A Seleção - Interativa escrita por Lady Ann


Capítulo 6
Assine Embaixo Para Mudar de Vida


Notas iniciais do capítulo

PERPETUA SUA DIVAAA!!!! Muuuito obrigada pela recomendação, meu coração bate mais forte quando eu entro na história e ela tem uma recomendação liiinda falando coisas perfeitas sobre mim e sobre minha história, eu te amo muito por ter escrito a recomendação! Você não tem noção do que é quando eu recebo uma recomendação, veeelho, sai falando pra todo mundo!! Você me deixou imensamente feliz, estou namorando sua recomendação aushaushaus


Nicolly:
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Cassidy:
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Beatrice:
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Cassidy Silver

– Engole logo, isso, menina! – minha mãe dizia no meu ouvido. Era sempre a mesma coisa, eu era obrigada a engolir os comprimidos e ainda tinha que aturar sua mãe dizendo que os comprimidos não eram grandes. Ela tinha razão, eles não eram grandes, eram enormes!

– Mãe, olha o tamanho disso! – reclamei, mostrando o comprimido que eu podia jurar que ia se desfazer na minha mão se eu continuasse a segurá-lo.

– Você engoliu nas outras vezes, Cassidy, pode engolir nessa também! – ela argumentou. E se virou para terminar de lavar a louça.

Os comprimidos foram entregues pela equipe de pessoas magrelas da monarquia para que eu não ficasse magrela quando fosse ao palácio. Era besta, eles queriam que eu ganhasse corpo em uma semana para que não estivesse magra quando conhecesse os príncipes. Eles fizeram isso com todos os de castas abaixo de Quatro. Não é por que somos de castas menores que somos necessariamente pobres e desnutridos! Mas era uma ordem e eu tinha que seguir.

Dei língua pra minha mãe e, sem se virar, ela respondeu:

– Eu vi isso, mocinha! – e parecia estar sorrindo.

Peguei meu copo d’água que estava encima da pia e usei meu truque de ficar com o comprimido alguns segundos na boca para que ele desça sem problemas. No segundo gole, ele já tinha desaparecido. Resmunguei comigo mesma e ouvi uma risadinha da minha mãe. De uma certa forma, eu a admirava muito. Deixar de ser uma Quatro para se tornar uma Seis ao casar-se com meu pai foi um ato de muita coragem e eu agradeço a cada dia por ser filha dela, bem, menos quando ela me faz tomar remédios.

Fui para o meu quarto. Ele era pequeno, mas aconchegante, com certeza ficaria mais calma nele. E ele também não era meu, na verdade, eu o dividia com minhas duas irmãs mais novas Briene e Igritte, uma de 16 anos e uma de 13, respectivamente. Os dias com elas se dividiam em dias muito bons, dias chatos e dias horríveis, em que os dias muito bons eram os dias em que conseguíamos conviver sem brigar, os dias horríveis eram os dias que brigávamos o tempo todo e os dias chatos eram o resto dos dias do ano. Era incrível que, mesmo que fossemos muito ligadas, sempre tínhamos que brigar por alguma coisa.

Olhei para os modelos sem roupas ao redor do meu quarto. Fazia uma semana que eu não ia mais para o meu emprego. Senti saudade de desenhar as roupas para a Srta. Carter. Ela poderia ser a pior pessoa, poderia publicar minhas roupas como se fossem dela, mas só de eu estar naquele emprego deveria agradecer. Ele era o salva-vidas da minha família, não éramos muito pobres, mas também não éramos muito ricos, e com minha mãe desempregada eu e Briene precisamos ajudar. Era estranho como nessa semana eu fiquei tão famosa e tudo o que eu tinha mudou completamente, era estranho que eu odiasse meu emprego antes e odiasse a Srta. Carter, mas agora eu agradeça a ela pela oportunidade, é estranho quando as coisas mudam e você sabe que não pode mais voltar atrás, então você começa a simplesmente agradecer por ter vivido aquilo do jeito que foi. Até por que, de certa forma, são os momentos que vivemos que definem o que vamos ser, e tudo o que eu quero é ser eu mesma.

Nenhuma das minhas irmãs estava no meu quarto. Elas deviam ter saído de casa. Nesses últimos dias vários funcionários do palácio vieram nos visitar e elas achavam aquilo muito chato, sempre que podiam saiam. Mas era regra que eu ficasse em casa e só saísse se precisasse muito. Um dos funcionários chegou a me aconselhar a estar bonita e bem arrumada quando fosse sair. Acho que ele poderia me dar uma roupa decente para essa situação, por que, mesmo que meus modelos sejam bonitos e façam sucesso, roupas feitas com sobras de tecido não ficam lá aquela coisa bonita de revista.

Joguei-me na minha cama. Tá ai uma coisa que era só minha e eu só dividia com Klaus, meu irmão mais novo de sete anos. Minha cama é meu refúgio. Queria não ter que ficar tão longe dela e de todos quando estivesse no palácio. Um dos funcionários do palácio chegou a dizer-me, sem entrar muito no assunto, que eu ficaria lá até que o príncipe quisesse me eliminar. Quanto tempo isso poderia durar?

