Por Jonas

Eu andava de um lado para outro em minha sala há algum tempo. Consegui chegar lá depois de uma sabatina enorme de perguntas das quais não tinha respostas... Eu detestava quando não sabia algo, mas era a mais pura verdade, precisava de informações para respondê-las. Enquanto esperava as informações, comecei a pensar que nos últimos tempos, alguém lá em cima devia estar com alguma birra comigo ou talvez eu já estivesse pagando pelos meus pecados que não eram poucos, já que tudo o que eu fazia ultimamente vinha cheio dos problemas e empecilhos mais inesperados... Até mesmo o concurso que era a minha carta na manga para acertar a situação, poderia cair em descrédito...

Se não bastasse o nome Golias, também havia o de Megan, ainda não se tinha certeza absoluta que fosse a minha filha... Mas eu tinha certeza que era. E me perguntava como a minha Megan fizera aquilo? Era inconcebível para mim que ela conseguisse invadir o sistema. Então como o nome dela fora parar lá? Devia ser mais uma das suas brincadeiras para me afrontar. Mas ela não sabia, que dessa vez, brincava com algo sério. Meu tempo era curto. Enfrentar os problemas provenientes da sua entrada, poderia atrasar o meu plano, e possivelmente botar tudo a perder.

Finalmente, Murphy apareceu agitado em minha sala:

– Boss, as pessoas estão chamando o concurso de reunião de família, concurso marmelada ou ...

– Eu sei, Murphy! Agora me passa as informações que pedi... Você conseguiu, não? – perguntei irritado, não precisava de ninguém repetindo o que eu já sabia.

– Consegui dados sobre alguns candidatos...

– Então fala logo!

– Ok, boss. Danusa Marra é a sua sobrinha.

– Eu já imaginava! Esse é o menor dos problemas... O que mais?

– Vicente Monteiro, ou melhor, Vicente Monteiro Neto, é o filho da jornalista...

– Da Verônica? Bem...- fiquei pensativo – Isso eu não esperava, mas não vejo um problema tão grande ... -fui interrompido.

– É por que o senhor não sabe que o nome real do Golias, é Davi... Davi Monteiro.

– O irmão da Verônica?

– Sim, ele e o sobrinho entraram no concurso e se já chamavam de reunião de família por causa da presença de Marras... Imagine, agora... Será reunião de famílias? - ele riu se divertindo.

– Murphy! Cala a boca- aumentei meu tom de voz, aquela não era uma situação engraçada para mim- Então o famoso Golias é ... – mais uma vez refleti, não esperava que o meu algoz estivesse tão perto, ele era o irmão da mulher que não saia da minha cabeça, mas esse nem era o maior dos meus problemas e voltei o meu foco para a realidade – E a tal Megan?

– A pessoa que colocou o nome, usou um programa que escondeu o IP, sua localização e demais informações. Assim, não conseguimos nada sobre ela... Não sabemos nem se é realmente Miss Megan.

– Só pode ser ela, Murphy. E isso vai comprometer toda a credibilidade do concurso, também com a minha filha como uma das concorrentes, qualquer um acharia que é marmelada.

– Boss... O senhor não pensou em algo que pode desclassificá-la. Uma das regras diz que o candidato tem que ser brasileiro nato e Miss Megan...

–É brasileira nata, Murphy... Não é, dad? – Megan apareceu repentinamente na sala.

– Então realmente foi você? Como conseguiu entrar? – perguntei.

– Esclareça o Murphy sobre a minha nacionalidade – ela olhou para Murphy que parecia confuso, eu estava nervoso, não era assim que deveria lidar com Megan, e aquele intervalo para explicar, talvez me acalmasse.

– Quando Pam estava grávida, ela decidiu visitar uma associação de mulheres e mães no interior do Ceará, achou que a gravidez ajudaria a divulgar melhor a causa. Os médicos foram contra uma viagem longa com a gestação avançada, mas ela não os ouviu. O pior aconteceu, pois Pamela sofreu uma pequena queda na organização, o que adiantou o seu parto, que foi bem complicado, num lugar com poucos recursos, e inclusive acabou a impossibilitando de ter outros filhos. Megan na verdade é brasileira sim.

– See? Revelações inesperadas... Sou cearense. Murphy... E você acredita que mesmo com a família correndo risco aqui, ele não veio para o Brasil? Só foi me conhecer dias depois quando eu e minha mom voltamos.

– Murphy, me deixe a sós com minha filha. – ele saiu e eu voltei a falar com ela -Megan, eu não podia vir para o Brasil naquela época ...

