Dúbia escrita por Wolfie A


Capítulo 9
Capítulo 9




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– Ajud...a... a...qui! – eu digo, tentando fechar a mala que parece infinitas vezes maior do que devia. Thomas atravessa o quarto, deixando sua mala semiaberta e me alcança.

– O que?

– Eu sento e você fecha – eu digo, subindo em cima da cama e sentando sobre a mala. Ele ri, um riso espontâneo. Aperta com o dedão o zíper da mala e começa a fazer força.

– Não... não tá indo – ele diz.

– Ai! O que aconteceu com essa mala? Que horas são?

– 18.

– Já? Je-sus. Calma. – eu digo, saindo de cima da mala. Vou até uma parte da grande suíte e preparo para correr. Ele me olha engraçado, parece tentar entender. Eu corro e pulo em cima da mala, como uma criança. Não sei porque faço isso, mas tenho quase certeza que eu não devia ter feito. A cama balança e eu bato minha canela em uma parte da mala. Dói instantaneamente. A mala parece sufocar. – Fecha, fecha.

O zíper fecha. Ele gargalha, fixa os olhos verdes em mim. Eu desvio o olhar para o chão, solto um suspiro alto e seco rápido o suor na minha testa. Minha canela arde. Eu fecho os olhos de quimera.

– Agora é a minha vez – ele diz, voltando para a mala preta no canto do quarto, próximo da sacada. Ele não precisa de força, o zíper fecha facilmente. Ele puxa a mala pelo puxador e ela escorrega sobre suas rodinhas até a minha mala cinza sobre a cama. Em seguida, ele puxa minha mala de cima da cama e emparelha ambas ao seu lado. Eu continuo deitada sobre a grande cama, a canela ardendo, ouvindo os trovões e o vento. Domingo.

– Então?

– O que?

– Vamos, querida. Embarcamos as 21. Antes podemos tomar um café na cafeteria que fomos hoje pela manhã e depois embarcarmos.

– Ah, claro. – Salto da cama em um único pulo. Estou em um vestido liso que bate em meus joelhos. Calço os sapatos brancos do casamento, de bicos redondos e saltos altos, e o seguro pela mão, trazendo-o para fora da suíte. Ele passa o cartão no local indicado e o grande quarto se lacra e as luzes desligam. Dois homens puxam um carrinho com nossas malas enquanto nos dirigimos para o saguão. Novos hospedes chegam, outros saem. Viena parece um ser orgânico, respirando, avivando. Nós passeamos por suas veias em um conversível alugado prata. Meu coração palpita descontrolado, descompassado, sinto meu pulso tremular com as batidas inexatas. Sinto meu coração bater no ouvido. Quero desaparecer.

Perto de um medo real, pequenos medos incendeiam-se.

A chuva surra o vidro do conversível. Quando o carro para em frente do aeroporto e nós carregamos nossos cafés em nossas mãos, o mundo parece pausar. Eu ouço um avião tomando voo. O alto estrondo da máquina pesada colonizando as aves em seu ambiente natural.

– Então, – ele diz, abrindo o porta malas. – finalmente vamos para a grande Londres. Acho que você vai gostar do meu apartamento, mas você pode escolher uma casa para ser nossa.

– Obrigada. – Não estou muito preocupada com onde eu vou morar se eu nunca chegar a pousar. Obrigada. Pensarei melhor quando eu estiver em solo firme.

Nosso embarque acontece exatamente como nosso embarque a caminho de Viena. A moça olha para nossos passaportes sem se importar em verificar nossa identidade. Ela sabe que o avião particular está no nome Thomas Clouther. Não é todo dia que alguém prepara aviões particulares nos aeroportos comuns. Nossos embarques estavam preparados a um mês. Caminhamos por um salão diferente e entramos na pista, sendo guiados por um homem em belas roupas. Conheço aquele estilo “piloto”. Meu pai já usou um uniforme assim, um pouco mais imponente, no entanto. Ele vestia uma roupa azul com cinco estrelas de ouro em seu ombro direito e um chapéu como nos filmes. Ele treinava aviadores para combates no céu. Pensava ser invencível.

