The Walking Dead - Rio de Janeiro/ Temporada II escrita por HershelGreene


Capítulo 10
Capítulo X - Gabriel


Notas iniciais do capítulo

No capítulo anterior:
Hugo, Gabriel e Bernardo participam de um jantar em homenagem a uma colônia aliada ao reino, porém, a aliança não dura muito tempo.



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O céu abobado que se erguia acima da cidade estava escuro e salpicado de estrelas. Apenas uma fina linha rubra no horizonte indica o novo possível amanhecer, mas esta mesma linha está agora manchada, com o sangue de dezenas de inocentes que morreram no conflito que se estende por três prédios de pedra intercalados por passarelas.

Gabriel está parado em uma das antigas salas da educação infantil. As mesinhas com cadeiras coloridas estão espalhadas pelo cômodo e o chão está coberto de desenhos esquecidos pelo tempo. As janelas estão quebradas com os recentes tiroteios e a iluminação vem do enorme incêndio que se espalha ao redor da propriedade. Gritos distintos e o soar das metralhadoras enche seus ouvidos, ensurdecendo-o. O ar fede a sangue, a fumaça e a morte.

Os quatro estão revirando toda a sala em busca de suprimentos. Hugo e Bernardo estão mais afastados, remexendo nos armários descoloridos e nas mochilas, enquanto Clara descarrega suas coletas num carrinho de supermercado bambo. Gabriel fica na porta, de guarda, observando atentamente a sala e o corredor. Tudo ali parece destruído, como se a escola estivesse abandonada há séculos. Há portas arrombadas e o chão brilha com cacos de vidros diversos. E, o pior de tudo, há manchas de sangue por todo o lugar.

– Como é possível se viver num lugar destes?! – pergunta Gabriel, ainda atento aos detalhes do corredor – Podiam ao menos varrer o chão!

– Este prédio não era usado – responde Hugo, distraído com um monte de papéis velhos – Guilherme me disse que metade do segundo andar desabou, logo abaixo de onde estamos.

Clara termina de vasculhar seu canto da sala e atravessa o corredor para examinar outra. Eles ficam em silêncio durante um tempo, apenas coletando o máximo de recursos possíveis. A claridade do fogo se intensifica, iluminando a sala como um dia quente de verão. Gabriel desiste de fazer guarda e se encaminha para um escritório no fim do corredor, andando devagar, tenso. Ainda havia militares ali dentro, que não hesitaram matar quem quer que fosse. Gabriel reparara, durante a fuga daquele jantar, que nem as crianças foram poupadas.

As janelas do escritório estavam trincadas e a porta havia se soltado das dobradiças. Gabriel acende a lanterna recém-adquirida e lanças o facho de luz em todos os cantos, a procura de mortos, ou algo pior. Lá dentro, ele consegue algumas tesouras, chocolates, um rádio e algumas pilhas sobressalentes. Satisfeito, Gabriel reúne tudo numa mochila e retorna para a sala de aula. Seus passos, no entanto, são abafados por uma voz que ecoa pelo edifício, alta, clara e totalmente fria.

– SEI QUE MUITOS DE VOCÊS AINDA ESTÃO VIVOS, ESPERANDO A CHANCE PARA ABRIREM FOGO!

O som ressoa pelo corredor, assustando Hugo, Bernardo e Clara. O irmão mais novo de Gabriel retira a pistola do cós da jeans, num instinto quase natural. Os outros três se aproximam das janelas.

Albert Housen está parado no meio do pátio, com cinco outros militares e três reféns ajoelhados. Por um breve lampejo, Gabriel aponta o cano da pistola para o grupo abaixo, mas o olhar de apreensão de Hugo o faz parar.

– SE ESTOU CERTO DE AFIRMAR ISTO – diz a voz de Albert, saindo de um megafone em suas mãos – OUÇAM-ME COM ATENÇÃO! TENHO AQUI TRÊS CRIANÇAS SOB A MIRA DE MEUS HOMENS! SE ALGUÉM, ADULTO, MULHER OU CRIANÇA TIVER A AUDÁCIA DE ATIRAR EM NÓS, BEM... VIDAS ESTÃO EM JOGO!

