A Revolução Brasileira escrita por Pedro Henrique Sales


Capítulo 2
A Prova




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Nicolas praticamente nasceu comigo, sempre fomos muito ligados. Até hoje, mantemos contato, embora nossa vida profissional seja bem distinta. Nascemos no mesmo hospital. Ele a 12 de março de 1991 e eu a 22 de março do mesmo ano. Ele nasceu e, logo nas primeiras horas, sofreu uma convulsão em pleno berçário. Precisou ficar para chegar a um diagnóstico da possível causa, mas nada foi constatado. E, na demora da realização dos exames, precisou ficar internado durante 12 dias, o necessário para nossas mães se cruzarem nos corredores e fazerem uma amizade. Dois dias depois que nasci, fui liberado, junto com Nicolas. Mera coincidência.

Sempre confiei nele, sempre. Porém, nesse episódio, o cara pisou na bola. Uma semana depois, Álvaro Francisco, pai de Luigi, aparece na escola à procura da diretora para esclarecimentos sobre a “suposta” prova geral...

– Nicolas, você contou a alguém o que eu te disse sobre o desconto?

– Eu contei só para o Brian! Só! Pra mais ninguém! Você sabe que também sou amigo do Brian. Confio nele.

– Mas pelo visto ele contou pro tal Luigi... Não acha? Tu confias mesmo nesse Brian? Tonto. – disse eu, enfurecido e chateado por Nicolas ter contado. Eu não fazia ideia do que poderia acontecer.

Na hora que vimos o pai de Luigi entrando na escola, estávamos no recreio. E sabíamos que era o pai dele, pois era o único que buscava o filho com uma Ferrari amarela fosca com uma faixa preta cobrindo as laterais daquela máquina maravilhosa.

– Boa tarde, gostaria de conversar com dona Norma. – Álvaro dirigindo-se à secretaria – Ela se encontra? Preciso tratar de um assunto com ela.

– Só um momento. – A secretária loira, dos olhos azuis, logo ligou para o ramal da direção – Virando ao corredor, a ultima porta à esquerda. Dona Norma está aguardando o senhor.

– Obrigado.

Ao seguir pelo corredor, não conseguimos escutar mais nada. O silencio nos tomou conta. O que poderia acontecer ali, não fazíamos ideia. Ainda mais eu, que sempre fui muito cauteloso em relação a essas coisas.

Passados cinco minutos, o pai de Luigi sai da sala com um sorriso irônico, torto para os lados. Dava para ver seus dentes amarelados de tanto fumar e beber café. Enquanto estava saindo da escola, suas chaves caem no chão bem no meio fio da calçada. E nisso, um cartão havia caído. Como a entrada e saída de carros do colégio passava, justamente, por dentro do colégio, nem hesitamos em ir pegar o tal cartão caído.

– Beto, olha o que tem aqui! Um cartão de visitas da diretora e... – parou Nicolas, assim que o cortei.

– E o quê?

– Você conhece esse número aqui Beto?

– Cara! É o número do meu pai! Sabia que ele veio pra cá só pra falar disso. Ele nunca vem pra nada! Nem pra reunião, palestra, nada. Nem na nossa apresentação de teatro ele veio!

– Isso porque o filho dele era o protag...

– Nicolas! Não, agora não! – gritava eu devido o susto que levei a mais uma convulsão dele.

Desde as primeiras horas de vida já convulsionava. Aos seus 5 anos, fizeram-no um check-up e constataram “epilepsia”. Mas, até hoje, as causas são desconhecidas. A cada ataque, o Dr. Weidmann, seu neurologista, recomendou que Nicolas fosse levado de imediato ao hospital. Uma vez, Nick chegou a ficar duas horas convulsionando, sendo levado à mesa de cirurgia, ainda em um ataque epilético. Eu hei de ver a cura dele e de todos os epiléticos. Enfim, mais uma vez ele foi ao hospital. Uma bateria de exames: eletroencefalograma, tomografia, ressonância magnética, raios-X e, como sempre, diagnóstico algum.

Passados dois dias, após 24 horas internado em observação, Nicolas recebe alta e, nesse meio tempo, não havia conseguido conversar com meu pai sobre o cartão que encontramos caído no chão pelo pai de Luigi. Quando conversamos, soube que Álvaro havia ligado querendo saber se meu pai trabalhava em alguma empresa de segurança privada, porque seus postos estavam sendo assaltados e precisava contratar alguma empresa. Ele sabia que meu pai trabalhava no exército, com certeza, por Luigi. Era uma sexta feira, ultimo dia do trimestre, e a professora perguntou para cada um o que seus pais trabalhavam. Apenas em 2014 ele abriu uma seguradora.

