Life is Unexpected escrita por ColorwoodGirl


Capítulo 27
Capítulo 26




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Após passar alguns dias com os pais de Franz, Mari pegou um avião de volta para o Rio de Janeiro, mas ao invés de rumar para sua casa, atravessou a ponte para Niterói. Os contrastes entre bairros era grande, e a simplicidade vivia de braços roçando com o luxo.

Rumou para a Ilha da Conceição, logo entendendo o que Rute havia lhe alertado sobre o trânsito. Havia escolhido um péssimo horário (final da tarde), e só havia uma via de acesso para o local, e os carros mal andavam.

Quando afinal conseguiu chegar ao endereço no GPS, já beirava às 19h. Refletiu se não seria melhor voltar no dia seguinte, levando em conta que haviam três crianças em casa, mas por fim deu de ombros e saiu do carro.

O prédio de dois andares tinha um portão de ferro antigo, entreaberto. O empurrou e encontrou a porta aberta também. Tentou fechar ambos, mas viu que não encaixavam nos batentes. Por fim, deu de ombros e seguiu para o interior, subindo as escadas e observando as duas portas de madeira.

“Número 3, número 4.” Ela seguiu para a segunda porta, que estava à sua direita, suspirando. Ergueu a mão em punho, dando algumas batidinhas ritmadas.

Só um minuto. Pedro, desce daí, menino.” Mari reconheceu a voz instantaneamente, e foi gelando conforme ela se aproximava da porta. “Negão, se você tiver esquecido a chave de novo, bato a porta e te deixo para fora.”

Logo depois, a porta se abriu. Houve um minuto de silêncio e tensão palpável, enquanto as duas antigas amigas se encaravam profundamente. Mesmo sem querer, mediram uma a outra, e Mari ficou realmente surpresa com o que viu.

Sol sempre teve um cabelo invejável, lindo, bem cuidado; agora, estava curto, ressecado, e bem desarrumado. Seu rosto também estava transformado, mais velho, marcado por olheiras e linhas de expressão, provavelmente pelo cansaço. E não sabia dizer se era resultado de ter tido três filhos, mas sua barriga parecia inchada.

E então Mari sentiu pena da mulher a sua frente. Se recriminou, pois não sabia de sua história para sentir pena ou julgá-la, mas sentiu e julgou. Porque aquela não era a vitoriosa e sonhadora que havia conhecido, era uma desconhecida que havia assumido a derrota, seja ela qual fosse.

“Boa noite, Sol... Posso entrar?”

Sol deu um passo para o lado, dando passagem para Mari. O apartamento era tão simples por dentro quanto todo o prédio, parecia bastante inclusive a casa em que Sol morava com a mãe em Marechal Hermes.

Uma TV velha passava Bob Esponja, e três crianças estavam no sofá em frente a ele. Um menininho de pouco mais de um ano pulava no sofá, enquanto seus irmãos ralhavam com ele. O garoto mais velho deveria ser pouco mais novo que Ann, enquanto a menina mal devia ter três anos.

“Crianças, eu vou conversar com a Mari na cozinha. Jeff, não deixa o Pedro cair do sofá, por favor.” Pediu Sol, enquanto indicava o outro cômodo. Mari a seguiu até lá, enquanto sentia os olhares das três crianças sobre suas costas. Já na cozinha, Sol se escorou na pia, observando a outra à sua frente. “Eu... Eu sinto muito pelo Franz. Sei que já fazem alguns anos, mas eu realmente fiquei chateada quando me contaram.”

“É... Foi uma barra pesada.” Mari se apoiou na porta, começando a mexer nos cabelos.

“Mas você saiu por cima, não é? Abriu uma empresa de sucesso com a Karina e a Jade. Eu vi outro dia um casamento que vocês organizaram, em uma revista de celebridades.” A amargura na voz de Sol era evidente, especialmente porque ela evitava encarar Mari nos olhos.

“É, a GND. As duas foram realmente ótimas, comigo e com a Ann, sem falar em me ajudar com a empresa. Agora estão seguindo com a vida. A Jade se casou com o Cobra, vão ter um menino em alguns meses. E a Karina está noiva do Pedro Ramos.” Mari narrou com o olhar perdido, a voz ficando emocionada. Sol bufou, atraindo sua atenção.

“O que você faz aqui, Mari? De verdade?” A morena massageou as têmporas, irritada. “Eu sei que isso não é uma visita de cortesia, isso está na cara. Você veio esfregar que vocês venceram na vida, subiram nela? Que apesar de tudo o que eu disse, vocês se deram bem? Que não estão largadas em um apartamento velho, pior que minha casa em Marechal Hermes, com quatro filhos para criar?”

