A Seleção - Interativa escrita por Lady Ann


Capítulo 5
Tirando Medidas


Notas iniciais do capítulo

Cassandra: http://i.imgur.com/WuDxJr1.png

Delilah: http://i.imgur.com/9gyjEl0.png

Winter: http://i.imgur.com/pdSoQJe.jpg



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Cassandra Beatrice Penderghast

Pessoas entravam e saiam da minha casa o tempo todo. Era nesses momentos que eu agradecia por ela ser grande o suficiente para aguentar toda essa gente.

É estranho pensar em como minha vida mudou nos últimos cinco dias e em como vai mudar para sempre daqui a apenas dois. É estranho pensar que antes, mesmo que eu fosse uma Dois, eu nunca tive tanta gente cuidando da minha vida e de mim e agora pessoas entram na minha casa para checar a segurança, as roupas, a comida. Todos mandados do palácio de Illéa e eu devo admitir que gosto. É tão bom saber que você vai para a Seleção depois de ficar aquele tempo todo esperando ansiosa para saber se seria Selecionada, e agora é só uma questão de tempo até você conhecer todos da monarquia e o palácio inteiro.

Eu nunca fui tão observada e cuidada na minha vida como eu fui naquela semana. Eu só tinha uma semana depois do anúncio dos nomes e logo estaria no palácio, isso era tão animador! Vez ou outra quando eu estava sozinha conseguia imaginar cada parte de cada príncipe e imaginar como seria com cada um deles. Matthew seria mais quieto, talvez deixasse a Seleção para o irmão e escolheria quando tivesse certeza, e Thomas, ó Thomas, ele com certeza era o mais legal dos dois, mais atencioso, mais intenso, mais descolado, impossível não se apaixonar. Ele tratava tudo com naturalidade e era tão “cool” como os Bad Boys da época da minha tatatatatataravó.

Eu também perdia horas de sono imaginando o que dizer para eles, o que falar quando eles me chamassem, imaginando como seria cada segundo no castelo e cenas que aconteceriam entre os príncipes e eu. Enquanto pensava meu rosto corava e eu dava gritinhos. Eu estava voltando a ser adolescente apaixonada da época de Alexander... Talvez menos mimada e nojenta, mas mesmo assim apaixonada e sonhadora... Só esperava que meu romance imaginário com os príncipes não acabasse como acabou com Alexander...

– Tá surda? – perguntou Daveigh rindo.

Daveigh Caroline Newsome era minha melhor amiga, a melhor amiga que alguém já pode ter. E descendente de Celeste Newsome. Todos já ouviram histórias sobre Celeste, uma ex-Selecionada que causou no palácio e mesmo assim não foi escolhida. Daveigh mandou o formulário para a Seleção, queria ser uma Selecionada, talvez mostrar para as pessoas que sua bisavó poderia chegar a “reinar”, mesmo que não estivesse mais viva. Queria mostrar que a família Newsome tinha alguma importância sem ser no ramo de filmes e modelos, mas ela não foi Selecionada, eu fui, e ela está ainda mais feliz por mim.

Como se eu estivesse acabado de acordar, levantei minha cabeça e olhei para a garota à minha frente com uma expressão confusa. Tinha até me esquecido que estava em um restaurante com minha mãe, irmã, Deveigh e com um cara do palácio que eu até agora não fazia ideia do que ele queria. Eu estava cutucando meu risoto enquanto pensava na Seleção e quando levantei minha cabeça todos olhavam para mim como se esperassem alguma resposta.

– Hm? – foi o que eu consegui falar.

– Acorda, querida – ironizou minha irmã, arrogantemente. – Queremos saber seu peso.

– Mas eu medi tudo naquele dia! É 57kg!

– Mas teremos que medir de novo... – O empregado do palácio que usava um terno começou a procurar algo na prancheta que segurava (meu nome, talvez) e continuou: - Senhorita Penderghast. Sei que é incômodo, mas muitas Selecionadas aumentaram de peso depois das vitaminas oferecidas pelo palácio. Precisaremos medi-las de novo.

– Não é nada incômodo – minha mãe respondeu o homem, com um sorriso, e olhou para mim com cara de reprovação. – Claro que podem medir a Cassie, podem tirar quantas medidas forem.

– Obrigado, Senhora Penderghast, quero que saiba que fazemos isso para deixar os vestidos prontos para as Selecionadas – explicou o homem, colocando um pouco da franja horrível que tinha para trás. – Eu também queria informar que amanhã todas as Selecionadas receberão a visita de um agente do palácio para lhes fazerem algumas perguntas e explicar algumas regras do palácio.