– É claro, você sempre colocou a Marra à frente da sua família - disse irritada, ela não sabia que havia outros motivos para eu não voltar ao Brasil naquela situação – Você sempre nos colocou de lado, me colocou de lado! Por isso entrei nesse concurso, Dad. Mesmo eu sendo a sua única filha, a herdeira da Marra, fiquei no escuro sobre essa história de sucessor. Nem pensou que ... Agiu como se isso não me importasse. Descobri junto com todos... E para mostrar a você, I’m in, sou uma das candidatas a new Jonas Marra...

–Peanuts, por causa de uma birra, você pode estragar tudo... Estão falando que facilitamos a sua entrada. Tem ideia de como isso vai abalar o concurso? Você nunca demonstrou interesse na Marra. Eu não pensava que ...

– Claro, você sempre colocou a Marra na frente de tudo. Pensei que não precisava de mais gente nessa vibe!

– Eu não te coloquei no concurso, então como você conseguiu invadir o meu computador? – fui direto.

– Você não acredita que eu consegui entrar com as minhas habilidades? –ela me perguntou com sarcasmo.

– Claro que não!

– Pois bem ... Eu consegui entrar com my money, dinheiro compra tudo, não? Paguei um hacker para colocar o meu nome no seu computador.- ela disse desaforada.

– Então vamos te desclassificar por isso.

– Aí que você se engana, Jonas Marra. Li todas as regras, e em momento algum diz que você próprio tem que invadir, apenas que tem que colocar o nome... E foi isso que fiz, o nome Megan Lilly Parker Marra apareceu. Então estou classificada... Dad, se você tentar me tirar por causa disso, vai se ver com os meus advogados .

– Megan, desiste dessa brincadeira... Além dos problemas que trará para imagem do “Geração Brasil”... Você pode pagar alguém agora, mas no concurso não poderá fazer o mesmo, me certificarei disso... Desiste dessa vaga e dê a chance a alguém que realmente pode vencer!

– Quem disse que eu não posso vencer? – ela berrou com tanta obstinação que eu quase acreditei – Dad, você não sabe do que eu sou capaz... E ahhh... Pode ficar tranquilo, contarei aos jornalistas como entrei de verdade, e direi que Jonas Marra não tem nada a ver com isso.

Algum tempo depois, eu vi a entrevista de Megan. Ela tinha a mesma pose, demonstrava o seu charme e sua superficialidade de patricinha, falava da sua entrada no concurso, contou a mesma história e me isentou de qualquer participação (não sei se os jornalistas e o público acreditaram nisso). Demonstrou um bom desprezo pelo “Geração Brasil”, para ela, era como se estivesse indo a mais uma balada... Pam estava com ela e a apoiava. Se mostrava uma mãe orgulhosa por sua filha espertinha ter descoberto uma brecha nas regras do concurso (não sei se era o melhor comportamento, já que Megan entrara de maneira legal, fora uma jogada esperta, mas um pouco imoral, só que minha esposa sempre passava a mão na cabeça da nossa filha e eu a deixava lidar com Megan do jeito que achava melhor, eu não era o melhor exemplo, mas lembrei do meu pai, o homem que mais admirei em minha vida, e pensei que com certeza ele não me apoiaria se eu agisse assim, ele não me apoiou em algumas ações do passado, eu o decepcionei tantas vezes, e isso ainda doía em meu peito, mesmo décadas após sua morte). Não tinha jeito, Megan iria participar... Mas se ela achava que seria fácil, estava muito enganada.

Ainda pensava nisso, quando escutei uma voz doce, ao mesmo tempo em que um perfume refrescante e delicioso de erva doce e algo mais, algo só dela, chegava as minhas narinas:

– Um real pelos pensamentos do grande Jonas Marra... – falou Verônica, como aquela voz e cheiro me atraíam tanto.

– Acho que meus pensamentos valem mais que isso – brinquei, a situação era complicada, mas aquela linda mulher conseguia que eu brincasse nos momentos mais tensos.

– Quanto mais? – ela perguntou e eu olhei para os seus lábios, pensei num beijo, como eu queria beijar aqueles lábios, eles me pareciam tão macios, eram tão beijáveis! Tinha a impressão que se sentisse o gosto dela, esqueceria todos os meus problemas.

– Um sorriso – claro que eu não podia pedir um beijo, só se eu quisesse arrumar mais confusão, e um sorriso já seria acolhedor.

– Pronto! Fiz a minha parte... – ela sorriu sedutora e eu me desarmei.

