Dúbia escrita por Wolfie A


Capítulo 2
Capítulo 2




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Ao entrarmos no carro, a enorme limusine branca, molhados e sorrindo, o mundo pareceu uma mentira. Uma mentira porque, na verdade, ninguém é feliz assim. E muitos casais se odeiam a vida inteira, mas passam a vida toda juntos, porque o infortúnio da vida os uniu e, por Deus, ninguém é corajoso o suficiente para separá-los. Eu retiro a grinalda e meus cabelos se desfazem, ele me olha com paixão. Quase consigo acreditar na possibilidade de sentimentos tão divinos. Encosto minha cabeça no vidro e consigo ver o soluçar das estrelas. Elas estão indecisas, acendendo e apagando como vagalumes.

Thomas põe a mão na minha cintura. Quero dizer para que mantenha distancia de mim, para que me deixe pensar, para que me deixe ajeitar o enorme furacão que passou em minha vida. Eu não o faço porque sei o quanto isso o deixaria chateado e essa não é a melhor maneira de se conseguir sociabilidade na vida. Então eu sorrio, mas mantenho meus olhos distantes dos dele para que eu possa manter a respiração tranquila. Casar, principalmente sobre as circunstâncias que me casei, é uma sentença de morte.

– O que foi, querida?

– Nada...

– Me diz... está tudo bem?

– É só um mal estar físico, nada demais.

– Onde? Nos seus pés? – perguntou, gesticulando. – Na cabeça?

– No estômago.

– Quer que eu compre um remédio para você?

– Não, estou bem. Depois da viagem vai ficar melhor.

– Tudo bem – ele diz, passando a mão pelos meus cabelos e beijando a minha testa.

O resto da viagem é feita em silêncio. Ele respeita o espaço da minha “dor” e eu continuo quieta e inconsolada pelas decisões que tomei tão rápido.

– Sabe, quando te conheci pensei ser o cara mais sortudo da Terra.

Eu sorri. Espero não ter que responder, espero não ter que demonstrar. Sou péssima nos quesitos mais simples da convivência e é esse um dos motivos por quais me casei: preciso me ajustar. Sou uma recém formada que nunca namorou a vida inteira. Porém, bem mais que isso, fui tão livre quanto pude a minha vida inteira. É difícil colocar a coleira agora.

– É que você é tão linda, sincera e verdadeira. Você é tão inteligente e prestativa. Qualquer homem estaria se sentindo sortudo em meu lugar. Espero que eu possa agradecer você todos os dias de nossas vidas.

– Obrigada. Você é um homem tão gentil. Acho que quem tirou a sorte grande foi eu.

– Não, não mais que você.

– Tudo bem, se você prefere acreditar assim.

– Não é o que acredito, é a verdade.

– O.K.

Isso não é um concurso de quem consegue bajular melhor. Estou tentando ser agradável, mas ele é insistente demais. Ainda me pergunto se existe alguém que goste de caras como ele, submissos demais.

– Chegamos – diz o motorista, abrindo o vidro que nos separa dele e descendo do carro, indo até a porta.

– Obrigada – digo, colocando os sapatos de salto no solo firme. Ele é cuidadoso e me apoia enquanto tento sair daquele carro sem cair pelo peso do vestido.

– Obrigado, senhor. Adorei seus serviços – ele disse, pegando na mão do motorista.

– Eu que agradeço.

Caminhamos até o aeroporto e eu me sinto deslocada. Eu devia ter tirado esse vestido antes de vir para cá, mas agora não tem como voltar atrás.

– Não se preocupe – ele diz, sussurrando em meu ouvido. – você está linda.

Graças aos céus a grinalda e a cauda ficaram para trás. O vestido é um conjunto de camadas de pano que criam um volume enorme ao redor da minha cintura. Pareço a Cinderela, mas as batatas das minhas pernas estão visíveis sem a calda do vestido. Seu corpete é fino demais e aperta minhas costelas e talvez eu nunca tenha ficado com a cintura tão fina em toda a minha vida. Mas devo concordar, estou uma graça.

Caminho como um pinguim esbelto em direção ao guichê. Nossas passagens são adiantadas e somos levados para um lugar diferente dos demais passageiros. Para a minha surpresa, embarcaremos em um avião particular para dezesseis pessoas. O ambiente é confortável e tem uma aeromoça conosco, além do piloto. Pergunto se o dinheiro do Thomas será uma sorte ou um azar, já que estou fadada a ser a dama de honra de agora em diante. Vai ser bastante complicado, uma vez que jamais fui dama, muito menos de honra. A posição em que me coloquei foi vinte degraus mais altos que meus pés e agora sinto um desconforto ao andar, quase como se eu fosse cair.

A noite paira sobre nós, o céu troveja e relampeia, dando avisos claros que não devemos desobedecê-lo. Infelizmente, parece que só eu consigo escutar os avisos. A porta é trancada, o avião toma velocidade, a cabine começa a decolar e tomar altitude rapidamente. Meus ouvidos doem, sinto um desconforto ao levantarmos voo.

– Acalme-se, querida. Logo, logo estaremos em Viena.

Viena. Parece que, enfim, sei nosso destino. A cidade se ofusca lá embaixo quando atravessamos as nuvens e logo não consigo ver nada além da noite e dos relâmpagos. Ele coloca a mão em minha coxa e eu finjo que está tudo bem. Não está. Quero descer e dizer para que ele siga em frente e me deixe para trás. Quero deslocar minhas pernas degraus abaixo e me posicionar onde caminho bem. Eu suspiro, ajeito minha cabeça em seu ombro e durmo, antes mesmo que eu possa perceber. Toda a correria me fez cansada demais e eu imagino como meus pais devem estar felizes com o partido que encontrei.

Sonho com meia dúzia de crianças correndo em uma praia em algum lugar. Parece que elas possuem o futuro nas mãos, mas quem está em suas mãos sou eu. Uma boneca de porcelana, feita provavelmente a mão, que cai na areia e quebra. Elas sorriem enquanto eu me desfaço em cacos e a areia me engole. Tento lutar contra a areia, mas em cacos não consigo sequer falar. A onda do mar termina de me enterrar.

Acordo assustada.

– O que foi? – pergunta Thomas, com os olhos arregalados.

– Só um pesadelo – digo, afastando-o de mim.

– Algum problema comigo? – perguntou.

– Não, desculpe. É que não tenho o costume de abraçar as pessoas e acabo me assustando com o toque.

– Ah, eu não sabia.

Não é de se impressionar, ele não sabe nada sobre mim. Contudo, ele mantém os olhos brilhantes presos em mim. Começo a ficar envergonhada e logo percebo que estamos perdendo altitude.

– Alguma coisa está acontecendo? – pergunto, agarrando-me ao assento.

– Bem-vinda à Viena.


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