Minha mãe começou a dizer algo que eu parei de ouvir no “e o que exatamente...”. Decidi prestar atenção na minha comida, mas percebi que não queria comer nada, queria ir logo para o palácio e acabar com essa ansiedade toda e esse nervosismo. Queria estar longe dali e conhecer um príncipe como sempre me contaram nas histórias da família real francesa, da qual eu vim. Eu teria grandes chances por ter crescido muito próxima da família real francesa, sabia disso, seria apenas uma questão de amar algum dos príncipes e deixá-lo me amar em troca. Talvez eu teria finalmente uma história de amor à altura das histórias de amor francesas que me contaram, talvez eu não tivesse que mais mentir e dizer que nunca tive um caso de amor com ninguém.

Me peguei pensando em Alexander Montgomery e em como eu fui apaixonada por ele até que minha irmã contou para o meu pai. Ele era um Cinco. Cinco! Cinco é só um número quando você ama alguém, mas para meu pai não, para o meu pai Cinco era sinal de vergonha e eu nunca mais pude falar com a pessoa que eu amei. Ainda me culpo por ele nunca ter descoberto que eu o amava. Ou por eu nunca ter perguntado se ele sentia o mesmo que eu...

– Cara, para de ficar olhando pro nada, por favor? – pediu Dê. Era a quarta vez que ela interrompia meus pensamentos com perguntas retóricas, mas era a primeira vez que ela não estava sorrindo ao fazê-lo. – Estamos discutindo algo sério aqui.

Eu olhei para o resto das pessoas na mesa redonda, minha mãe conversava abertamente com o homem ao lado de Dê. Ela percebe o quanto eu estou avoada esses dias e sabe que eu nunca fui assim, sempre fui forte e realista. Ela sabe que tem que prestar atenção por mim, já que eu estou tão perdida nos meus pensamentos que me desligo de cinco em cinco segundos. Nunca vou conseguir agradecer por ser sempre sua favorita e ter seu apoio para tudo. Queria que meu pai ainda estivesse aqui, ele iria ficar orgulhoso... Pelo menos agora eu me casaria com um Um.

Vocês estão discutindo alguma coisa séria, eu estou só pensando – sussurrei para Deveigh, mudando de posição com postura para não acabar dormindo encima do prato de comida. Eu realmente não devia ter ido dormir tão tarde imaginando minha vida no palácio.

– Se você quer passar mais de uma semana naquele palácio, acho que seria legal você parar de pensar um pouco e escutar o que esse cara tem a dizer – repreendeu-me Dê.

Eu olhei para ela com a melhor cara de emburrada que consegui fazer, mas sabia que ela estava certa. Olhei para o homem e fingi estar prestando atenção. Ele parecia nervoso na frente da minha mãe, olhava para seus olhos, depois para baixo, para seus cabelos ruivos como os meus e depois para os lados. Era visível como aquilo era tão irritante para ele como para mim. Por que não enviavam essa balela toda por escrito em uma carta?

Puxei a cadeira da Deveigh mais para perto da minha sem deixar os outros perceberem e ela olhou para mim sem entender o que eu queria.

– Olha a franja dele, que estranho – cochichei para ela com um sorriso.

Dê percebeu que eu só queria fofocar um segundo. Era a única maneira que eu tinha para não dormir naquele restaurante. Ela começou a fazer uma lista do que estava errado nele e na postura dele e eu só prestava atenção nas partes mais importantes, concordando com a cabeça. Eu tentei parar de pensar, mas quando Alex me vinha à mente era difícil afastar as memórias.

Voltei a prestar atenção em Deveigh quando ela começou a contar algumas histórias sobre Celeste e minha mãe disse que iríamos embora. Esforcei-me pra buscar alguma coisa na minha memória que ela tinha dito e sem sucesso me contentei a perguntar “Sério que ela fez isso?” e abri um sorriso. A Dê não percebeu e fez que sim com a cabeça, continuando a contar enquanto nos despedíamos e dentro do carro. Ela ria em algumas partes e eu fingia rir em todas elas, sempre dizendo coisas imbecis sobre o que ela dizia, fingindo (muito bem pelo jeito como Dê continuou) prestar atenção em cada palavra.

Maior que o meu esforço para fingir uma risada era meu esforço para tirar Alex e os príncipes da cabeça.

● ● ●

Delilah Hope Fraser

– Vire-se, Senhorita Hope, está dificultando as coisas! – uma “mini-mulher” estava me rondando naquele momento.

