borrão prateado sedento por sangue.

Os mortos se reagrupam na traseira da ambulância. Um mordedor enorme usando macacão esfarrapado tenta atacar Clara, e chega perto de fincar seus dentes podres no pescoço dela quando Junior consegue dar um tiro que arranca o topo da cabeça do infeliz.

Sangue preto e viscoso esguicha do ferimento, espirrando no rosto de Clara quando ela se fasta em direção aos fundos da ambulância. Alguns dos cadáveres sobem pela abertura trasiera do veículo. Clara fica surda – seus ouvidos estão zunindo por causa do tiro – enquanto retira sua pistola do cinto e dispara mais meia dúzia de vezes.

André surge de algum ponto à direita. Sua lança decapita mais dois mordedores, derrubando seus crânios na poça de 60 cm que cobre toda a rua. Os pés de Clara espalham água turva em todas as direções enquanto ela se movimenta na batalha travada. Seu rosto está sujo de sangue e suas roupas estão negras de fluidos cerebrais. Mesmo assim, ela continua o massacre, derrubando cadáveres reanimados e espalhando água. Nem metade dos mortos foi liquidada. Mais e mais continuam a surgir de todos os pontos, encurralando os três combatentes humanos contra as portas traseiras.

– Vou empurrar agora! – grita André, arrancando metade do rosto de um mordedor com um golpe rápido da lança – Preciso de cobertura, agora!

Junior abre fogo. Com um único gesto, o irmão de Clara recarrega a Colt 1911 e dispara meia dúzia de vezes. Clara ainda permanece com a faca, fincando-a na testa de uma senhora com a mesma rapidez do irmão. André se coloca entre os dois, empurrando a ambulância com toda a força. Ele grita para Alice, e segundos depois todo o veículo estremece. As rodas começam a girar, espirrando água em todos os combatentes do lado de fora. A ambulância se desprende do chão e arranca pela rua, realizando uma curva fechada, derrubando grande parte dos mortos-vivos.

– Subam, rápido! – grita André, abrindo caminho até a porta do motorista.

Clara e Junior pulam para dentro do compartimento traseiro no último instante. André esmaga o pé no acelerador, jogando toda a ambulância para frente. As portas traseiras se desprendem e afundam na enchente. Clara e o irmão rolam com o solavanco, derrubando caixas vazias. Alguns remédios caem das prateleiras, estourando cacos de vidro no chão. A ambulância percorre as ruas inundadas, jorrando água em todas as direções. A multidão de mortos fica para trás, até sumir na linha do horizonte.

– Ok, estão todos bem?! – pergunta André, ligando o limpador de para-brisas.

Clara levanta o polegar, ainda sem fôlego. Junior abre a caixa de balas e começa a recarregar a pistola.

– Falta pouco mais de duas horas para escurecer, acho eu – diz Alice, totalmente calma e limpa – Se conseguirmos chegar antes dos militares, podemos contar essa sua paranóia a Vossa Majestade e ver o que ele acha.

André vira a ambulância para a esquerda, depois para a direita. Alguns mordedores tentam seguir o veículo, mas são deixados para trás com uma onda de água suja.

– Nem me importo mais com isso – diz Junior, distraído – Só preciso de algo para comer.

A ambulância vira para esquerda mais uma vez e freia com força, cantando pneu e espalhando água. Uma horda maior ainda está parada no meio da rua. Quase três mil cadáveres em movimento em todos os estados imagináveis de decomposição se estendem até onde a vista alcança. Tropas de mordedores contornam de ambos os lados a avenida esquecida. Eles lembram uma geleira negra passando pelos carros quebrados e cruzando as pistas alagadas. Em alguns mal resta carne nos ossos, outros mordem o ar com as contrações involuntárias do vírus. Daquele ângulo, a impressão que se tem é que uma enorme enchente de pus infectado marcha em sua direção.

Dentro da ambulância, o terror e o choque arrepiam a nuca de todos.

– Vamos morrer! Vamos morrer todos hoje! – grita Alice, entrando em pânico.

André dá um soco no volante, apertando a buzina e chamando ainda mais a atenção dos mortos.

– Desgraçados! Estão ficando cada vez mais numerosos!

O garoto joga o veículo com toda força para trás. O solavanco faz Clara e Junior serem atirados contra o buraco deixado pelas portas. Os dois permanecem dentro da ambulância, mas por pouco. O automóvel perde o controle e arrebenta a fachada de uma boutique.

A vitrine explode em pedaços. Manequins e vestidos são jogados em todas as direções. O teto da loja desaba, amassando a ambulância. Os vidros se partem, enchendo o chão de cacos de vidro. Clara choca-se contra parede do compartimento e tudo ao seu redor embaça. Ela pode ouvir os outros arquejando e praguejando e ainda uma multidão de gemidos descontrolados e esfomeados.

– Desculpa, galera – diz a voz dolorida de André – O carro derrapou na água.

Alice pisa no acelerador, jogando todos para frente novamente. Junior e Clara se chocam contra a divisória da cabine. Alguns mordedores são lançados por cima ambulância, respingando sangue escuro em todas as direções. André gira o volante com uma guinada para a esquerda, desviando a ambulância da horda que se aproxima. O veículo arranca para frente a toda velocidade, como uma lancha cruzando o mar. Os mortos são deixados para trás até se transformarem em pontinhos negros, e depois sumirem.

A noite cai ao redor deles. A chuva dá uma pequena trégua, transformando-se em uma garoa fina. Os armazéns velhos dão espaço para prédios comerciais abandonados e arranha-céus estilhaçados. A ambulância atravessa a avenida principal do centro, ultrapassando a Igreja da Candelária e a Estação Central do Brasil. Cada vez mais se aproximam da escola/reino. Clara vai ficando mais nervosa à medida que os prédios vão passando num borrão de cores. E se André estiver certo?! E se os militares fossem realmente os inimigos?! E se Bernardo, Hugo e Gabriel estivessem correndo grande perigo?!

André para a ambulância com uma freada. No mesmo segundo, todos os quatro estão fora do carro, fissurados na terrível cena que se desenvolve a poucas quadras distância. Alice tapa a boca com as mãos, pasma. André cai de joelhos no asfalto e abaixa a cabeça. Ele estava certo. Completamente certo.

Uma enorme coluna de fumaça negra se erguia de três prédios iguais intercalados por pontes. A escola ardia em chamas.


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Notas finais do capítulo

No próximo capítulo:
O grupo dos militares chega à escola para a festa. Infelizmente, as coisas saem totalmente do controle.



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