A Revolução Brasileira escrita por Pedro Henrique Sales


Capítulo 3
O Plano




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Até 2008 tive, praticamente, a mesma trajetória e mantive as mesmas características. Ainda estava com Anne, um dos poucos casos de namoro infantil que já deu certo. Estava no terceiro ano do ensino médio. Nunca fui de procurar ter status, tanto é que acontecia naturalmente, sem precisar induzir ou até mesmo convencer pessoas para isso. É “um doce”, como diz minha mãe.

Comecei a namorar sério Anne aos meus treze anos. A esta altura, ela já estava quase totalmente formada em relação ao seu caráter físico e psicológico. Assim como eu, era muito inteligente e interessada por informações em massa. Nunca nos contentamos com pouco. O saber é algo fundamental para nosso relacionamento, até hoje. Estávamos na oitava série. Éramos o único casal da classe. Todos os garotos a desejavam. Morena, da pele clara, olhos verdes e vivos, sobrancelhas arqueadas e marcantes, covinha na bochecha direita que aparecia a cada sorriso, nariz empinado e imponente e dentes excepcionalmente brancos e alinhados, sempre demonstrando felicidade ao aparecerem. Na época, não tinha um corpo tão chamativo. Ninguém tinha. Tínhamos apenas doze anos. Sua inteligência também chamava muita atenção. Médias nove e dez nos boletins. Éramos os melhores alunos da série. Quando ia à sua casa – ou ela à minha – mais estudávamos do que qualquer outra coisa. Rolavam sim uns amassos, porém, proibidos pelos nossos pais, por isso fazíamos às escondidas como qualquer outro adolescente.

Segunda Guerra Mundial: o tema de história no primeiro e segundo bimestres. Meu predileto. O assunto que me influenciou e incentivou-me a tomar um partido. Não só ter noção da realidade, mas aprender a interpretá-la. Nós, humanos, criamos mecanismos de defesa de racionalização, projeção, recalcamento e tantos outros, na maneira com que interpretamos a realidade da forma a ser percepcionada - inconscientemente. Então, desde o segundo, passei a pensar dessa forma, da maneira menos alienada, menos ignorante e a mais certa possível, embora não exista o certo e o errado definidos em uma sociedade, mas o mais próximo do meu grupo de convivência. A tirania de Stalin, Hitler, Mussolini e todos esses caras foram excepcionais para a mudança da época. Inúmeras nações tiveram líderes que mudaram drasticamente a forma de governo de sua pátria. Os grandes líderes eram sempre grandes justamente por dotarem de atitudes. E isso me questionava muito. Após o período da ditadura Militar, o brasileiro acomodou-se. A cada ano que passava mais e mais casos de sujeira no governo do meu país apareciam. O Brasil estava indo de mal a pior e a população calhada, como se nada tivesse acontecendo. “Vamos desistir desse país, pois a política é uma merda, então votarei em branco” era o ignorante argumento do brasileiro. Fui crescendo e vi que a doença mais contagiosa é o antipatriotismo. Na era da internet, um meio de comunicação fantástico e multifuncional, era triste constatar que esta apenas era direcionada para o entretenimento. Em um universo tão amplo, onde é até possível ser autodidata em algum idioma, apenas a minoria aproveita essa oportunidade, ao passo que o resto da população desperdiça tamanho conteúdo por futilidades.

No primeiro trimestre de 2007, conversando com Anne, Nicolas e Brian sobre o tema alienação, futilidades etc. e tal, chegamos a conclusão que ficar expectando não ajuda. Sempre tive o espírito revolucionário dentro de mim. Nunca me contive com o pouco, nunca me acomodei. Quem se acomoda, está satisfeito com a sua realidade. Porém, vivemos numa sociedade onde cada indivíduo tem sua doutrina e é necessária uma política que estabeleça uma forma pacífica de convívio entre cidadãos. Na época de escola, esta era a minha sociedade que eu queria transformar em um lugar melhor para todos. Como diz Martha Medeiros em sua crônica “Felizes para sempre”:

“Ninguém sabe direito o que é felicidade, mas, definitivamente, não é acomodação. Acomodar-se é o mesmo que fazer uma longa viagem no piloto automático. Muito seguro, mas que aborrecimento. É preciso um pouquinho de turbulência para a gente acordar e sentir alguma coisa, nem que seja medo.”

Ou seja, alguma atitude deve ser tomada dentro do tempo necessário de ação. E foi isso que fizemos. Anne, Nicolas e Brian e eu montamos um grupo e fomos adquirindo integrantes interessados em participar. A ideia era, primeiramente, convencer aqueles ignorantes acerca da política. Mostrar a seriedade do assunto, pois todos somos cidadãos e devemos ter conhecimento político para evitar a alienação. Winston Churchill, ex-primeiro-ministro britânico, afirmou, em 1929, que “poucas pessoas praticam o que professam”, sendo a maioria hipócrita, batendo com a nossa ideologia. Tomamos uma atitude e conseguimos conquistar uma sala de aula por vez, até que todas as três séries do ensino médio. Porém, desde que o mundo é redondo, ovelhas negras existem e essas ovelhas foram nossa maior dificuldade.