Meu celular vibrou. Devia me lembrar mais vezes de agradecer por ele também. Srta. Carter me deu ele, pois odiava ter que mandar algum criado até a minha casa para me chamar na madrugada para criar novos modelos para sua “nova coleção”. Até de madrugada eu tinha que trabalhar. Era exaustivo, mas no final eu ganhei uma experiência única trabalhando com ela.

Cravei meus olhos na tela do celular. Era Logan, meu melhor amigo. Ele me pedia para encontrar com ele “na árvore”. A “árvore” era um lugar afastado de tudo onde só tinha mato e uma única árvore. Ao redor dessa árvore havia várias flores, mas ninguém nunca conseguia ver por que o mato era mais alto que o meu irmão Klaus. Apenas eu e Logan (até onde eu sabia) conhecíamos aquele lugar e ele se tornou o nosso lugar de encontros. Isso era muito fofo. Queria ter uma melhor amiga para levar lá, mas nunca tive a chance. Espero que, com a Seleção, eu possa fazer mais amizades além de um grande amor.

Levantei-me da cama. Eu não devia sair de casa, mais um funcionário do castelo iria vir hoje (talvez o último!) e eu não podia perder. Perder uma visita significa perder informações e eu iria ficar em mais desvantagem do que já estou se perdesse esse funcionário. Mas por outro lado eu queria muito ver o Logan. Não via ele fazia quatro dias e queria muito me despedir decentemente e não na despedida da província, precisava falar com ele uma última vez.

Peguei meu melhor vestido e usei um pouco das maquiagens da minha mãe para ficar “bela” para poder sair de casa. Afinal, sabia que muitas fotos horríveis de outras Selecionadas haviam vazado na internet e não queria que os príncipes me vissem de um jeito ruim. Deixei um bilhete pra minha mãe - se eu pedisse, ela nunca ia deixar – e saí de casa.

O sol estava brilhando forte e (por mais incrível que pareça) não tinha ninguém na minha rua. Isso era tão comum. Senti-me no passado, no tempo em que virar uma Um era quase impossível. Agora eu estava tão perto.

Fui direto para a árvore sem parar para nada nem para ninguém, com certeza se alguém me visse ia querer me entrevistar e conversar quarenta horas seguidas. Chegando lá me arrependi de ter usado vestido. O mato pinicava minha perna inteira. Era irritante demais! Passei por todo o caminho praguejando pra Deus e o mundo e finalmente cheguei à parte onde só havia flores. Eu realmente esperava que não tivessem formigas em lugar nenhum.

– Ei! – chamou Logan. Ele estava encostado na árvore. Como eu não o vi?

– Ah! Oi – falei, me soltando do último pedaço de mato que ficou preso na minha sapatilha. Como eu me arrependia de ter saído de casa produzida. Era tão mais fácil quando eu estava usando calças jeans e tênis. – E ai?

Dei uma voltinha.

– Como estou? – sorri.

– Linda. – Ele sorriu também.

Desgrudou da árvore, mas não foi para perto de mim. Parecia nervoso então eu fui para mais perto dele. Sabia que se eu ficasse em pé todos me veriam e era “estritamente proibido que as Selecionadas tivessem qualquer tipo de encontro ou relacionamento durante a Seleção ou dias antes”, como um funcionário do palácio bem me lembrou. Eu não via o Logan desse jeito, mas eu sabia que outras pessoas poderiam ver, afinal, isso poderia ser facilmente confundido com um encontro.

– Senta aqui, podem nos ver – eu sussurrei brincando. Sentei-me em uma pedra perto da árvore e Logan se sentou do meu lado.

– Como está a mais nova Selecionada de Dominica? – ele perguntou. Percebi que tentava afastar meu olhar, suas mãos se esfregavam uma na outra e depois na calça, mas não me importei, eu mesma estava nervosa, se encontrassem a gente seria o fim!

– Nossa! Logan! Eu estou tão animada! Eu sei que eu nunca tive uma chance de abrir um ateliê só meu, que meus sonhos foram um fracasso do inicio ao fim, mas agora é a chance, Logan, é a chance de ter tudo o que eu sempre quis! E isso é tão legal! Eu vou conhecer os príncipes e toda a família real, vou ter contato com os melhores tecidos e ainda vou poder fazer novas amizades. Não vou ser tratada como uma Seis, entende?

Ele só ia concordando com a cabeça, tinha um sorriso pequeno no rosto, mas parecia sem expressão.

– Eu vou poder ajudar meus irmãos! Vou poder ajudar meu pai e minha mãe, eles significam muito pra mim, você sabe... Eu finalmente vou poder ter a minha vida nos eixos. Sabe aquela sensação de dever comprido que eu te falei quando a gente terminou aquele trabalho horrível de ciências?

Ele riu e concordou.

– Isso é mil vezes melhor! – falei.

– Você está feliz? – ele perguntou.

– Se eu estou feliz? Eu não poderia estar mais feliz. É tão bom falar disso com alguém, Logan. Sabe, minhas irmãs estão muito interessadas nos príncipes. E eu estou tão nervosa por causa deles que não quero mais ouvir os nomes Matthew e Thomas na minha vida! – Eu ri, demasiado animada.

– Eu não posso te pedir isso – falou Logan, sem nexo.