Segue então um silêncio terrível, aquele que comprime os tímpanos de ansiedade. Hugo, Gabriel, Clara e Bernardo permanecem aguardando, a adrenalina já se espalhando pelas veias.

E então, as portas do pátio se abrem revelando duas figuras quase irreconhecíveis com a escuridão da noite. A primeira tenta se aproximar do grupo, mas seis armas são apontadas diretamente para ela.

– POR FAVOR! – grita a primeira figura, uma mulher – ELE NÃO TEM NADA A VER COM ISSO! ELE MEU FILHO, MEU FILHO!

A segunda figura, provavelmente o pai, agarra a mulher pelos ombros, afastando-a dos militares.

– Temos que fazer alguma coisa! – chia Gabriel, apreensivo – Ele vai matá-los!

Hugo concorda com um aceno, mas nada faz.

Albert atira três vezes, preenchendo o silêncio com gritos. O primeiro atinge a mãe, o segundo o pai e o terceiro mancha o chão com os fluidos do filho. Os outros dois reféns começam a chorar, desesperados.

– Ele matou os três?! – Bernardo se afasta da janela, horrorizado – Aquele cara é... Um monstro!

Gabriel fuzila Hugo com os olhos. O garoto responde com um simples aceno triste.

– Parabéns Hugo, você é fantástico! – diz Gabriel, perdendo o controle – Acabou de entregar três novas pessoas para a morte, satisfeito?!

Hugo fecha a cara, respirando forte. Uma granada explode em algum ponto distinto, provocado ou pelos militares, ou pelos rebeldes que sobreviveram as ultimas horas.

– Não me culpe por tudo, ok?! – diz Hugo, ríspido – Se atirarmos, ele vai nos encontrar, e todo o plano estará perdido! Que sangue quer ter nas mãos, o de pessoas desconhecidas, ou do Junior, André e Bernardo?!

– Quero minhas mãos limpas! – responde Gabriel, com o mesmo tom de acidez.

Clara responde com um olhar de reprovação aos dois.

– OK, MENOS UM! – retorna Albert – FALTAM DOIS!

Hugo e Gabriel permanecem se encarando, ríspidos, até que um estalar no corredor anuncia a presença de estranhos. Clara aponta o rifle – adquirido de um militar morto – e se coloca numa posição defensiva atrás da mesa. Hugo saca pistola, Gabriel faz o mesmo, e os quatro ficam à espreita, esperando.

A porta da sala se abre com um ranger e três adolescentes invadem o cômodo. Gabriel se recorda do menino, um maconheiro qualquer do ensino médio, mais a menina de mãos dadas com ele é novidade. A verdadeira surpresa é Sarah, uma antiga amiga de Gabriel, responsável por alertar a todos sobre a queda das cercas, há um ano e meio atrás.

Gabriel solta um sorriso e abaixa sua arma, Bernardo e Clara fazem o mesmo, mas Hugo permanece imóvel, o rosto impassível.

– O quê vocês querem?! – diz ele, quase como uma autoridade – O quê estão fazendo aqui?!

O maconheiro e a namorada levantam as mãos. Sarah parece chocada com a atitude, mas Gabriel não pode culpá-la. Hugo pode ser o melhor amigo no mundo, mas o ego anda sempre muito alto

– Opa chefia, calma aê né?! – diz o vagabundo, sorrindo – Somos seres humanos ainda, lembra?!

– Claro que lembro, são tão humanos quanto o ditador militar lá de baixo – diz Hugo, ainda ácido – Vou perguntar novamente, o que estão fazendo aqui?!

Sarah dá um passo à frente. O calor do incêndio se intensifica nas janelas, passando da quadra para o prédio administrativo.

– Hugo, não está me reconhecendo?! – diz ela, acenando assustada – Fui eu quem te mostrou toda a colônia, lembra?! Somos amigos!

– Sim, e lembro também que você me forçou a estar presente naquele jantar! - continua Hugo – Mas você não sabia, não é?!

Os olhos de Sarah se enchem de lágrimas. Mais um tiro ecoa no pátio abaixo, menos uma pessoa.

– Claro que não! – diz ela, chorosa – Hugo, eu perdi pessoas também, quero matá-los tanto quanto você! Não somos inimigos, eu juro!