“Tem razão, não é uma visita de cortesia. Aconteceram muitas coisas nos últimos meses, sabe, que me fizeram refletir e repensar muita coisa na minha vida, basicamente tudo que aconteceu desde que a Ann nasceu. E eu resolvi buscar as respostas.”

“Respostas para o quê?”

E nos minutos seguintes, de forma breve, Mari relatou tudo o que havia acontecido em sua vida, especialmente após a volta de Cobra e Pedro para o Rio de Janeiro. Sol ouviu tudo em silêncio, com excepcional atenção, e ao fim parecia atordoada.

“Como a Karina está?”

“O Jeff diz que bem. Abatida e chateada, mas tem se focado no trabalho, na Ann e nos preparativos do casamento para esquecer. O fato de ela ter descoberto a gravidez algumas horas antes do aborto também ajudou a ‘amenizar’.”

“Nós duas nunca nos demos muito bem, mas jamais desejaria algo assim para ela. Perder um filho deve ser uma dor incalculável.” Os olhos de Sol correram para a sala, observando os filhos com carinho. “Acho que no fundo, eu sentia raiva dela por saber que ela estava certa.”

“Sol...” Mari tentou falar, mas a mulher pediu que ela esperasse.

“Eu te devo desculpas, Mari, e muitas. Eu sempre me proclamei tua melhor amiga, e no momento que você mais precisava, não estava lá por você! Eu não conseguia entender como você estava desistindo de tudo, sabe? Da sua carreira, dos seus sonhos... Até o dia que o Jeff mexeu na minha barriga. Eu e o Negão sempre nos cuidamos muito, então eu não acreditei que os meus sintomas eram de gravidez, cogitei má alimentação e estresse, mas não gravidez. Logo depois que chegamos em São Paulo, eu senti uma dor de barriga terrível, e nada que eu dissesse impediu minha mãe e o Wallace de me levarem para o hospital. E lá estava ele, na minha barriga. Foi só naquele momento que eu entendi... É maior do que a gente, mais forte.”

A moça de Joaçaba nada disse. Estendeu a mão e segurou a da amiga, apertando com força. Sorriram uma para a outra em silêncio, logo deixando a cozinha. Sol então apresentou os filhos para Mari, e as crianças ficaram bem interessadas na convidada.

“Esse aqui é o Jefferson, em homenagem a você sabe quem. Essa princesa aqui é a Bárbara, mas o nome dela gerou muita discussão aqui em casa, porque só fui descobrir mais tarde que o Negão teve um tê-tê-tê com a Ruiva. E por último, o baixinho aqui é o Pedro. O Wallace teve a ideia depois que o Ramos adicionou ele no Facebook. E eu acho o nome muito bonito, mas carrega uma aura de peste impressionante.”

“Ele é tão terrível quanto o menestrel do capiroto?

“Pior.” Sol suspirou, bagunçando os cabelos do filho caçula. “Agora esse aqui dentro ainda não tem nome, porque não conseguimos descobrir o sexo ainda. To cruzando os dedos para ser menina.”

“Meninas são chatas.” Reclamou Jeff, fazendo bico.

“Mas dão bem menos trabalho do que meninos.” Observou a mãe, lhe beijando o rosto. “Filho, desce no apartamento da vovó, pede para ela emprestar a panela grande? Vou preparar uma bela macarronada para o jantar. Você nos acompanha, não é?”

“Vai ser um prazer, acompanhar e ajudar.” Mari sorriu, indo para a cozinha com Sol. “Você me permite fazer uma pergunta? Sem maldade alguma.”

“Pode falar.”

“Você gostou tanto assim de ser mãe para estar no quarto filho?” Sol riu da pergunta, abrindo a geladeira e se abaixando, começando a passar as coisas para o balcão.

“Quando eu engravidei do Jeff, perdi o contrato com a gravadora. Nós então estávamos em São Paulo, sem onde morar, e com o pouco dinheiro que havíamos juntado desde que paramos de pagar o aluguel em Marechal. O Wallace e minha mãe começaram a trabalhar e eu fiquei em casa, cuidando do bebê. O Negão fazia dois turnos às vezes, e com o Jeff pequeno em casa... Digamos que tínhamos pouco tempo a sós, e nem pensávamos em consequências. E então veio a Babi, depois do Pedrinho, e agora esse aqui.”

“E como vocês voltaram para cá?”