Olhei para ele. O sorriso tinha sumido e ele encarava o chão com uma cara de totalmente perdido e arrependido, mas acima de tudo decepcionado. Será que era por que eu estava falando de meninos com ele? Fiquei confusa e não sabia o que dizer. Logan nunca foi assim, estava sempre animado quando estava comigo, mas nas últimas semanas ele tem apenas se afastado cada vez mais.

– Logan... Eu não estou entendendo...

– Olha como você está animada, Cass. Eu achei que você não queria isso. Eu achei... Eu queria... – A cada frase ele se atropelava mais nas palavras e me deixava ainda mais perdida. Não sabia o que dizer, ele estava se referindo a Seleção ou ao ateliê? – Eu achei que você gostasse de mim do mesmo jeito que eu gosto de você.

– E eu gosto! Você é muito especial pra mim, meu melhor amigo!

Ele riu, mas pude sentir que era algo como “é claro, eu já sabia.” Briene gostava de Logan do jeito que ele estava falando, não eu. Eu nem poderia imaginar isso. De um segundo para o outro eu percebi do que ele estava falando de verdade.

– Logan... Eu sempre te disse que eu queria montar meu ateliê e viver aqui com a minha família, mas você sabe como essa oportunidade é...

– Não, Cass! Eu não estou falando da Seleção, nem do seu ateliê, nem da sua família! Esqueça-os só um segundo, por favor? – Ele me olhou com raiva. Calei-me. – Por que você tem sempre que colocar todo mundo na sua frente? “O dever na frente da felicidade” assinado Cassidy Silver.

Senti meu rosto queimar de vergonha. O que estava acontecendo?

– Cass, pela primeira vez na vida esqueça tudo. Eu não estou falando deles, estou falando de nós.

Nós, pensei, o que tem nós? Nós somos amigos, eu nunca vi nem vou ver você desse jeito. Era estranho para eu pensar nisso. Briene gostava dele, não eu. Eu não poderia magoá-la dessa maneira. Mas também não poderia machucar Logan.

– Olha, eu achei que você não quisesse ir para a Seleção. E eu percebo agora que eu não poderia te pedir isso. Você está feliz, quer mesmo ir pra aquele lugar nojento – Ele falava do palácio com tanto desgosto que me deixava culpada de estar decepcionando-o e indo para o único lugar onde ele nunca quis que eu fosse. – Eu não posso te impedir de viver isso, Cass.

– Logan, por que está dizendo isso agora? Teve uma vida inteira pra dizer isso, eu não posso deixar tudo de lado agora. E tem a Briene... E tem esse tanto de gente.

Ele se levantou bruscamente e eu fiz o mesmo achando que ele fosse me bater. Mas ele só se virou de costas e colocou as mãos na cabeça, coçando a nuca. Eu nunca tinha o visto ficar com tanta raiva antes. Mas eu estava certa! Meu orgulho me dizia isso, tudo me dizia isso.

– Para de pensar nos outros! – ele se virou para mim. Seus olhos não emitiam raiva, ele estava triste na verdade e eu estava pior. - Eu não gosto da Briene, Cass. Você não entenderia por que eu nunca te disse isso por que você nunca quis me ouvir! E agora eu estou te perdendo e talvez seja pra sempre! Eu não posso te impedir de viver isso, mas você tem que saber que eu te amo. Você precisa saber disso...

– Logan... Eu... Eu queria que tivesse uma maneira melhor... Quer dizer... Eu queria muito que eu não precisasse decepcionar a Briene nem ninguém, muito menos você... Mas essa é a oportunidade que eu sempre quis. Eu vou achar um amor e-

– Você está bem na frente de um amor, Cassidy. Você sempre esteve na frente de um amor! Mas sempre pareceu que tinha uma barreira entre você e eu.

Ele chegou mais perto e eu fiquei com medo que nos vissem. Aquela situação não podia ficar pior. O que eu iria falar para ele? O que eu poderia falar pra ele? Logan acabou de jogar toda a minha vida na minha cara e eu não tenho nada a dizer. Logan simplesmente acabou de tratar como lixo e insignificantes todas as coisas com as quais eu sempre fui preocupada e tudo isso bem na semana mais importante da minha vida. Como eu poderia dizer alguma coisa pra ele?

– Cass, eu sempre estive aqui. Eu sei que isso é ruim. Eu sei que eu não devia fazer isso. Eu sei bem que tudo o que eu estou fazendo agora é te confundir por que você nunca vai deixar o palácio de lado. Mas eu estou te pedindo, Cass, você precisa ficar...

Eu comecei a negar com a cabeça. As lágrimas começaram a rolar. Era ridículo. Em alguns minutos meu mundo caiu completamente. O sol nem parecia mais brilhar e todas as flores pareciam estar de luto por mim. Nem o chão parecia estável. Eu não queria chorar, mas o sentimento de confusão e impotência não me deu escolha, eu estava traindo minha irmã e ainda estava ferindo meu sonho, era impossível não se sentir culpada. Era como acordar em uma manhã ensolarada e descobrir que toda sua vida foi uma farsa e todos mentiram para você, todos sempre mentem. E eu sempre achei que Logan não fosse esse tipo de pessoa.