No primeiro mês de aulas de 2007 nos reuníamos todas as sextas na minha casa ou na de Nicolas para jogar conversa fora e discutir sobre assuntos da semana. Do prédio que desabou, do político que foi preso, do galpão que pegou fogo, da loja que foi assaltada, do jogo de quarta-feira... Todos os temas possíveis.

Nossa primeira meta era de “conquistar” aqueles que víamos ser fúteis. Muitos professores abandonavam os famosos “sem futuro”. Quanto mais dinheiro, maior a vadiagem. Como num dia qualquer, um desses “sem futuro” gritou na sala:

– Pra quê estudar? Meu pai é rico e me dá tudo que peço. Quando crescer ele vai me dar carro de luxo e uma mansão. Não sou louco de suar pra ter o que ele tem. Aliás, tudo que é dele, é meu. Tudo herança. Quero mesmo é fumar, beber, ter quantas mulheres eu quiser. Não preciso aprender essas merdas de química orgânica nem nada. Bastam-me as quatro operações. Português? Já sei falar, pra quê aprender mais?

Sim, isso mesmo. Esse é Luigi. Desde pequeno sempre foi assim. Não citei aqui detalhes, mas ressaltarei esse: sua ignorância ao supremo. Álvaro, seu pai, sempre o levava para a escola com algum importado. Fazia questão de mostrar aos outros que era o melhor. Se bem que no Hamburgo haviam muitos alunos com os pais extremamente ricos. Alguns até milionários. Contudo, a maioria não ia buscar seus filhos com os carros mais caros do mercado, mesmo que possuíssem. A família de Luigi era soberba e ostentava tudo! Como dito, insuportável.

Pessoas como essa que queríamos conversar para o cara acordar para a vida e entender que as coisas não funcionam assim. Luigi foi um caso à parte. Foi impossível. Um dos poucos que não conseguimos. Um dos poucos que, realmente, não estavam nem aí pra vida.

Para nos ajudar, o festival de talentos estava por chegar e era uma ótima oportunidade para incrementarmos a cultura naqueles que não queriam participar. A escola não queria saber se o cara participava ou não. Apenas oferecia os recursos e pronto. Somente eu, Anne, Nicolas e Brian que nos interessávamos na participação de todos. Haviam apresentações de músicas – bandas ou solo – , teatro, dança, artes plásticas – onde os alunos pintavam em telas e os melhores quadros venciam – , esportes alternativos, cubo mágico – o menor tempo vencia – ... Tantas opções e ainda haviam pessoas que se recusavam a ir para fumar próximo à escola.

– Vem cá Luigi! - chamou-o Anne, no intervalo.

– Oi. O que você quer?

– Que tal irmos ao cinema? Eu, você, o Beto... Fiquei sabendo que tem uma garota da outra sala afim de você. Eu apresento vocês. Convide a guria, certeza que ela aceitará.

– Sério? – indagou Luigi, já todo eufórico e feliz – Quem é a menina?

– A Susan. Ela é nova aqui. Entrou este ano.

– A loirinha? Sei quem é. Pitel!

– Essa mesma seu danado. Quer falar com ela?

– Demorou! Só se for agora! – exclamou, entusiasmado.

E foram em direção a Susan, que estava numa mesa com as amigas na frente da cantina.

– Oi Su! Tudo bem?

– O...oi Anne. Sim e você? – perguntou Susan, envergonhada com a presença de Luigi.

– Essa aqui é a Susan. – disse Anne, apresentando-os.

– Prazer, Luigi. – Beijou sua bochecha toda vermelha, sentando junto com as garotas, ao lado de menina nova.

– Prazer. – e sorriu – Você sempre estudou aqui?

– Não, mas praticamente. Desde a primeira série. Antes estudei numa outra escola aqui perto, a Leon Trotsky. E você é nova aqui que sei. Veio de onde?

– Mentira! Eu vim de lá! Que coincidência meu! Sempre estudei lá. Só mudei porque queria fazer meu último ano numa escola melhor. Devemos ter nos cruzado quando nenéns.

– Sim!

Foram interrompidos pelo sinal que indicava o término do intervalo.

– Preciso ir à minha sala agora, Luigi. A gente conversa depois, ok?

– Sim, Susan. O que acha de irmos ao cinema sexta à noite com a Anne e o Beto? Teremos mais tempo para conversar.

– Pode ser. – respondeu tremendamente envergonhada – Mas te falo amanhã se dará. Vou falar com meu pai. Se ele deixar, vou sem problema algum. Sexta às oito da noite? Pode ser?

– Claro. Foi um prazer. Até amanhã.

– Até.