Hugo finalmente aceita, e abaixa o cano da pistola.

– Vamos roubar um dos ônibus na garagem e partir deste inferno! – conta ele, ajudando Clara a empurrar o carrinho para fora da sala de aula – Se forem nos seguir, sejam discretos, só usem armas de fogo quando necessário, ok?

Os três concordam em silêncio.

O grupo – agora formado por sete integrantes – começa a se movimentar cautelosamente pelo corredor. Hugo e Clara lideram, empurrando o carrinho com o maior cuidado, Gabriel segue após eles, mergulhado nos próprios pensamentos. Bernardo, Sarah e os dois namorados maconheiros fecham a fila. Os sete começam a descer a escada, tentando produzir o mínimo de barulho possível, mas algo os faz parar em pleno patamar

– FALTA APENAS UM! – soa a voz de Albert – E ESTE É ESPECIAL! VAMOS MATAR O “PEQUENO PRÍNCIPE”, SENHORAS E SENHORAS! ASSIM COMO FIZEMOS COM O PAPAI DELE, A MAMÃE E O MANINHO!

Hugo olha para Sarah, procurando explicação.

– Guilherme tinha dois filhos – responde ela, aos sussurros – Após essa ideia de monarquia, eles ficaram conhecidos como “pequeno príncipe” e “jovem príncipe”! Pelo o que eu lembro, o menor não tem nem dez anos!

Gabriel troca olhares surpresos com Hugo. “Jovem Príncipe”, aquele morto na estação central do Brasil, atingido por um de seus próprios aliados. As peças começam a fazer sentido na mente de Gabriel.

Hugo prevê os acontecimentos, tarde demais.

– Gabriel, nã...

Não adianta, Gabriel derruba os dois maconheiros e retorna para a sala de aula, em disparada. O sangue ferve-lhe a cabeça, impedindo-o de pensar direito. Tudo o que ele quer e vingar o jovem na estação, e tentar impedir a morte de uma criança. Ele aponta o cano da pistola e dispara tantas vezes que perde a conta. Três cartuchos, quatro, cinco. Ele mal percebe as pessoas lá embaixo, correndo para se proteger da chuva de balas, e o incêndio que começa a se alastrar pelo prédio ao lado.

Algo repentinamente agarra o ombro de Gabriel e o derruba de costas no chão. Num segundo, Hugo e Clara estão sob ele, retirando a pistola de sua mão.

– Você perdeu a noção?! – grita Clara

Gabriel começa a rir histericamente.

– Ficou maluco, só pode – diz Hugo, chutando a arma do amigo para um canto escuro da sala.

– Não Hugo, você ficou maluco! – responde Gabriel, abandonando o riso – Você está diferente, cara! Aqueles lá embaixo eram crianças, crianças! Menores do que o meu irmão! Você mudou após o Iguatemi, virou desumano!

Um único tiro ressoa nas janelas. Sarah, que observava o pátio, coloca a mão na boca, espantada.

– Viu o que você fez! – Hugo começa a gritar – Ele só ia matá-lo se alguém abrisse fogo! E você foi lá e começou a descarregar a pistola como um idiota!

– Idiota é você em achar que ele pouparia a vida daquela criança! – responde Gabriel.

Hugo acerta Gabriel com um único soco. A cabeça do garoto se choca com o pé de uma mesa e o lábio inferior se abre. Gabriel cospe sangue no chão e se joga contra o amigo, lançando os dois contra o chão cheio de cacos. Clara e Bernardo se põem entre os dois, separando a briga. A garota tenta soltar um grito para acalmá-los, mas o caos explode antes que o som saia de sua boca.

Do lado de fora, Albert grita apenas um palavras, e os militares abrem fogo. Sarah empurra todos para o chão, jogando-os novamente contra os cacos. As paredes, o teto, as portas e as mesas são perfuradas por centenas de tiros disparados no mesmo segundo. Gabriel começa a se arrastar pelo chão imundo, levando Bernardo consigo. Os outros seguem o som dos gritos do casal de maconheiros parados no meio do corredor.

A última pessoa a sair da sala, Clara, rola para o meio do corredor apenas meia fração de segundos antes que metade do teto desabe, entulhando a porta.