– Eu não posso, Logan... Eu realmente não posso...

– Eu posso te dar o ateliê, eu posso te ajudar com tudo. Eu sou Cinco e tenho um dinheiro guardado, eu te dou tudo o que você quiser por que eu te amo.

Olhei fundo em seus olhos. Eles me suplicavam. Só me fizeram chorar mais. Ele só podia estar brincando, não era possível. Toda uma vida ao lado do meu melhor amigo e eu nunca percebi que ele estava apaixonado por mim. Eu nunca percebi que aqueles “eu te amo” eram de verdade, e todas aquelas brincadeiras eram para disfarçar o que ele realmente sentia.

– Eu tentei, Cass... – ele fitou o chão. Limpei as lágrimas com os dedos. – Eu tentei ficar longe de você essa semana e todas as outras desde que eu soube que você entregou aquele maldito questionário... Eu sabia que você ia ganhar – ele sorriu triste. – Você sempre foi a mais bonita, sempre a mais esforçada em tudo, a melhor. E naquele dia, Cass, naquele dia que você tirou a foto. Eu me lembro do seu sorriso. Você estava tão animada por que ia conhecer o amor verdadeiro...

Senti-me uma idiota. Uma babaca por não ter percebido. Ele me encontrou na fila quando foi lá com a irmã Dallas. Ele me perguntou bem sério se a Briene tinha respondido ao questionário certinho e eu respondi rindo que era eu quem estava participando. Briene não ligava para isso já que o único cara que ela queria era Logan. E agora eu estava ali, parada, decepcionando os dois. Como eu não percebi isso antes? Como ninguém me disse isso antes?

Ele encostou-se à árvore e escorregou por ela até sentar na pedra de antes. Eu podia vê-lo sorrir, mas era um sorriso triste. Minha vontade era de sumir.

– E eu achei aquilo engraçado por que você estava bem na frente de um “amor verdadeiro” e não conseguia ver isso – ele disse. - Naquele momento, eu já sabia que tinha te perdido. Mas foi ficando pior a cada semana, Cass. A cada dia era como se você estivesse mais longe.

– Para com isso, Logan – pedi. Ajoelhei-me de frente para ele e toquei sua mão encima do joelho. Se fosse para dar um fora, eu daria direito e carinhosamente. – Eu não te amo dessa maneira. Mas você não pode se torturar assim. Não somos nós que escolhemos quem nosso coração deve amar. Você tem outras meninas e eu ainda posso voltar. Você tem outras pessoas e eu ainda preciso aprender a amar, Logan.

– Estou sendo clichê demais? – ele perguntou, me cortando no meio do meu discurso estilo “não fique triste, mas estou te dando um fora”. Olhou-me nos olhos e sorriu.

Nunca consegui saber se aquele era um sorriso sincero de verdade.

Meu celular tocou e eu o peguei do bolso estratégico que eu implantei no vestido. Era a minha mãe, e em se tratando da minha mãe duas coisas poderiam estar acontecendo: ou ela viu meu bilhete e estava pirando ou o funcionário do palácio chegou e ela estava pirando. E de qualquer jeito eu estava frita.

Olhei para Logan. Eu não poderia ficar nem mais um minuto ali. Ele pareceu saber disso, pois assim que eu olhei para ele, ele virou a cara e se levantou. Eu fiz o mesmo e, sem dizer mais nada, comecei a correr para longe dali. Se eu fosse rápida poderiam ser só 45min de esporro.

● ● ●

Beatrice Wanna Evershott

Eu já estava achando que ninguém viria mais. Eram quase oito da noite e ninguém tinha aparecido ainda. Estava fazendo morangos com leite condensado para mim e para meus irmãos, Jonny e Carlos, de 8 e 3 anos respectivamente, quando a campainha tocou.

Desde sexta-feira eu venho recebendo várias visitas, é quase como se algum filme de muito sucesso tivesse acabado de estrear no cinema e eu fosse a personagem principal, é quase inimaginável, eu nunca esperaria que minha vida pudesse mudar tanto assim. A Rainha disse que depois que nossa foto aparecesse no Jornal as nossas vidas nunca mais seria mais, tendo nós ganhado a Seleção ou não. Mas eu não acreditei que fosse mudar tanto assim!

Parece que todo mundo que sequer soube qual era meu nome veio me visitar nos últimos dias, amigos do primário (cujos nomes eu esqueci, mas eles não esqueceram o meu, pois ele é o mais falado na minha província), pessoas que me esqueceram, que partiram meu coração, que me odiavam, que me menosprezavam, as pessoas que me amam também, toda minha família, todos eles aqui na minha casa em uma das melhores semanas da minha vida! E também aqueles que eu nunca mais queria ver. Aquelas pessoas. Até elas. Eu já estava ficando louca com a campainha. Sete horas todo dia eu estava de pé me arrumando para receber visitas.

Uma das primeiras que recebi foi de uma funcionária do palácio. Ela veio me solicitar alguns cuidados especiais que as Selecionadas deveriam ter. Um deles é estar sempre arrumada em qualquer ocasião, afinal, os príncipes não gostariam de ver suas novas pretendentes com alface nos dentes, e isso valia para familiares também, eu devia estar bonita para todas. E fiquei sabendo pelos jornais que a monarquia também deu alguns produtos de beleza para as Selecionadas de castas baixas. Eles me ofereceram, mas minha mãe recusou por sermos da casta Três e não precisarmos.