“Um supervisor do Wallace falou de uma indústria que estava abrindo aqui, que precisava de funcionários. O negão fez um curso no Senai lá em São Paulo, e um curso técnico de segurança do trabalho em uma Etec. Com a indicação desse cara, que conhecia um pessoal da empresa, conseguiu um emprego aqui em Niterói, pertinho de casa. Ele trabalha menos e tem um salário melhor, mas ainda é pouco para uma família de seis pessoas.”

“E por que você não trabalha, Sol?” A grávida riu, se levantando e pegando uma faca, começando a picar a cebola. “Eu to falando sério.”

“E quem vai cuidar das crianças, Mari? Minha mãe não dá conta de ficar o dia todo com eles, até agora não conseguimos vaga na creche para a Babi, ou na escola para o Jeff. E nem que eu trabalhe teríamos dinheiro para pagar alguém.”

Mari queria dizer mais, porém foi interrompida por gritos na sala. Jeff acabara de voltar da casa da avó, acompanhado da mesma e de Wallace, recém-chegado da empresa. Ambos cumprimentaram a visitante com entusiasmo e alegria, e logo Bete começou a se atualizar das “fofocas”, enquanto o dono da casa seguia para o banho.

Jantaram todos juntos, as crianças sentadas no sofá já que a mesa só tinha quatro lugares. Mari convidou Bete para visitá-la, e assim matar a saudade dos compadres, e disse que Sol e Wallace também poderiam ir, já que a casa era grande. Ficou surpresa ao recusarem por não ter carro.

“Eu e a pretinha até compramos um usado quando o Jeff era pequeno, mas quando ela engravidou do Pedrinho tivemos que dar tchau. Carro é um custo bravo, né? Gasosa, manutenção, essas coisas todas.” Explicou o homem, servindo mais macarrão aos filhos.

A noite foi bastante agradável, mais do que Mari esperava. Havia temido tanto que Sol a recebesse com hostilidade e rancor, mas o que encontrou foi um coração que havia ficado tão ferido quanto o seu pelos erros do passado, esperando a chance de poder concertá-los.

Quando as crianças começaram a cochilar no sofá, ela resolveu se despedir. Wallace e Bete ficaram arrumando as coisas e colocando as crianças na cama, enquanto Sol a acompanhou até o carro. Lá embaixo, ficaram em silêncio observando a lua, absortas em pensamentos.

“Alguns anos atrás, se você me perguntasse como eu imaginaria nossa vida agora, eu diria que estaríamos fazendo uma turnê, sabe? Você abrindo meus shows, nós duas fazendo sucesso, ricas... Nenhum desses sonhos se realizou, não é?” Suspirou a grávida, atraindo a atenção de Mari. “Não que eu abriria mão dos meus filhos, é só que... Eu queria ser algo a mais, sabe?”

“Posso te contar a principal coisa que aprendi nessas semanas, Sol?” Pediu Mari, e a amiga concordou. “Existem novos sonhos! E existem sonhos que mudam, se transformam. Talvez sua carreira como cantora não tenha decolado naquela época, e nem vá ser como você imaginava, mas ela pode existir.”

“Tá louca, Mariana? Quando que eu vou ter uma carreira de cantora com quatro filhos para criar?”

“Esse é o problema, Sol, você não procura uma solução, fica presa no que pode te impedir. Quantas mulheres não fizeram sucesso com vários filhos? Filho não é motivo para amarrar a saia no fogão e por lá ficar, nada a ver.” Mari riu, segurando a mão da outra. “Sabe que as pessoas sempre procuram alguém para cantar nos seus casamentos? Especialmente a Ave Maria? E eu já te ouvi cantar essa música, e você arrasa.”

“O que você está sugerindo?”

“O que eu estou afirmando, Solange, é que você tem talento, tem beleza e o mercado de cantores de casamento tá em alta, até porque é muito difícil se encontrar um bom e que não cobre um órgão. Se você aceitar a minha ajuda, vai ser um prazer te inserir nesse mundo e te ajudar a realizar esse sonho.”

Não houve resposta, apenas um abraço forte, caloroso e emocionada, selando uma promessa e um início de uma nova amizade. Ou pelo menos, o renascimento de uma antiga.

O caminho de volta foi bem mais tranquilo e menos tumultuado. Àquela hora as ruas estavam quase vazias, e não demorou muito para que Mari estacionasse na garagem de sua casa. Como esperado, havia muita poeira para todo o lado (ela havia dado férias a faxineira em sua ausência), e o vazio era ainda maior do que quando havia partido, já que muitas das coisas de Ann não estavam ali, e sim na casa de Pedro e Karina.

