O barulho da rotação das pás do ventilador era como um mantra, embalando o sono da jovem morena. Sentia os cabelos grudados no pescoço e costas, e se não estivesse tão grogue de sono, riria do paradoxo do frescor do quarto com o calor de seu corpo.

Lírio a chamava, balançando docemente o braço da namorada. Ela abriu um olho, piscando-o algumas vezes, até tomar coragem para erguer o rosto do travesseiro e abrir o outro.

"Jade... Seu celular." Resmungou ele, pegando o aparelho da cômoda e entregando para a jovem. Meio grogue ainda, ela viu as chamadas. Porque estavam ligando tanto em plena quinta-feira à tarde?

Havia nove ligações de Karina, o que não era de todo surpreendente, considerando que a esquentadinha ligava sempre e diversas vezes, até ser atendida. Mas o que surpreendeu a morena foram as diversas ligações de Mari e uma mensagem de texto:

Esteja na minha casa às 13h. É importante. Mari.

Conferiu o relógio e viu que já passava do meio dia.

"Lorenzzo, precisamos ir." Avisou ao namorado, recebendo um resmungo como resposta. "É sério, baby... Se fosse a Karina eu nem ficaria tão preocupada, porque ela é exagerada. Mas a Mari é diferente... Se ela diz que é importante, alguém deve ter morrido."

"E o velório tinha que ser agora?" Reclamou ele, se impulsionando para fora da cama e indo em direção ao banheiro, enquanto a namorada apanhava as roupas espalhadas. Não arriscaria entrar no chuveiro com ele, senão poderiam acabar se prolongando lá. "Qual é, Jade, vai me deixar sozinho?"

"Sorry, honey... Não vou me arriscar. Solta uma pipa e seja feliz." Ele proferiu alguns palavrões, deixando-a aos risos.

A viagem até a casa de Mari foi bem rápida, considerando que estavam de moto, e a casa da menina e o hotel onde haviam passado a noite eram relativamente perto. Durante o trajeto sentiu o celular tocando e soube que era sua mãe... Deveria ter avisado que passaria a noite fora com Lírio.

Chegando ao prédio das amigas, viu diversos carros e motos conhecidos pela rua.

"Já viemos direto para o velório?" Questionou o ator enquanto desciam da moto, fazendo piada com a afirmação da namorada que alguém deveria ter morrido. A moça apenas lhe lançou um olhar irritado, caminhando em direção ao portão de entrada, localizando Karina nos balanços do parquinho.

"O que aconteceu de tão sério?" Perguntou sem muita paciência e a loira apenas revirou os olhos.

"Feliz Ano Novo para você também, pedrinha. Eu vou bem e você? E você, Lírio? Passaram bem a virada do ano? Pela cara, passaram bem a noite também." Ironizou K, recebendo um olhar irritado de Jade, enquanto Lírio ria.

"Você sabe que odeio quando você me chama de pedrinha." Reclamou e a amiga revirou os olhos.

"Ninguém mandou ter o nome de uma pedra preciosa." Defendeu-se.

"O que de tão importante está acontecendo?" Tornou a perguntar e viu a outra ficar hesitante. "Baby, vai entrando... Eu e a K já vamos."

O rapaz concordou, apanhando o capacete e a bolsa da namorada e entrando, enquanto ela sentava com Karina no balanço, arrastando os pés no chão de terra.

"A Mari aprontou, não é?" Perguntou e a loira apenas confirmou. "Não me diz que é o que eu estou pensando, K, por favor."

"Vocês precisam tirar essa ideia de que eu sou o The Mentalist e posso ler a mente de vocês." Bufou Karina, recebendo uma revirada de olhos.

"Primeiro, o Patrick James não lê mentes." Jade observou bem as reações da amiga, que era uma pessoa bem fácil de se ler. "De quanto tempo ela está?"

"O médico disse hoje que um mês e meio." Relatou a futura jornalista. "Mas ela está com anemia pela má alimentação e a pressão está um pouco alta, o médico disse que pode ser pelo nervoso que ela está sentindo. Os pais deles apoiaram e tudo mais, mas ela está um pouco desorientada com a mudança repentina. E com medo das reações dos amigos."

"Imagina se isso fosse uma cidade pequena." Comentou e a amiga concordou. "Bom, melhor entrarmos e acabarmos com isso logo."

As duas se abraçaram pelos ombros, começando a se dirigir para a portaria do prédio. Naquele gesto, uma promessa silenciosa: novamente estariam juntas para se apoiar, assim como Mari e Jade haviam apoiado Karina após o acidente; assim como a ex-lutadora e a dançarina haviam apoiado a amiga cantora em todos os ataques machistas de Franz, quando ele tentara arrastá-la com ele para Joaçaba; assim como a menina moleca e a menina do interior haviam salvado a menina malvada em meio a uma tentativa de suicídio, quando ela não aguentava mais o inferno que a mãe fazia sua vida.