Na sala de aula, Luigi ficou pensativo: por que motivo nós o convidamos ao cinema? Ainda mais eu! Que vira e mexe brigava com ele. Contudo, o propósito era de conquistá-lo para, depois, incentivar conhecimento.

Sempre fui muito tolerante e bastante flexível para com os outros. Não consigo olhar alguém com dificuldade para aprender algo e eu não ajudar. Não suporto ver a ignorância e, simplesmente, ignorá-la.

Susan estudava na sala ao lado da nossa e, sempre que precisava ir ao banheiro ou tomar água, passava na frente da nossa classe, arrancando assovios e comentários dos garotos, pois era linda. Descendente de romenos, branquinha da cor do protetor solar, cabelos ruivos aloirados na altura acima da lombar, com um nariz pequenino e arrebitado sempre apontando à frente, olhos esverdeados da cor da natureza e sobrancelhas arqueadas que marcavam seu carão de modelo – e foi essa a profissão que seguiu para sua vida.

Um dia se passou. Eu, Anne e Luigi já estávamos confirmados. Faltava, apenas, a confirmação de Susan. Como prometido, no intervalo ela deu a resposta.

– Oi Luigi! Tudo bem? – e cumprimentaram-se na bochecha.

– Tudo, Susan, e você?

– Estou ótima! Ainda mais com a notícia que tenho para te dar. – sorriu – Meu pai deixou, mas com um porém.

– Que porém?

– Ele deixa desde que eu vá com alguma amiga minha. Estou pensando em duas, mas não sei se tem problema.

– Nenhum problema! – interrompi e a cumprimentei – Temos mais dois amigos caso elas forem... Se quiserem, é só avisar.

– Posso chamá-las? Elas estão ali na cantina, comprando hot-dogs.

– Claro, vai lá. – disse Luigi, não gostando muito da ideia.

As garotas eram Giulia e Gabrielle, ambas do terceiro, também, mas da turma D. Uma loira e outra morena, respectivamente. Eram de tirar o fôlego.

– Gente! – chamou Susan as meninas – Vamos ao cinema sexta à noite? O Luigi, a Anne e o Beto já confirmaram. Eles que me convidaram. Querem ir?

– Mas nós vamos ficar sozinhas? – perguntou Giulia.

– Só se vocês quiserem. – chegando Brian, junto à Nicolas e cumprimentando a galera.

– Pode ser. Que horas? – falou Giulia secando o corpo malhado de Brian.

– Às oito. – concluiu Susan.

O sinal bateu e todos nós voltamos às nossas respectivas salas.

O assunto continuou na D.

– Su do céu! Como aquele moreninho é gato! – suspirou Giulia referindo-se a Brian.

– Realmente, amiga. Mas já estou acompanhada.

– Jura? Com quem?

– Luigi.

– Ah, eu não acho ele tudo isso. Sei lá, ele nunca foi boa bisca. Muito encrenqueiro... Vira e mexe briga com alguém.

– Sério isso Giu? Ele parece-me tão fofo e tão certinho.

– Não julgue o livro pela capa, meu amor. – disse Giulia, aconselhando sua amiga – Também não conheço Brian, mas estou a fim de conhecê-lo, sim. Você sabe alguma coisa sobre ele?

– Uma vez estava conversando com uma garota da sala dele, a Anne, e ela me contou que Brian é um dos mais inteligentes do terceiro ano.

– Que ótimo isso! Tomara que seja um bom partido pra mim! Quero saber como ele é na sessão do cinema.

– “Bom partido” – gargalhou – nem minha avó diz isso. Torço por você amiga. Dará tudo certo.

Gabrielle não estava já tão entusiasmada com o tal cinema, pois os mais gatos – segundo ela – já estavam acompanhados. O único que sobrou foi Nicolas. Como dito, sempre azarado nesse aspecto.

Enquanto isso, na minha sala – A – estávamos, também, discutindo sobre o assunto.

– Vejam: eu tenho namorada desde os meus dez anos e vocês todos felizes porque arranjaram duas gatas para ir ao cinema na primeira vez na vida. – disse eu, zombando com eles, e ri.

– Que primeira vez nada. Pelo menos não me prendo a ninguém. Sou livre! – exclamou Nicolas.

– Brian, já sabe quem vai pegar?

– Estou na dúvida. Aquela dupla é sensacional, cara! Muito lindas! Mas gostei mesmo é da Giulia. Sempre tive uma queda por louras.

– Boa! – disse Nicolas – Vou tentar com a Gabrielle, já que o Beto tem a Anne, o Luigi a Susan e você a Giulia.

– Pessoal, só não podemos esquecer que queremos fisgar Luigi, hein! – ressaltei – E foi melhor ainda termos a Giulia e a Gabrielle. Quanto mais, melhor! Não vamos esquecer-nos dos nossos ideais


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Notas finais do capítulo

Conto com a opinião de todos! Comentem por favor, obrigado! ;)

* Betado



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