Enviou uma mensagem para Jeff, já que passava das 23h. Sabia que ele não estaria dormindo, mas preferiu não incomodar a ele e a Ella. Deixou as malas no quarto e foi para o banheiro, começando a encher a banheira. Caçou alguns sais de banho e espuma, despejando tudo na água.

Por fim, deitou na água morna, encostando a cabeça no apoio e fechando os olhos, deixando a música do rádio a levar para longe.

O aniversário de Ann seria em dois dias, e havia chegado bem a tempo de fazer sua surpresa. No dia seguinte deixaria a casa em ordem, compraria tudo o que ela mais gostava e um presente caprichado. Prepararia tudo, e então iria encontrá-la de surpresa no cinema (teria que combinar essa parte com Jeff). Jantariam as duas juntas e comemorariam, dormiriam abraçadinhas e amanheceriam o dia 18 da mesma forma de sempre: uma sorrindo para a outra.

E se tudo desse certo, nesse mesmo dia faria as pazes com Karina e Jade, para que compartilhassem do dia de sua pequena com a mesma alegria de sempre.

Há alguns quilômetros dali, alguém também pensava no aniversário de Anna, mas com a ideia de que seria a primeira vez que ela estaria longe da mãe. Jade estava escorada na janela do carro, observando a lua com um ar sonhador.

“Pensando no que, minha dama?” Cobra perguntou do volante, sem tirar os olhos da estrada.

“No aniversário da Anna. Acha que ela vai gostar do presente?”

“Ela vai amar, tenho certeza.” O marido sorriu, a encarando rapidamente. “Só acho que não precisávamos vir até Juiz de Fora buscar ele. A baixinha vai ganhar um presente de fora do estado!”

“Eu tinha que ver os fornecedores, como você bem sabe.”

“A Karina podia fazer isso, mas não, você tinha que bater o pé. E eu tinha que ceder.” Ele bufou. “Você lembra que está grávida de quase nove meses, não é?”

“E essa barriga me deixa esquecer?” Os dois riram, encarando a barriga dela. Estava realmente enorme, mas já estava baixando, sinal de que Gabe logo resolveria nascer. Cobra estendeu a mão, acariciando o local onde o filho repousava, e novamente caíram no silêncio.

O presente de Anna era uma cama que imitava a moradia de uma fada, algo parecido com uma lâmpada. Havia sido feita por um artesão muito talentoso, e Jade e Karina haviam comprado pelo mercado livre. Porém, graças ao tamanho, foi preciso ir retirar com a van da empresa, e só coube desmontada.

Jade observou no relógio que já era tarde, muito tarde. Além de terem saído tarde da cidade, Cobra insistia em dirigir a 100 km/h, apesar de a pista estar vazia. A noite estava maravilhosa, e Gabe parecia estar dormindo, afinal deixando suas costelas em paz.

O rádio tocava várias músicas sem sentido, até que uma chamou sua atenção.

“Vagabundo, é a nossa música!” Ela comemorou, erguendo o volume. “She’s crying and she’s dying for you to take her home, and she doesn’t want space, she just wants to be chased.”

“And for you to show her she’s not alone.” Ele cantou, segurando a mão dela e beijando. “So don’t wait and let her go cause I don’t want to be the one who has to say, I told you so.”

“Eu te amo, vagabundo.”

“E eu você, minha dama.” Ele virou o rosto e sorriu para ela, antes de se inclinar e selar seus lábios rapidamente. Quando seus olhos voltaram para a pista, se arregalaram rapidamente. Ele virou o volante com força e pisou fundo no freio, mas não houve tempo.

A última coisa que Jade viu foi a lua brilhando contra a silhueta dele, que gritava seu nome.


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Notas finais do capítulo

DEMORO 5 MESES, MAS QUANDO VOLTO É COM CAPÍTULO DE 4 PÁGINAS E MEIA, OK? OK!
Oi Gente, tem alguém aqui ainda? Alguém ainda me ama? HAHAHAHAHA Demorei, to ligada. Mas esse negócio de vida adulta é um saco, dá pra lidar com isso não.
Enfim, capítulo mega blaster importante, espero que gostem dele! Sol voltou, e com isso fechamos mais uma ponta solta.
O capítulo que vem é, de longe, o mais importante de todos. E o mais diferente. Vocês vão precisar ter muuuito coração aberto para ele, ok?
See you soon ;*
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