Fiquei extremamente aliviado em saber que não era nada sobre o desconto. No dia seguinte contei a novidade ao Nicolas que, por sinal, já estava bem.

– Meu, conversei ontem com meu pai e descobri que o seu Álvaro não queria nada demais. Apenas queria saber se papai trabalhava em uma empresa de segurança privada.

– Nossa! Ainda bem que não era nada sério. No hospital eu estava preocupado com você.

Naquela altura do campeonato, eu com 10 anos, era bem loirinho, com corte tigelinha. Era o mais alto da sala, até porque sou neto de alemão. E continuo sendo alto, com 1,96 cm. Na época de ensino médio, o treinador da minha turma havia me convocado para o time de basquete. Mas nunca fui bom em basquete! Sempre gostei de hipismo e tênis. Hoje, tenho meu próprio cavalo, o Forza. Porém, é apenas um hobbie. Puxei os olhos verdes acastanhados da minha mãe e, também, seu sorriso. Que sorriso maravilhoso!

Falando da minha mãe, naquela época, em meados de 2001, trabalhava como voluntária na GRAAC (paralelamente às suas clínicas), uma instituição de tratamento ao câncer infantil. Um trabalho maravilhoso, onde ela sempre dera seu melhor. Que orgulho e alegria em poder tê-la até hoje, embora pesem bastante seus 84 anos, devido um AVE que teve há dois anos. As sequelas não foram tão graves, graças a Deus, mas, infelizmente, os músculos de sua perna esquerda atrofiaram, dificultando ainda mais na sua locomoção. Ela mora comigo, no meu apartamento em Brasília, localizado à asa norte. Mudei-me pra cá há quatro anos, por motivos pessoais e profissionais.

Alguns meses se passaram e a prova tão esperada estava chegando. Dediquei-me bastante, ao máximo. Precisava ir bem nessa prova e mostrar para os meus pais que, realmente, sou bom. Nicolas ia sempre a casa estudar comigo, embora ele não tivesse tido o privilégio de fazer a prova. Mas entendeu que, para ter essa oportunidade, teria que fazer por onde – e eu fiz.

Tínhamos umas amigas na sala, também. Lembro-me de duas que marcaram minha infância, aliás, a nossa infância – do Nick também. A Anne e a Caroline. Irmãs gêmeas. Lindas! Não eram univitelinas, portanto era fácil saber quem era quem. Quarta série, crianças de tudo, eu e ele começamos a falar sobre elas. Queríamos namorá-las! E não sabíamos como, pois o medo, a vergonha e a timidez falavam mais alto. Até que um dia, bem no fim do ano, escrevo um bilhetinho para a Anne e ele para a Caroline. Eu e ele discutíamos sobre quem gostava mais de quem. Ora ele gostava da Anne, ora da Caroline. Mas sempre caí mais para o lado da Anne, então entramos em um acordo. A Anne para mim e a Carol para ele. Quando entregamos as cartinhas, logo ambas sorriram. Um sorriso tímido, suave e silencioso. Suas bochechas rosaram. E calaram-se por alguns instantes até que uma delas quebrou o silêncio e disse:

– Você gosta mesmo de mim, Beto? – indagou Anne diretamente pra mim, com aquele sorrisinho impregnado em sua boca.

A vergonha tomou conta de mim, mas lá consegui continuar:

– Sim, Anne! Gosto muito, muito, muito. Namora comigo?

E demos um abraço, seguido de um selinho.

Nicolas havia ficado perplexo com o que tinha acabado de ver e indignado por Caroline permanecer calada e com o sorrisinho tímido, mostrando perfeitamente suas profundas covinhas nas bochechas.

– Carol, eu também gosto muito de você! Namora comigo? – perguntou Nick, tremendo de nervoso.

Carol permanecia em silêncio, mas respondeu sussurrando em seu ouvido:

– Vou pensar, ok?

– O tempo que você precisar, viu? – respondeu Nicolas, já brochado, chateado com a resposta.