Eu estava no meio de uma das melhores e mais desorganizadas semanas da minha vida, com parentes e pessoas entrando e saindo da minha casa, trazendo-me presentes e pedindo-me favores que eu deveria pedir ao Rei quando estivesse no palácio (eu tive que anotá-los na frente dessas pessoas!), mas uma das regras que os empregados do palácio mais me alertaram era que, não importa com quem eu estivesse, sempre que um deles chegasse na minha casa para conversar comigo, mais ninguém (além dos meus pais, irmãos e familiares próximos) poderia estar na sala. Isso por serem sempre “assuntos confidenciais”.

E por isso mesmo hoje eu liguei para todos que sobraram para me mimar e mandei-os vir amanhã, só para não ter ninguém na visita do (oh, finalmente) penúltimo funcionário do palácio. Tudo isso para ele não chegar até aquele momento.

– Já vai! – gritou minha mãe.

Coloquei os copos com morangos em uma bandeja e coloquei-a encima da mesa, desejava ter feito mais um para oferecer ao empregado como das outras vezes, mas já estava achando que ele não viria mais. Fiquei na cozinha, que era o ambiente onde eu sempre recebia as visitas mais chegadas.

Me sentei na mesa e distribui os copos para meus irmãos. Carlos ficou com o de plástico desenhado e Jonny com o de gesso azul, eu fiquei com o de vidro desejando que o funcionário não estivesse com fome. Ele apareceu na porta, era um homem de uns vinte e poucos anos, loiro, e estava usando o casual uniforme dos guardas que apareciam no palácio: um terno branco com detalhes em dourado e vários símbolos diferentes por todas as partes, além de mais condecorações do que eu achei possível ter.

– Muito boa noite, senhorita Evershott – ele disse, formal. Olhou para meus irmãos que comiam na mesa de jantar, fascinados pelo guarda real. – Hm, creio que os assuntos tratados aqui hoje não sejam apropriados para os ouvidos de seus irmãos mais novos, senhorita.

– Quê? – perguntei, mas antes que ele pudesse se explicar minha mãe já estava enxotando meus irmãos para a sala.

– Vamos, queridos, é rápido, vão brincar! Levem sua sobremesa – ela dizia sorrindo. Estava mais animada que eu para aquilo.

Na verdade, depois que ele disse que “os assuntos tratados aqui” não poderiam ser ouvidos por menores eu já fiquei apavorada. Minha mãe veio se sentar ao meu lado e o homem pediu licença ao se sentar à minha frente.

– Bem, senhorita Evershott, devo-lhe desculpas por ter chegado a tão infortuna hora. Eu tive que tratar do mesmo assunto com algumas outras Selecionadas antes de vir até a senhorita e o tempo se perdeu. Sinto muito pelo incomodo.

Sua formalidade só o deixada mais atraente (ou era aquela barba?) e o fato de que ele estava pedindo desculpas a mim como se eu já fosse a Rainha me fez sentir uma Um. Eu assenti com a cabeça. Ele tocou de posição e, tossindo, continuou.

– Senhorita, isso pode parecer um tanto grosseiro, mas devo lhe informar que, desde sexta-feira passada a senhora é considerada propriedade de Illéa. – Ele me olhou para certificar que estava tudo bem, e prosseguiu: - Pois então, sendo assim, a senhorita deve tomar alguns cuidados com seu corpo. Sugerimos que não faça atividades desgastantes e coma alimentos saudáveis em casa no pré-palácio e durante sua estadia lá. É importante que você esteja bem e preparada para os príncipes.

Era evidente que ele estava morrendo de vergonha ao dizer aquela frase, até eu estaria. Ele tinha acabado de dizer que eu tinha que estar impecável para qualquer situação que os príncipes queiram? E esse “preparada”? Concordei rapidamente só para que ele não ficasse tão nervoso.

– Passemos então para o próximo ponto. Estou com seus exames médicos e tudo parece estar perfeito.

Me senti orgulhosa por finalmente estar bem.

– Mas – ele continuou –, nosso laboratório achou vestígios de algum remédio não listado pela senhorita para a nossa equipe. É para sua segurança que preciso que me diga se está tomando algo ou não – seus olhos se encontraram com os meus e eles pareciam exigir a verdade a qualquer custo.

Merda, os remédios!, pensei. Como eles ainda estava no meu organismo? E o que diabos eles estavam fazendo lá a essa altura do campeonato? Não podia deixar que a família real soubesse do meu histórico, seria um ultraje! Eles nunca me aceitariam. Por que aquela Clínica de Reabilitação tinha que passar remédios tão fortes? O que eu diria? Não posso inventar nada com esses olhos me encarando e eu-

– Ah! Nossa, seus exames são mesmo muito precisos, senhor... – Minha mãe espremeu os olhos para ler o crachá do guarda. – Levigne.

Mãe, o que tu tá fazendo, mulher?, pensei. Tanto eu como o guarda encarávamos a moça à minha esquerda com curiosidade.