Quando nos sentamos, com nossas malas sendo ajeitadas em seus devidos lugares, a aeromoça nos oferece vinhos. “Uma aeromoça?”, indago. Claro, ele pediu um pouco mais de serviço nesse aqui. O avião também parece maior, tem detalhes de madeira por todo o interior e os estofados são de couro genuíno azul escuro. Eu me imito. Fecho meus olhos e escoro minha cabeça no ombro de Thomas, evitando perceber a viagem.

Depois do avião tomar espaço no céu e todas as veias de Viena desaparecerem por entre as nuvens, sinto o avião chacoalhar. Cada vez mais forte, cada vez mais intenso. O piloto avisa em alto e bom som: “Estamos caindo”. Agarro a cadeira com força e vejo minha pele se tornar porcelana. Cada vez mais fria, cada vez mais frágil. Thomas me olha, parece querer me tocar, mas tem medo que o toque me quebre. O avião rodopia no ar. Meus olhos de quimera incendeiam-se, como todos meus outros medos, e eu só consigo medir as batidas do meu coração: cada vez mais baixas, até pararem. A porcelana racha com o choque, me transformo em cacos. Assustadoramente estamos destroçados em uma praia. Novamente, as ondas me enterram.

Acordo suando e com taquicardia. Aperto o braço de Thomas com toda a força que posso, mas não abro meus olhos. Ele segura minhas mãos. Meu Deus, meu Deus. Não me deixe em cacos.

– O que foi, Estela? – o tom de voz parece muito mais preocupado que consigo medir.

– Por favor, – quero explicar, mas não consigo.

– Fica tranquila, o impacto foi do avião pousando. Já estamos em Londres. Fica tranquila.

Ele toca minha mão e beija minha testa, eu abro meus olhos e consigo enxergar o tranquilo interior do avião exatamente como eu me lembrava, sem nenhum dano.

Assim que podemos descer, saio em velocidade. Coloco meus sapatos brancos no chão e suspiro tão alto que parece que o mundo todo pode me ouvir. “Os aviões são o meio de transporte mais seguro”, eu consigo me lembrar da declaração que meu pai me deu quando eu afirmei sobre o peso dos aviões e a tentativa estúpida de colocar uma máquina de ferro no céu. Ele só riu.

Fora do Brasil o mundo parece maior do que eu posso medir ou tocar. Parece maior que as telas de tevê podem contar, parece maior que meu sonho e maior que o amor. O falecido amor.

Thomas faz o favor de carregar todas as malas até a ampla sala do seu apartamento. Os móveis estão dispostos longes uns dos outros. A sala e a cozinha fazem parte de um único ambiente dividido apenas por um balcão largo de inox. Os bancos altos parecem confortáveis. Vejo bebidas dispostas do outro lado do balcão, uma geladeira incrivelmente grande de inox e diversos acessórios de cozinha, contudo a cozinha não parece ter sido usada alguma vez na vida.

– E então? – ele pergunta. Posso ver os olhos brilharem em minha direção. Ele precisa da aprovação e eu delicadamente assinto.

– Muito bonito. – Mas não tenho tempo o suficiente para pensar porque, assim que eu alcanço o sofá de veludo cinza, eu encosto minha cabeça e durmo tranquila. Pareço adormecer em segundos.

A chuva cai suave do outro lado da janela do apartamento. Eu quase posso ouvi-lo me chamar. Quase. Afogo meu sono e durmo sem pesadelos nem medos. Eu silencio minhas dúvidas por alguns instantes para descansar minha psique. Psique, querida, adormeça. Esclareça. Não faça chover aqui dentro. Cale-se, aquiete-se. Sacie nossa fome de paz e adormeça enquanto é tempo.

O mundo todo se cala.


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