Espelho de Gauss escrita por xoxors


Capítulo 4
A dança dos cisnes


Notas iniciais do capítulo

Sorry a demora, eu acabei me envolvendo com outros projetos e esqueci de postar e.e



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Era domingo e ele bebia chá como Zachy gostava de fazer as quintas e aos domingos. Era de um verde aguado e sem graça e a fumaça espiralava da xícara para o teto com uma coloração meio branca e meio prata, como as paredes do quarto que eles compartilhavam e os olhos dele que sempre estavam lá.

E agora não estavam mais.

Mesmo um ano e dez meses depois ele continuava não estando lá, mesmo depois de ter chorado lágrimas prateadas e ter pedido a lua na noite do eclipse, Zachy não havia voltado, e só Deus para saber onde ele estava, porque no semestre passado ele havia pedido transferência, e mesmo antes disso, eles já não se esbarravam mais nos corredores como costumava acontecer a um ano e dez meses antes de sua vida virar a fumaça do chá verde que Zachy tanto gostava: disforme, incorpórea e preenchida por cinza.

Que era a cor dos olhos dele.

Será que Zachy ainda pensava nele, será que se lembrava dos seus momentos juntos e chorava. Ou se ainda ouvia Beatles em uma velha vitrola como ele fazia agora? Esperava que não. Zachy já havia sofrido muito por ele, agora ele merecia estar em um lugar onde a fumaça do chá fosse apenas isso, e não uma representação metafórica da alma.

Ethan. E. Zachy.

Era disso que eles precisavam, de pontos finais cheios e rechonchudos entre eles e, de preferência, espaços entre os pontos também. Eles precisavam ser como retas paralelas que, apesar de sempre seguirem adiante pelo infinito, nunca e jamais se encontravam sobre o plano, esse ou aquele ou com plano nenhum.

Chorou de novo, e as lagrimas que escorriam era tão quentes quanto o chá, e seu coração era tão vazio quanto os espaços entre as letras de Something, que tocava na velha vitrola que ele não teve coragem de jogar fora.

Vestia a blusa vermelha que Zachy havia lhe dado no aniversário de um mês de namoro deles, no tempo que eles eram felizes e a receita ainda fazia o bolo fermentar, antes de ele tentar conciliar a bebida e Zachy.

A camisa ainda era tão vermelha como sempre fora e hoje seria o aniversário de namoro deles. O sol ia de leste a oeste, o dia ia para noite, as estações mudavam, as folhas caiam e voltavam, mas a falta de Zachy ainda estava lá, como a camisa que ele havia lhe dado e que ainda era tão vermelha como sempre fora. E Ethan ainda o amava como o vermelho. Tudo ainda era igual.

Os espaços entre os dois estavam cheios de pessoas conhecidas, mas nenhuma delas falava de Zachy para Ethan, talvez em sinal de respeito, talvez pelo silêncio que o tomava nas sextas a noite, sábados a tarde e, talvez, fosse pelo vinho que ele jogou na pia a três meses atrás e o observou escorrer, domingo à tardinha, talvez pelo cinzeiro abarrotado e pelas festas cada vez menos frequentes, ou vermelho como seu coração que bombeava sangue e batia por Zachy, vermelho como a camiseta que ele vestia agora.

Seja como for, ele apreciava o silêncio, ele agradecia a oportunidade que lhe era dada para especular, os momentos da madrugada onde olhava para a lua e pensava em Zachy, ou observava os asfaltos cinzentos e desgastados e pensava em qual asfalto cinzento e desgastado ele estaria agora, e com quem estaria, com qual expressão, levando livros na mão ou nada? Ou ainda, quando ele bebia chá fumando um cigarro, e o largava pela metade no cinzeiro e ia escrever, porque ele sempre se sentia mais poeta no domingo à tardinha, com um por do sol tão límpido e de cores tão vivas quanto Zachy.

Era bom, às vezes, e Ethan gostava de poetizar sobre o mundo, sobre o cigarro, o cinza e o vermelho e o branco do gozo. E sobre Zachy.

Mas, na sexta à noite, seus amigos o levaram para um barzinho com músicas ao vivo sobre separações e finais infelizes-para-sempre, sobre flores murchas e amores vazios como os corpos dos outros homens eram ao toque de Ethan, porque nenhum deles era quem ele queria. Porque Zachy era o mais próximo da perfeição possível para existir, como a proporção áurea². Ele era como a Vênus de Milo de seu mundo.

Entre uma taça de vinho e um copo de whisky, eles soube, oh sim, soube. Eles falaram de Zachy e de como ele ainda gostava de sorvete no parque e caminhadas até a floricultura, e seu sorriso, mesmo ligeiramente mais apagado, ainda era a visão mais bonita que poderia existir, ainda mais sob o pôr do sol. E de como seu novo namorado adorava apreciar esse espetáculo, mais do que as flores e mais do que o parque, ele preferia Zachy, ele priorizava Zachy, mesmo nas noites de sexta, ou tardinhas de sábado ou qualquer outro dia da semana.

Eles falaram que Zachy agora tinha um bonito e delicado anel de compromisso no dedo fino.

Compromisso.

Aquilo em que você assume para todo mundo o acordo que existe entre as duas partes, que se dão tão bem que precisam de um anel para oficializar.

Compromisso.

A estabilidade de um relacionamento sólido, com flores e filmes românticos e tudo o mais que Ethan não conseguiu dar a Zachy. E que, agora, ele tinha em outra pessoa.

Ethan quis gritar, se estapear, beber até cair. Mas ele sorriu. Porque Zachy agora era feliz, ele sabia que sim, e agora Zachy podia dormir e ele tinha o melhor com uma pessoa melhor, que era exatamente o que ele merecia.