– Graças a Deus! – suspira Sarah, com alguns cortes no rosto e coberta de poeira.

Hugo se levanta com dificuldade e ajuda Gabriel a se pôr em pé, como um amigável pedido de desculpas. Os dois, afinal, eram melhores amigos desde o pré II.

– Clara, tudo ok?! – pergunta Hugo, respirando com dificuldade – Bernardo, Sarah?!

Os três levantam os polegares, ainda sem poderem falar.

– Sua bronquite vai voltar! – murmura Gabriel para Hugo.

Hugo lança um olha para o garoto – Como você sabe disso?! -.

– Cara, eu te conheço – responde ele, limpando a poeira da cara com o dorso da mão – Sei quando sua respiração começa a chiar!

Hugo solta um risada estrangulada, intercalada por crises de tosse. Os tiros dos militares não cessam. Clara se recupera do susto e lidera o grupo novamente para as escadas, desta vez com um pouco mais de rapidez. Os sete avançam pelo segundo andar, onde antes existia uma cantina para os pequenos. Mas agora, quase todas as paredes haviam caído e o chão se enchera de entulho, um enorme buraco na cozinha revela uma das ruas laterais da propriedade.

– Esperem aqui – diz Gabriel, parando o carrinho – Vou dar uma vasculhada naquelas geladeiras, volto num instante!

Bernardo acena e Clara murmura um “tome cuidado”, mas Gabriel os ignora. O garoto invade a cantina, tomando cuidado com os destroços espalhados. Ele caminha com dificuldades, mas não demora muito para se aproximar dos três enormes refrigeradores esquecidos num canto perto da janela. Ele abre o primeiro, e três ratos fogem por debaixo de suas pernas, provocando não mais que um grito estrangulado de Sarah. No segundo e consegue três garrafas de água e no terceiro, alguns enlatados e conservas. Gabriel gira o corpo, pronto para retornar ao grupo, quando mais um acontecimento inusitado sacode o alvorecer.

Um tanque EE-T1 Osório chacoalha em direção à muralha norte da colônia, passando por cima de uma multidão de mortos guiados até ali pelo som do tiroteio constante. O cano do tanque se choca com as cercas, a madeira e o metal retorcido cedem, os pedaços começam a cair e os holofotes de tungstênio usados pela patrulham se quebram com a avalanche. A barulheira e como uma tempestade.

A muralha solta um estalo terrível, e então tudo desmorona.

Seguidos pelo som da besta enorme de ferro, uma horda de incontáveis mordedores força passagens por entre os arames retorcidos e os destroços espalhados. Mais um pedaço da muralha desaba, carregado pela força da enorme onda negra e repulsiva que invade o pátio norte da colônia. O coro de gemidos esfomeados invade os corredores da escola, carregando consigo o cheiro habitual de podridão e decomposição.

Gabriel percebe que os outros se aproximaram dele para observar a cena na janela.

– Eles arrebentaram a muralha... – murmura Hugo, catatônico – com a porra de um tanque!

– Estamos mortos! – comenta o maconheiro.

Incapacitados de terem uma visão mais ampla do pátio, os sete ali reunidos nem percebem que a horda desvia seu curso diretamente para as escadas de acesso à cantina, dezenas de mortos subindo de cada vez.

– Vamos continuar com o plano – diz Hugo, confiante – Clara, me ajude com o carrinho. Sarah, você e o seu amigo ai vão na frente, escolhendo o caminho. Precisamos chegar à garagem agora para encontrar os outros!

As portas da escadaria se abrem com um baque surdo, liberando a passagens de dezenas mais dezenas de mortos. O grupo se divide. Hugo, Clara e Gabriel são encurralados contra os banheiros, enquanto o resto continua na cozinha. Bernardo solta um grito, o mesmo acontece com a namorada do maconheiro.

– Precisamos abrir caminho entre eles! – grita a voz de Hugo, abafado pelos gemidos esfomeados – Não poupem munição!