Ele nunca teve sorte na vida com mulheres. Sempre foi muito na dele, muito tímido. Talvez a epilepsia lhe tenha causado essa vergonha, principalmente na infância, porque os coleguinhas de sala riam exageradamente a cada convulsão que tinha nas aulas. Quando acordava, os zombeteiros ainda riam e eu sempre o defendia daqueles patéticos. Isso só foi parar de vez quando houve um caso de morte por epilepsia no Colégio Hamburgo. Um aluno tinha epilepsia, também, mas era diagnosticada, ao contrário de Nicolas. Uma falha genética ocasionava suas convulsões e, para quem não sabe, isso ocorre diante de uma descarga elétrica no cérebro e/ou por falta de oxigenação. No dia que o garoto faleceu, ele estava descendo as escadarias do prédio do Ensino Fundamental, que era em caracol – pareciam as escadarias das torres de Hogwarts, do filme Harry Potter™ - Acabou tendo uma convulsão enquanto descia a escada, rolou mais ou menos 20 degraus e morreu instantaneamente. A partir desse trágico acontecimento (2004), pararam de zombar de Nicolas e pediram-lhe desculpas.

Duas semanas passaram-se após o pedido de namoro que fizemos às gêmeas e nada de Carol responder ao meu amigo. Lá foi ele cobrar. Lembro-me do dia. Era aniversário da minha mãe e meu pai havia preparado uma surpresa para ela.

– Oi Carol. Tudo bem? Você pensou naquilo lá?

– Nossa! Já ia me esquecendo – riu – Pensei sim e... já tenho a resposta.

– Me conta! Eu quero muito você! Outro dia chorei porque tive um pesadelo: você dizendo não pra mim. – disse Nicolas, com medo de receber um não redondo.

– Que fofinho você! Eu também gosto muito de você sabia? Mas me desculpe, eu não quero namorar. – disse Caroline fechando suas expressões – Mas se você quiser te dou um beijinho.

– Sério? – perguntou Nick, todo feliz e desajeitado.

– Sim, seu bobinho. Vem cá.

E os dois se beijaram mesmo! Acredita? Mas não dei tanta importância, porque eu tinha arrumado uma namorada e poderia beijá-la quando quisesse, já ele, não. Era apenas um.

– Parabéns Nick! Finalmente beijou, hein! – falei, brincando com ele.

– Falou o beijoqueiro que beija todo mundo.

E rimos.

Na saída, meu pai foi me buscar com um carro importado. Era um Jaguar S-Type 3.0 v6 com uma fita vermelha gigante, que embrulhava o carro, literalmente. Todos olharam curiosos. Não sei se por causa da fita nada chamativa ou pelo carro nada bonito. Saímos e fomos direto – eu e meu pai – para casa, como de costume. Estudei até a hora de começar a me arrumar. Fui para o banho. Saí, me arrumei. Sentei no sofá e logo menos vi minha mãe descendo as escadas de vidro do duplex que morávamos na época. Ao chegarmos na garagem, fomos para o outro lado, ao sentido oposto que deveríamos ir. Porém, ela não esperava que tivesse um S-Type 3.0 novinho em folha esperando por ela enrolado numa fita vermelha.

– Para onde estamos indo? – perguntou minha mãe, desnorteada.

– Estamos indo passear, oras! – respondeu meu pai querendo disfarçar.

– Mas com que carro gente? Parem de brincadeira e vamos pegar o carro. Venham! – já voltando em direção aos carros habituais.

– Mãe! Esse aqui. Vamos com esse – e apontei para o carro. – Feliz aniversário! – e todos os lengalengas de praxe.

A cara de espanto da minha mãe naquele dia foi demais. Lógico não tendo sido eu o comprador, ela me tratou como fosse, agradecendo muito e dizendo que aquele era o carro preferido dela. Senti-me feliz por ter deixado feliz a pessoa que mais amo. Mas a surpresa não acabou por ali. Meu pai foi guiando. Que motor era aquele, que carro maravilhoso. Eram 20h30min de uma sexta-feira. Cerca de meia hora depois chegamos ao restaurante, devido ao trânsito. Todos os convidados já estavam lá: colegas brasileiros da época de faculdade na Inglaterra, amigos da GRAAC, das clínicas, de infância, amigos do casal, os mais próximos de meu pai, os pais de Nicolas e a família dela.

Ela ficou encantada com a quantidade de gente. Meu pai tinha reservado muitas mesas! Não faço ideia de quantas, mas quase lotou o restaurante apenas com os convidados.

A festa fez sucesso e, até hoje, trazem boas lembranças. Tantos amigos dela que foram... Aqueles que a vida nos separa. A profissão. O tempo. A distância.