– O que mais eu estaria pensando, Verônica? O concurso... Megan... Os outros candidatos... Achei que dessa vez, as coisas se ajeitariam... Mas a minha dor de cabeça só aumentou.

– A entrada de Megan é mesmo uma dor de cabeça, Jonas?

– Enorme... – eu era sincero, ela me fazia querer ser mais verdadeiro e eu sentia que podia ser assim com ela- Verônica, o que ela contou é verdade. Não tenho nada a ver com a entrada dela... Ao contrário, tentei dissuadi-la... Mas como ela quer me desafiar, isso só a fez continuar. Não subestime a minha inteligência... Eu não voltei ao Brasil, trouxe a Marra para cá, criei um concurso para escolher o meu sucessor, só para colocar a minha filha nele e escolhê-la. Se eu quisesse colocar Megan à frente da Marra, não precisaria de concurso, teria ficado em San Francisco mesmo, e para ser sincero, sei que ela não tem capacidade e nem vontade para assumir a empresa. A participação de Megan só vai desacreditar o “Geração Brasil” e te garanto que ele é sério! Vai ser uma seleção imparcial, o melhor vai ganhar e assumir a Marra.

– Entendo.... Em relação aos outros candidatos, mais algum te traz dor de cabeça? – ela falou de maneira delicada, eu sabia que era uma entrevista, mas pela sua maneira era como se preocupasse comigo.

– Claro, mais de um... Também não trouxe uma boa impressão, o fato da minha sobrinha ter se classificado....

– Danusa Marra...

– Espero que ela ao menos tenha as habilidades necessárias para conseguir invadir um sistema.

– Creio que sim, ela é estudante de Sistemas de Informação e parece ser uma boa garota.

– É, a minha família e sua, só tá me arrumou confusão no concurso! – sorri mais tranquilo.

– A minha? Então, o Vicente Monteiro é o meu Vicente mesmo? –ela perguntou surpresa.

– Sim – ri – Você não sabia? E tem mais...

– Mais?

– Não vou contar... – sorri enigmático, achei melhor ela descobrir por si mesma- Você já tá sabendo demais. Vá para casa, conversa com o seu filho, com seu irmão...

– Jonas ... Eu não teria informações exclusivas? – ela ainda insistiu.

– E teve... Vá para casa que você vai entender.

Era tarde da noite e eu ainda continuava na Marra, nós já tínhamos informações mais detalhadas das dez pessoas que haviam se classificado para o concurso, e Murphy as apresentava num telão:

– Murphy, quero a apresentação dos menos para os mais polêmicos .... – comentei, estava cansado de más notícias.

– Ok, boss... Fiz essa classificação... Começamos com Yuri Akemi, natural de Belo Horizonte com 25 anos, descendente de japoneses... – olhei a foto do jovem de cabelos bem pretos, olhos escuros, usava um terno sem gravata, ele tinha certo charme- Graduado em Engenharia da Computação pelo I.T.A. e com doutorado nos Estados Unidos.

– Promissor... – comentei.

– Creio que será o candidato que mais agradará aos acionistas.

– Sim, o próximo...

–Eduardo Veloso de Salvador, tem 24 anos – olhei o jovem no telão, ele tinha cabelos e olhos escuros, um topete e usava óculos, seria considerado branco, só que a pele era um pouco morena, possuía um estilo mais casual, e era simpático -formado em Ciência da Computação, pós-graduado. Trabalha numa empresa, e é considerado um ótimo programador... Ernesto Avelar de São Paulo, tem 26 anos – apareceu a imagem de um jovem de cabelos lisos e escuros, pele branca, e que não me parecia estranho- formado em Sistemas de Informação, pós-graduado em Marketing... Tinha um site de vendas que estava fazendo certo sucesso, mas acabou falindo, e foi um dos organizadores da Tecnow.

– Ele me apresentou na minha palestra... – lembrei de onde o conhecia.

– Sim. Ele é um grande fã seu, boss. Melissa Castro– apareceu a imagem de uma bela moça de cabelos lisos e olhos castanhos, ela tinha um sorriso muito bonito e se vestia de maneira formal - tem 25 anos, se formou em Ciência da Computação há 3 anos, e trabalha com T.I. desde então. Mesmo sendo de Brasília, ela estava disposta a se mudar para o Rio e participou do processo seletivo da Marra.

– E passou?

– Ela seria chamada daqui uns 2-3 meses.

– Hummm... Na segunda leva de contratação da Marra...