Eram as palavras que Gabriel queria ouvir. Quase instantaneamente, o garoto começa a disparar dezenas de vezes contra a repugnante invasão de cadáveres. Os corpos vão caindo gradualmente, inundando o piso com sangue carmesim intenso e fluido cerebrais. Hugo começa a se locomover entre os mortos, preferindo usar a faca de caça. Clara os acompanha de perto, usando todas as armas ao seu dispor. O trio continua o massacre até se encontrem com o restante, parados entre as mesas retorcidas.

– Não há como sair daqui! – grita Sarah, arrancando o topo do crânio de um defunto com um tiro certeiro.

– O buraco na fachada! – grita Hugo, acertando um macho bem entre os olhos.

O maconheiro puxa o gatilho do rifle, derrubando dois de uma única vez. Clara afunda seu facão até metade da testa de uma idosa ossuda.

– Não dá também! – responde Sarah, atirando à queima-roupa contra uma mulher usando casaco de pele – Isso aqui é só um terço do que tem lá fora!

Hugo solta um palavrão, frustrado. Mas Gabriel tem uma ideia. Sozinho, o garoto começa a se movimentar para a esquerda, derrubando dois obesos de macacão e uma velha nua, em direção as geladeiras. Os outros o seguem, produzindo quinze baixas ao total. Gabriel atira duas vezes, o primeiro acerta um macho na jugular, o outro atinge a janela numa explosão de cacos.

– Tem uma caçamba de lixo aqui embaixo! – grita ele, enquanto derruba uma fêmea cós as tripas expostas.

– Quer que nos pulemos daí?! – pergunta Hugo, parando o massacre para avaliar.

– Tem ideia melhor?! – diz Gabriel, cravando a faca numa criança imunda.

Hugo murmura qualquer coisa inaudível, mas não abre mais a boca. O primeiro a pular é o vagabundo maconheiro, seguido pela namora, Sarah, Bernardo, Clara, até que apenas Gabriel e Hugo permaneçam na sala, contra dezenas de cadáveres.

– Primeiro você! – diz Hugo, arrancando metade do crânio de um.

– Não, você primeiro! – contraria Gabriel, cravando a faca em outro.

– Juntos, então! – grita Hugo, e os dois se lançam de costas para o vazio.

A dor chega logo depois. Com um enorme baque, os dois aterrissam num monte de sacos de lixo pretos, fedendo a urina e dejetos. Eles se levantam, tontos, enquanto os outros cinco se espalham pelo pátio infestado de mortos. O tanque continua ali, parado, tendo como serviço apenas abrir caminho para os mortos.

– Vamos! – grita Hugo, saindo da caçamba já com a pistola em mãos – Para a rua, agora!

Os seis ouvem o grito e começam a se deslocar para o buraco na muralha, abrindo caminho por entre legiões de mortos reanimados. Por um momento, Gabriel teme sair dali, enfrentar os perigos do mundo externo, voltar novamente a ser nômade. Mas, por incrível que pareça, há um ônibus escolar estacionado na frente dos portões massacrados. Ele consegue ver o rosto de Junior entre os tripulantes e ouvir o som da lança de André, cortando crânio com facilidade. E, por um momento, o coração de Gabriel se enche de esperança.

A bala .22 acerta o maconheiro nas costas – explodindo sua coluna e seu peito de uma única vez -, surpreendentemente. O garoto cai de joelhos no meio da rua, e então seu corpo desaba para trás, sucumbindo-se a multidão de mortos esfomeados.

As pernas de Gabriel perdem a força e ele tomba nos asfalto frio. Albert estava parado em pé no tanque, com uma pose digna de herói grego, ainda apontando para o morto. O ódio percorre as veias de Gabriel e lhe dá forças para avançar, esganá-lo e matá-lo com as próprias mãos, nem que ele tenha que morrer em seguida.

Mãos gentis arrastam Gabriel para dentro do ônibus e o colocam em um dos bancos. Ele mal nota as lágrimas que caem, e nem entende o motivo. O garoto nem sabia seu nome, e vice-versa. Deve ser porque Gabriel fora estúpido demais para se encher de esperança.

Esperança não era uma palavra adequada para o vocabulário do mundo onde viviam. O mundo dos mortos, aqueles seres frios, sem sentimentos e emoções, com a alma oca, vazia.

O ônibus escolar avança por uma rua paralela, deixando para trás uma enorme coluna de fumaça ao amanhecer.


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