Um sorriso. Uma lágrima e soluços estrangulados entre as paredes brancas do seu quarto. A garrafa de vodca que ele comprou no caminho de casa ainda estava lá, lacrada e intocada sobre a mesa e ele a encarava. Mas não bebeu, porque Zachy era o melhor de si, era a parte mais bonita da sua vida e o passado mais doce de história, e ele merecia seu melhor agora, mesmo que não diretamente para ele. Porque ele já tinha o melhor com uma pessoa melhor que o fazia bem de uma forma que Ethan nunca fez. E era o suficiente.

E ia parar com os cigarros também, sabia que Zachy não gostava do cheiro. Além disso, a fumaça cinza e espiralada tinha, pouco a pouco, coberto todo o aroma de Zachy, e Ethan teve raiva disso, portanto, atirou toda cartela de Malboro pela janela e a deixou cair na noite.

Quase não tinha estrelas no céu. Ainda assim, ele sentou na calçada, sozinho, e olhou os poucos pontos brilhantes visíveis. Nesses momentos, era um saco morar em uma cidade grande e com um transito caótico, ele podia entender o fascínio de Zachy por férias no campo e céus estrelados.

Ficou horas sentado, enquanto a brisa se transformava em vento e deixava seus fios desalinhados e levava o Malboro para mais longe de si. Então, já no quarto, dormiu e sonhou com chá e Zachy e em como ele era gracioso dançando, com seu corpo magro e seu sorriso lindo como o pôr do sol avermelhado.

x-x

Esse era o dia do almoço da oficialização do compromisso, segundo os amigos em comum que possuíam.

Era um sábado ¼ nublado e ¼ cinzento, mais metade solitário e vazio, como os espaços entre as letras de Something.

Ele acordou cedo porque não conseguia mais dormir. Demorou para o sol aparecer, e foi enquanto ele pintava o céu com uma aquarela, que ele assistiu a fita que havia chegado essa manhã, junto com o jornal.

O endereço do remetente era de Nova York mesmo. Era uma peça musical que Zachy tinha participado quando criança, uma releitura infantil do Lago dos Cisnes feita pela escola de balé que ele participava aos 14 anos, paga pelos vizinhos que o criaram enquanto o pai sumia por noites e dias.

Tudo era tão gracioso que Ethan se sentia flutuar, lembrou-se de quando assistiu a essa mesma fita com Zachy e ele sorria e seus olhos brilhavam com um orgulho de um sonho que começa a se realizar.

Queria muito ler a carta que veio dentro da embalagem da fita, mas se segurava, respirava fundo, vezes e vezes, tentando buscar a coragem junto com o inspirar profundo, mas ela parecia sumir ao expirar.

As palavras de Zachy estavam naquele papel, estavam em sua mão agora, pronta para serem lidas na caligrafia pequena e delicada, mas ele tinha medo.

Finalmente, quando já não havia mais como adiar, e a curiosidade e desejo de ler o que Zachy tinha a dizer foi maior que o temor, ele abriu o envelope e desembrulhou o papel.

“Querido Ethan,

Lembra quando assistimos a esse vídeo juntos pela primeira vez?

Você sorria e dizia que eu era gracioso dançando, e que meu corpo magro tinha nascido para isso. Eu fiquei tão feliz que queria fazer a peça de novo só para você no meio da nossa sala. Eu não gostava do meu corpo magro demais e minha pele branca demais, mas você me olhava com suavidade e me tocava com delicadeza, então passei a gostar de todas essas coisas que não gostava.

O que mais gostaria era de ter sido o suficiente para você, de poder dançar para você agora, e fazer a peça que você me pedisse, talvez até pudesse tocar algo se quisesse, porque eu amo ver você tocar. Ainda hoje eu vi aquele vídeo que gravei no celular de você tocando no Central Park, e foi lindo observar seus olhos verdes brilhando enquanto alternava o olhar do violão para mim.

Você tocou Because naquele dia, e o céu era azul e belo e você parecia uma pintura do século XVIII.

Não sei se já sabe, mas a duas semanas atrás eu recebi um anel de compromisso do meu namorado, ele disse que me ama e que queria ter uma relação estável comigo. Eu aceitei, e estava feliz, embora ainda acorde no meio da noite entre os braços dele desejando que fosse você.

Na noite de natal que eu te liguei, eu queria mesmo ter o pior se fosse com você, a verdade é que eu queria qualquer coisa se fosse com você. Ainda quero.

Harry me ama, me faz feliz e fica a noite toda comigo, ele olha as estrelas também, e diz que elas são bonitas. Mas ele não é você, mesmo que na estrela cadente que passou aqui no mês passado eu tenha pedido que fosse.

Eu quero te esquecer, mas sei que não vou. Você está nas ruas que eu ando, nas músicas que eu escuto, nas flores que compro, nos musicais que participo. Você está nos chás, na camisa vermelha e no meu coração. Está, principalmente nas reticências que insisto em ver, mesmo que você já tenha posto um ponto final na noite de Natal.

Aliás, eu espero que você ainda tenha aquela camisa vermelha que eu te dei, mas tudo bem se você deu, ou se jogou fora, mesmo que agora eu escute mais Because do que Something.

Eu gosto de livros, de chás, de vírgulas e de você.

Mas está na hora de eu por um ponto final também,

Com amor, Zachy.”


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Notas finais do capítulo

Eu chorei com essa carta :c
Enfim, fic terminada, eles não terminam juntos pq eu quis fazer algo mais "realista"
nos vemos na próxima
xoxo, ronnie



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