– Mas não tanto, pois não conseguiram ver que são só remédios pra cólica – ela riu e o homem virou um pimentão. – Bem, acho que não preciso explicar muito mais sobre isso, não?

– Ah! – complementei. – E eu tenho tomado alguns remédios seus, mãe. Acho que são para dor de cabeça, foi numa noite que não consegui dormir...

– O quê? E não me falou nada? – Minha mãe estava mesmo incorporando a personagem e me ajudando a mentir... Ou não... – Vamos conversar daqui a pouco, mocinha.

O loiro anotou algo em uma prancheta e voltou a me fitar com aquela cara que extraia toda a verdade de você sem nenhum esforço. Mas ele não estava mais tentando me fazer falar, ele tinha caído. Devíamos mentir mais vezes juntas, mãe.

– Hm, preciso perguntar-lhe se, por acaso, você quer algum tipo de remédio, tanto para... Cólica quanto para dor de cabeça, pois estes remédios que a senhorita vem tomando podem estar fazendo mal ao seu organismo e bem-

– Pode mandar pedir para dor de cabeça, por que depois da nossa conversa a Beatrice vai ter muita! – exclamou minha mãe, me matando de vergonha.

– Mãe! – Olhei para ela com raiva. A encenação acabou, fofa!

– Sim, senhora – disse o homem, relevando a situação. – E enquanto a senhorita não for para o palácio peço descrição ao usar remédios que não saiba para que são. – Ele me olhou com cara de pai quando descobre algum podre da filha e está decepcionado.

– Sim, senhor – eu falei envergonhada.

– Próximo ponto, senhorita Evershott... Peço que não tenha vergonha, pois conversei sobre este assunto com outras Selecionadas também e elas foram satisfatórias em suas respostas, assim como acredito que serás.

Todos os meus pelos se esvoaçaram. E se eu não fosse “satisfatória em minha resposta”? O que eu deveria exatamente responder? Tentei manter a pose, e não demonstrar total pânico. Durante essa semana, essa é uma das coisas que eu mais faço: manter a pose. Não que eu precise me esforçar para ser doce, é uma coisa da minha personalidade, mas eu tive que prestar bem atenção para não pisar na bola com coisas bobas. Aquela era uma chance que eu não podia perder, eu poderia conseguir o amor da minha vida. Poderia dar aos meus irmãos lucros melhores do que com os livros que vendo e orgulho à minha mãe depois de todas as coisas pelas quais eu passei. Ela sabe que isso seria um ótimo recomeço.

O homem a minha frente pigarreou e disse tudo de uma vez, corando em seguida:

– Preciso que a senhorita me confirme se é virgem.

– Como assim? Beatrice nunca namorou! – protestou minha mãe.

– Obrigada por lembrar, mãe. – Sorri, desconfortável. Não sei se eu ou ele estávamos piores no quesito vergonha. Eu parecia a roupa do Papai Noel e ele um dos morangos que eu até parei de comer e me engasguei. – Eu sou virgem.

Ouvir aquilo sair da minha voz só me deixou pior. Eles não poderiam mandar uma mulher? Ou um cara feio? Ou um gay? Ele não pareceu querer protestar e só escorregou na minha direção alguns papéis e uma caneta.

– Desculpe-me por dizer-lhe isso, mas se descobrirmos que a senhorita está mentindo isso implicará em punições severas no palácio.

O que ele queria dizer com aquilo? Eu estaria fora da Seleção? Me matariam? Senti medo, eu estava dizendo a verdade, claro, mas fiquei com medo de, em qualquer teste maluco que eles fizessem algo para mim desse errado e eu fosse “severamente punida” por conta disso. Afinal, era o palácio e lá qualquer coisa que você fizesse te deixava a beira da morte.

● ● ●

Nicolly Fistrovc

– O QUÊ? – gritei.

– A senhorita me desculpe a intimidade da pergunta – disse o homem sentado no sofá à minha frente.

Eu não acredito que ele acabou de me perguntar isso na minha cara. Ele acha que é o que? Meu ginecologista? Nem isso pode ser, pois ela é mulher! Giselle, minha melhor amiga casta Dois começou a rir como uma retardada. Eu não sabia onde enfiar a cara.

Era impressionante como a vida de uma Oito poderia mudar tão de repente sem um aviso prévio. Quando eu quis entrar para a Seleção, pensei que nunca seria escolhida, afinal, era uma Oito e a palavra “Um” só saia da minha boca quando era para pedir um pedaço de pão no lanche do orfanato. Ser uma Selecionada ia totalmente contra meus planos, isso era tão confuso na minha mente, não sabia por onde começar.

Sou extremamente grata à minha amiga Giselle. Ela que fez isso tudo por mim, ela que me encorajou a entrar para a Seleção, disse que seria um novo começo, que eu poderia mudar toda a minha vida e, de certa maneira, eu acreditei nela. Se eu conseguisse a coroa poderia mudar a vida de tanta gente, não só a minha. E, depois de ter grandes esperanças, eu só conseguia pensar em toda a comida que eu poderia aproveitar quando estivesse no palácio, e, se eu ganhasse, poderia comer mais ainda. E seria finalmente o oposto do que eu era, uma nada, ali, finalmente eu seria algo. E mais que algo, eu seria tudo.