Entraram em silêncio, encontrando dez pessoas na sala. As amizades da Ribalta permaneciam bem fortes, e os laços criados naqueles dois anos pareciam inabaláveis. A formatura havia sido a pouco tempo, mas a vontade de que aquilo realmente vingasse, era muita.

Além de Mari, Franz e Lírio, estavam ali também Ruiva e Sol, que dividiam o apartamento com a cantora; Wallace, que ainda era namorado de Sol; Bianca e João acompanhados de Duca e Fabi, respectivamente, os namorados.

"Tanta gente?" Indagou Jade, em voz baixa.

"Ela disse que queria contar para todo mundo de uma vez, para não rolar telefone sem fio." Explicou K, enquanto iam até Mari. A dançarina abraçou a amiga com força, sendo retribuída. "Eu não contei nada..."

"Eu sei que não." A cantora sussurrou de volta, sorrindo tristemente.

"Vai dar tudo certo." Prometeu Jade, se soltando e puxando Karina pela mão, as duas sentando na mesa de jantar, onde Lírio já estava acomodado. Os demais se espalhavam como dava pela pequena área de convívio do apartamento, todos ansiosos.

"Mari, por favor, podemos acabar com esse suspense?" Implorou Ruiva e a amiga concordou.

"Bom... Não tem jeito fácil de falar isso, então... Eu estou grávida, de sete semanas." Confessou a morena, mantendo a postura ereta para mostrar que não queria sentimentos de pena, pelo o que exatamente Jade não sabia, mas já conhecia as atitudes da amiga. "E eu e o Franz já conversamos e vamos ter nosso filho."

Um longo silêncio cobriu o lugar em seguida, enquanto todos os encaravam de formas diferentes. Lírio lhe lançou um longo olhar que ela pôde decifrar como um pedido para redobrarem os cuidados. Se não estivesse num momento tão critico, teria rido.

Como esperado, Ruiva e Bianca foram as primeiras a se manifestarem, as duas indo abraçar a amiga, que soluçou um pouco em seus ombros.

"Parabéns Mari. Eu estou surpresa, claro... Mas se vocês decidiram levar isso adiante, só o que posso fazer é desejar sorte e luz, para os dois. Ou melhor, três." A ruiva disse, ainda abraçada com a amiga.

Os demais amigos começaram a se levantar também, indo felicitar o casal, e Jade virou para Karina, para que fossem juntas abraçar Mari. Mas viu que a amiga ainda estava bem fincada ao seu lado, mas agora de pé, e encarava alguém com a expressão fechada. Seguiu seu olhar e deu com Sol, lhe olhando com uma expressão quase assassina.

"Foi você, não foi Duarte?" O grito da jovem negra assustou a todos, enquanto ela começava a ir em direção a ex-lutadora. Jade por reflexo se colocou à sua frente, recebendo um olhar feroz. "Sai da minha frente magrela."

"Só quando você se acalmar." Garantiu a morena, vendo de canto de olho Mari se desvencilhar dos braços que a envolviam.

"Me acalmar? O sonho dela foi pra merda, e agora ela quer destruir o da Mari, e você quer que eu me acalme?" O tom de voz da menina ainda era elevado, mas ela já controlava suas reações físicas. Sabia que ela loucura brigar com Jade.

"E como ela está destruindo o sonho da Mari, se me permite perguntar?" Questionou a dançarina, de sobrancelha arqueada. "Porque, até onde eu me lembro das aulas de saúde, é preciso ser homem para engravidar uma mulher. E a Karina é outra mulher."

"Eu não estou falando que foi a Karina quem engravidou a Mari." Bufou Sol. "O que eu estou falando, e tenho certeza de que é isso, é que a Karina está forçando a Mari a ter a criança."

O riso de Karina espantou a todos e quando ela parou ao lado de Jade, umedecia quase que compulsivamente os lábios, sinal claro de que estava se segurando muito para não perder a paciência.

Wallace havia caminhado até a namorada e tentava inutilmente abraçá-la, já que ela ficava o empurrando para longe. Ruiva também tentava acalmar a companheira de apartamento, mas era inútil.

"Mari?" A voz de Franz tirou todos do transe em que se encontravam, fazendo-os virar em direção à jovem grávida. Ela estava desmaiada, amparada pelo namorado e Duca, o primeiro com uma expressão de pânico. "Ela está sangrando."