Os assuntos rolaram, principalmente, com seus amigos de infância e de faculdade. Anos sem conversar... Não podia ser melhor. Gabriela estudou com ela em Cambridge. Concluiu medicina, mas abandonou depois de cinco anos, pois não era o que realmente queria para sua vida. Partiu para engenharia química e trabalha até hoje em uma indústria farmacêutica. Cláudia, a mesma coisa. Mudou o rumo de sua vida para ser empreendedora imobiliária. Já Andressa, seguiu carreira como oncologista e abriu uma Organização Não Governamental de combate ao câncer, bem semelhante à que minha mãe trabalhava na época. Roberto C. Lourenço foi seu vizinho e primeiro namorado na oitava série. Ficaram juntos por sete anos, mas separaram-se por um boato de que ele havia a traído, quando, realmente, nada havia acontecido. E nunca mais se viram desde então. Formou-se em matemática e lecionou até seus trinta e cinco anos e, então, ingressou em engenharia aeronáutica, seu maior sonho profissional. Passou a seguir um caminho paralelo à engenharia, também: ser DJ, mais um de seus sonhos. DJ Bob seu nome artístico. Casou-se na virada do milênio com Renata, uma promotora de justiça. Kelly era mais uma dos convidados, a sua melhor amiga do antigo colegial. Naquela época, tivera um caso com um garoto da escola e acabou engravidando aos dezesseis. Foi expulsa de casa e, a partir de então, foi morar com os avós, que a acolheram. Nunca casou, mas sempre namorou. Inclusive, no jantar, havia levado um. Cliff era um amigo de Cambridge, também. Fez a ilustre surpresa, pois morava na Bavária. Porém, estava no Brasil para uma conferência à trabalho. Era diretor de um hospital na Alemanha e baixista numa banda, por hobbie. Contou-lhe dos colegas da faculdade com os quais ainda mantinha contato; do seu casamento com a alemã Lisanne; de sua trajetória até o cargo de diretor de um hospital; e, também, contou-lhe do acidente de carro que Hellen, melhor amiga da minha mãe na faculdade, sofreu. Estavam Cliff, Johnny, Hugo e Hellen num carro, viajando rumo a Londres. Hugo estava guiando. Todos haviam bebido, exceto Cliff. Hugo começou a ziguezaguear na estrada, mas a brincadeira não durou muito tempo. Um caminhão vinha na outra pista e o companheiro de Cliff não desviou, batendo de frente. Os quatro sofreram graves ferimentos, sendo Hellen a mais afetada. Ficou durante vinte e seis dias em coma. Seus membros inferiores tiveram de ser amputados devido à pressão sofrida pelas ferragens. Quando finalmente acordou do coma e não encontrou suas pernas, chorou silenciosamente, pois estava muito fraca. Na mesma noite, faleceu devido a uma parada cardiorrespiratória. Os outros três sobreviveram e não tiveram sequelas.

Passaram-se três semanas e o tão esperado 6 de dezembro chegou. Havia estudado durante todos os dias, desde que meu pai recebeu a carta da diretora. Tenso estava. A minha responsabilidade era enorme naquele momento, pois, ali, minha mesada estava envolvida e significava muito para mim. A prova começa, com Dona Norma na minha frente para evitar qualquer tipo de cola. Preenchi a folha de rosto com meus dados e logo comecei a resolver os cem exercícios gerais. A prova foi feita especialmente para mim, com testes interdisciplinares de múltipla escolha. Lógico que proporcional aos meus conhecimentos de quarta série. Lembro-me de resolver facilmente todas as questões, principalmente as de estudos sociais, que tinha maior abrangência nos estudos diários. Em matemática tirei de letra. Inglês, também, pois já era fluente aos meus dez anos. Minha maior dificuldade foi no alemão. Havia algumas palavras que não conhecia, mas continuei. Faltavam cinco minutos para as onze da manhã e eu tinha terminado. Demorei duas horas a fazer o teste.

Para o meu alívio, a própria diretora corrigiu no mesmo dia. Meus pais esperavam comigo na secretaria até o término da correção e ficamos batendo papo com os pais de uns alunos que iriam participar de uma reunião com a diretora ao meio dia. De repente, a porta da sala da diretora se abre.

– Alberto Topffer Neto, pois não! – chamou-me à sala dela.

Dirigi-me sem o acompanhamento de meus pais.

– Alberto, tenho ótimas notícias. De cem questões, acertou noventa e cinco, resultando em uma bolsa de estudos para o ano que vem aqui no Colégio Hamburgo de 95%. Parabéns!

– Obrigado... – respondi sem saber o que dizer.

Minha mesada aumentou como o prometido e continuei cursando, no ano seguinte, quinta série.


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