Mas quando eu fui Selecionada e as meninas do meu orfanato começaram a se virar contra mim (mais do que o normal), comecei a achar que eu nunca deveria ter sido Selecionada. Se não fosse por Giselle, eu nunca saberia como chegar lá. E, sendo uma Dois, ela me ajudou com as roupas que eu fui obrigada a usar. E quase me adotou em casa para que eu tivesse mais privacidade do que no orfanato. Ela era a melhor pessoa, se tivesse se inscrito teria ganhado com certeza! Uma pessoa doce e engraçada como ela deveria estar na Seleção, e não uma menina órfã e grossa como eu. Mas agora era minha chance e eu não podia perder.

Um dos requisitos para ter a penúltima visita de todas era que eu estivesse com meus pais (opa, eu não tenho) ou com um responsável legal. Das outras vezes (só em uma não foi), os pais da Giselle fingiram estar responsáveis de mim por alguns minutos, mas hoje a dona do orfanato Dona Odette, estava na sala de visitas comigo e com Giselle. Eu também era muito grata por ela, em momentos que eu só queria morrer, ela estava lá para me ajudar e isso não tem preço, não trocaria toda a comida do palácio por ela. Mas não era isso que eu estava fazendo? Ops.

Nunca pensei que aquela conversa fosse sobre aquilo. Dona Odette colocou a mão esquerda na frente da boca como uma Lady para rir e eu coloquei logo as duas na frente do meu rosto para me cobrir. Por que eu não tirei Giselle da sala quando o guarda me pediu?

– É claro que sou virgem! Não foram vocês que inventaram essas regras de castidade?! – Meu rosto estava queimando de vergonha. Giselle não parava de rir.

– Hm, tudo bem. Preciso avisar-lhe de que se descobrirem que a senhorita está mentindo...

– Não estou mentindo! – exclamei. – Vamos passar para o próximo assunto, por favor.

O homem olhou para Dona Odette e ela fingiu que não estava rindo para ele e, assim que ele se virou de volta para mim, ela começou a demonstrar os primeiros sinais de um sorriso por baixo da mão. Giselle estava chorando de rir, mas parou assim que ele me deu formulários para assinar. Os assinei com raiva, a caneta quase pulava da minha mão suada.

O homem passou para o próximo assunto:

– Senhorita Fistrovc, preciso repassar as regras do palácio para você mais uma vez. Elas são bem claras, por isso você não terá dificuldade, mas se tiver qualquer dúvida pode me interromper quando quiseres.

Eu poderia ser grossa, mas nunca interromperia um guarda real. Ele me dava medo com aquele terno assustadoramente branco e sua barba quase invisível.

– Não há um cronograma para a Seleção, ela pode durar dias, meses ou anos. Tudo depende da escolha dos príncipes. Lembrando que, como temos uma Seleção dupla, os dois príncipes devem escolher suas esposas para que a Seleção acabe.

Eu iria ficar lá até que os dois se decidissem? Meses? Anos? Quanto tempo eu iria ficar longe de Giselle e da Dona Odette? E de todas as pessoas do orfanato que me amam? Por quanto tempo eu iria ficar presa lá? Aquilo me deixou nervosa e ansiosa. Era muito além do meu controle, não era uma coisa que eu gostei.

– Além disso, a senhorita não pode sair do palácio por conta própria, somente se algum dos príncipes solicitar sua saída, a senhorita estará dispensada. Caso contrário, deverá ficar lá até que os príncipes julguem necessária a sua presença para a escolha deles. E, volto a repetir, como temos uma Seleção dupla, um dos príncipes pode escolher sua esposa primeiro. E mesmo que o segundo príncipe demore muito mais que outro, você não poderá sair.

– Deus! – cochichei para Giselle.

– A senhorita não tem horários específicos com nenhum dos príncipes. Quando eles julgarem necessário, os mesmos vão até você solicitar um encontro a sós. Sendo assim, você não poderá pedir um encontro sem ser convidada. Tirando os grandes eventos e os almoços e jantares, além das aulas de postura e geral, a senhorita não terá que se preocupar com horários.

Ele pensou um pouco e continuou:

– Além disso, a senhorita não deve em hipótese alguma recusar se encontrar com os príncipes, eles tem total controle sobre seus horários e se julgar necessário podem lhe tirar no almoço ou no jantar para um encontro. A senhorita também não pode negar sair com um príncipe pois está apaixonada por outro, eles escolhem com quem devem sair. Ao mesmo tempo, a senhorita não deve recusar qualquer convite que qualquer um dos príncipes fizer à senhorita. Não importa o quê: jantar, sair, beijar, mais que beijar, qualquer coisa. Nunca os desobedeça, desrespeite ou dispense.

Ele olhou para Dona Odette, talvez para se certificar que ela estivesse entendendo também e que não estava pirando como eu. Ele poderia fazer qualquer coisa comigo? Mais que beijar? Aquelas regras só ficavam piores o tempo todo. Como se não bastasse ser uma Oito e julgada por uma sociedade inteira, ainda teria que tolerar qualquer tipo de abuso que os príncipes possam vir a ter comigo. Eu não podia acreditar. Ser jogada como lixo por todos para depois, lá no palácio, ter de agir como se eu não me importasse se o príncipe quisesse “mais que beijar”.