– Iria para a área de análise, engenharia de software, na documentação dos sistemas.

– Não é uma boa programadora?

– Seu código é razoável... Mas não é magnífico... Sua especialidade é mais engenharia de software.

– Entendi. Próximo?

– Matheus Fernal é de Florianópolis... Tem 21 anos, está no último período de Sistemas de Informação, é um ótimo aluno, um programador talentoso, hacker... – vi um rapaz bem claro de cabelos ruivos e olhos verdes, ele tinha cara de menino e parecia ter até menos que 21.

– Por que ele está nessa posição de polêmica?

– Bem, ele é um hacker ativista das causas homossexuais...

– Ele é gay?

– Sim...

– Humm... Penso que hoje em dia a orientação sexual não faz muita diferença... Vai tornar o concurso mais interessante. Próximo?

– Vicente Monteiro, 14 anos, do Rio de Janeiro – olhei com curiosidade a foto do filho de Verônica, menino negro, de cabelos crespos e corte bem na moda entre os jovens, ele me lembrava a mãe em alguns aspectos, e eu pensei que realmente não imaginaria Verônica com um filho tão grande – estudante do ensino médio, ótimo aluno, fera na matemática, considerado um gênio em formação. Viciado em games e tecnologia... Mas como o senhor já sabe, tem parentes um pouco polêmicos... Zacarias Amorim, ou Zac Vírus como prefere ser chamado – vi um jovem de cabelos e olhos claros, pele bem branca, que usava um capuz - do interior de São Paulo, mas mora no Rio há 1 ano, ele tem 20 anos... Começou a fazer faculdade, só que desistiu do curso. Não sabemos do que vive exatamente, mas ele age como Hacker, inclusive, várias invasões são atribuídas a ele, e talvez ele consiga tirar algum dinheiro disso... Danusa Marra – vi a foto da minha sobrinha, ela tinha um jeito bem nerd- 18 anos, está na metade do curso de Sistemas de Informação, entrou aos 16 ... ótima aluna, segundo os professores tem muito potencial e é bem esforçada, meio que parece querer seguir os seus passos, o problema é ser uma Marra.

– Com certeza, isso é um problema. Mesmo tendo entrado por si mesma.. Ainda mais que ... – achei melhor não completar e prosseguir -Continua.

– Davi Monteiro ou Golias, 22 anos – vi a foto de um rapaz branco, e estranhei um pouco, não era essa a imagem que fazia do irmão de Verônica – foi encontrado e adotado pelos pais da jornalista aos 7- 8 anos de idade, não se sabe nada sobre o seu passado antes disso. Mas ele tem uma história bonita de superação. Dizem que é autodidata. É recém-formado em Ciência da Computação, considerado um gênio pelas pessoas a sua volta e também um bom rapaz que apoia código livre, o ensino de código a crianças, faz trabalhos voluntários numa ONG. Está desenvolvendo um computador para as crianças... Mas detesta grandes corporações, a Marra e Jonas Marra. Tanto que ele fez um ataque contra o senhor.

– Eu sei...—fechei os olhos e pensei em tudo que havia escutado sobre os candidatos, ao abri-los vi a foto a da minha filha no telão...

– Megan Marra, 19 anos ...- falou Murphy.

– Murphy, estou cansado. Não precisa falar sobre ela... Já sei tudo o que preciso sobre minha filha.

– Está bem, Boss... Mais alguma coisa?

–Contrate a melhor e mais conceituada firma de auditoria e investigação... Quero que ela tenha acesso irrestrito aos dados do concurso e certifique que não houve nenhum favoritismo na seleção dos candidatos... Também monitorará o concurso do início ao fim para atestar a sua imparcialidade.

– Excelente ideia, boss.

– Espero algum ganho com isso... Que pelo menos uma parte das pessoas acredite que não houve nem haverá manipulação no resultado final do concurso.

Murphy estava saindo, mas eu voltei a falar:

–Me passe o endereço de Davi Monteiro, quero conversar com ele antes do anúncio oficial dos candidatos.

– Agora mesmo - Murphy me mandou uma mensagem, e eu fiquei surpreso ao ler.

– Isso está correto? – perguntei.

– A jornalista, o filho, Vicente e o irmão, Davi moram no mesmo prédio que o senhor cresceu, e que também mora a sua sobrinha.

– Mais uma coincidência... Os repórteres irão adorar isso – coloquei as mãos na cabeça, mas de certo modo, até que era providencial, seria mais fácil entrar naquele prédio, não que entrar em qualquer lugar fosse problema para Jonas Marra.