– Seus interesses românticos devem ser apenas voltados para os príncipes, seja qual for, e se a senhorita for pega mandando cartas para empregados do palácio ou para pessoas fora dele poderá ser punida com a morte por traição. Outra causa de pena de morte é a sabotagem de outras Selecionadas. Como é uma competição, sabemos que talvez as Selecionadas possam não ser amigas, mas em qualquer forma de sabotagem, brigas, agressões ou fazer qualquer coisa que possa afetar a relação com os príncipes, eles que devem decidir se você será anistiada ou sairá do palácio.

Giselle escutava tudo com atenção e eu parecia ser a única que estremecia cada vez que ele falava as palavras “pena de morte” e “príncipes”. O guarda, por outro lado, parecia tranquilo e confiante com tudo o que dizia.

– A senhorita não poderá usar roupas ou consumir alimentos que não forem oferecidos pelo palácio, para sua própria segurança. Caso a senhorita quebre qualquer uma das regras de Illéa, será punida de acordo. Sua condição de Selecionada não a põe acima da lei, por isso, modos com os príncipes e família real são obrigatórios.

Dona Odette me olhou com cara de “está escutando bem isso, né?”. Revirei os olhos e ouvi o guarda continuar as intermináveis regras.

– Todas as sextas-feiras a senhorita estará presente ao longo da transmissão do Jornal Oficial. Haverá momentos, sempre previamente informados, em que cinegrafistas e fotógrafos irão ao palácio. A senhorita deverá ser gentil com eles e permitir que filmem seu dia a dia com os príncipes. Sua família receberá por cada semana que passar no palácio.

Não suportei e ri alto de uma só vez, com desdém. Ele parou automaticamente de falar e parecia estar buscando em sua mente qualquer coisa que tenha dito errado.

– Eu sou órfã! – resmunguei.

Ele fez uma cara confusa e continuou:

– Ah, sim, sua condição requer que a representante do estabelecimento receba o dinheiro que estaria destinado à sua família. Se a senhorita desejar trocar a pessoa que receberá o dinheiro, deve falar com o tesoureiro real assim que se instalar no palácio.

– Não preciso – falei. Sorri para Dona Odette e ela me devolveu o sorriso como um “obrigada”.

– Eu irei deixar o primeiro cheque para a senhora antes de eu sair. – O guarda real agora olhava para Dona Odette, e depois voltou para mim. – Continuando, se a senhorita sair do palácio, assistentes virão para ajudar você a voltar à vida de antes, a vida pós-Seleção. Eles também ajudarão você a arrumar um emprego.

– Emprego? – questionei.

Para um Oito arrumar emprego era quase impossível. Mentira, era impossível. Bem no curriculum nós tínhamos que informar nossa casta e os Oito são os bastardos, os intocáveis, aqueles que não servem pra nada, fugitivos, viciados, e eu nunca fui admitida nem em um emprego de costureira pela minha casta. Já vi pessoas dizendo que nós não precisávamos nos envergonhar da nossa casta, mas é difícil quando, sempre que você diz “sou uma Oito”, as pessoas correm de você.

– Ah, desculpe-me, senhorita Fistrovc, a partir de agora, a senhorita é uma Três.

– Três?! – todas as meninas do recinto exclamaram juntas aquela palavra magnífica.

Nunca mais teria que me importar com pessoas me rebaixando perto de Gisele, poderia arrumar um ótimo emprego, teria amigos de verdade. Aquela palavra quase me fez chorar.

– Sim, a maioria das Selecionadas têm dificuldade de voltar para a vida antiga, então as Selecionadas viram Três para não causar empecilhos. Se a senhorita ficar entre as dez melhores candidatas, será considerada da Elite, e nós lhe informaremos os deveres e responsabilidades que este status lhe trás quando chegares lá. Você não pode perguntar sobre isso antes desse momento. Caso conquiste o coração de um dos príncipes, a senhorita será uma Um. E como não tem os pais, se tiver algum irmão ele também será Um. A senhorita irá se casar com seu respectivo príncipe e será coroada a Princesa de Illéa, com todas as responsabilidades indo junto com o título. Se seu marido conseguir a posse de Illéa, você virará a Rainha, assumindo todos os direitos e compromissos dessa honra. Compreende?

– Compreendo, sim – falei mansa. Eu demoraria algum tempo para recapitular todas aquelas regras na minha mente. Eram tantas coisas, tantas regras, tantas novidades, meu cérebro não suportava aquilo. Era tudo novo e a maioria das coisas eram magníficas.

– Por fim, a senhorita poderia assinar este comprovante de que escutou todas as regras oficiais? – Ele passou uma papelada para mim e se virou para Dona Odette. – E a senhora o recibo do cheque, por favor?

Peguei a caneta que ele me dera e a apoiei no papel. Era agora. Minha vida toda estaria mudada. Eu nunca mais seria a mesma. Teria uma vida melhor, seria uma pessoa melhor, eu finalmente poderia ser alguém. E isso era tudo para mim.


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