Ela já estava lá há uma hora e simplesmente não ia embora. No dia anterior, nos disseram que receberíamos a visita de duas pessoas no penúltimo dia que ficaríamos em casa, uma delas era essa mulherzinha minúscula e frágil (anã, talvez?) que veio tirar minhas medidas e a outra era um cara (esperava que não fosse tão chato e irritante como o outro) que vinha para nos explicar algumas coisas sobre a Seleção que deveríamos saber a todo custo.

Eu achei que eu fosse gostar mais da mulher que tira as medidas por não ter gostado de nenhum dos caras que vieram falar comigo sobre a Seleção e suas regras, mas de todas as pessoas que me visitaram nos últimos seis dias, aquela mulher a pior, ela era tão irritante, eu não consegui descobrir como ela guardava toda aquela chatice em uma cabeça tão pequena.

– Senhorita Hope, já mandei ficar com a cabeça para o alto! – ela ordenou pela terceira vez.

Eu não aguentava mais ficar em pé! Ela tirava as medidas de absolutamente tudo, dos meus dedos, da minha coxa, da minha cabeça, pescoço, braço, tudo! Pra que eles precisavam daquilo tudo? Era realmente chato ficar ali fazendo nada enquanto eu me concentrava em ficar com a cabeça para o alto. Dá ultima vez que tentei falar algo com meu irmão, que observava tudo sentado no sofá mexendo na câmera dele eu quase fui espancada pela mulherzinha, ela gritou um “não se mexa, Senhorita Hope!” que eu poderia dizer facilmente que até meus filhos iriam poder escutar.

Mas só o fato do meu irmão Adam estar ali comigo já era reconfortante. Adam era fotógrafo e estava sempre explorando mundo à fora para tirar fotos. Ele vinha para casa apenas alguns dias, já que ele sempre tinha que sair para trazer dinheiro para nossa família de “artistas”. Eu era uma Cinco. Ser uma Cinco tem lá suas desvantagens, mas eu nunca reclamei de poder pintar, por que eu realmente amava aquilo, minhas obras eram bonitas e famosas, nunca pude reclamar.

Senti falta da minha mãe, ela com certeza me diria o que fazer nesse momento de tensão pré-Seleção, me diria como reagir a todas aquelas notícias que os noticiários passavam sobre mim e toda aquela história de usar vestido o tempo todo. Ela seria a pessoa mais alegre da casa por que ela sempre foi assim... Até perder o primeiro filho, e depois até Adam descobrir o tumor... Aposto que ela não faria tão coisa contra sua própria vida se soubesse que o tumor era benigno, ela não nos deixaria...

Mudaram-me de posição e eu podia encarar Gale, meu outro irmão. Como podia ele ser apenas um ano mais velho que eu e tão mais inteligente, tão mais responsável e culto? Talvez fossem as nossas diferenças que faziam nos darmos tão bem um com o outro. Eu sorri para ele enquanto ele batucava alguma música que eu não conhecia na perna. Era estranho eu não conhecer qualquer música que Gale tocasse, já que ele tocava bateria o tempo todo em casa para ensaiar para a banda.

Logo agora que ele estava começando a fazer sucesso, eu vou para o palácio. Gale sorriu para mim de volta, mas eu já estava me afundando demais nos meus pensamentos para perceber.

A Seleção não era importante para mim há um mês. Na verdade, há um mês eu nem pensava em ir morar no palácio e me apaixonar por um dos príncipes. Depois de perceber todas as coisas que eu fiz com a minha vida, eu queria ficar em casa e fazer meu pai e meus irmãos se orgulharem da menina que faz quadros incríveis de novo. Eu tinha me transformado em uma pessoa que não era eu, me meti com tanta gente que não devia e percebi o que tinha acontecido. Agradecia por não ter sido tarde demais quando eu decidi mudar. E então a carta chegou.

Meu pai foi o primeiro a ler, depois Gale e depois eu, Adam não estava em casa e não conseguíamos falar com ele pela falta de dinheiro para pagar o telefone (eu disse que ser Cinco tinha suas desvantagens). Eu achei que fosse a oportunidade perfeita de mostrar que eu poderia ser alguém para se orgulhar se conseguisse, eu achei que a Seleção seria uma grande oportunidade na minha vida, afinal, o que eu tinha a perder depois de tudo? Foi um impulso e eu fiquei tão feliz e surpresa quando percebi que eu tinha ganhado. Meu pai ficou feliz por mim, depois de um longo tempo todos estavam felizes por mim e eu recebi várias visitas empolgadas, uma delas era Adam.

Um flash me cegou e eu percebi que era Adam tirando uma foto de mim.

– Há, sabe por quanto essa aqui vai vender? – ele sorriu brincalhão.

– Relaxa, depois que eu for pra Seleção nunca mais vai ter que dizer essa frase a cada vez que tirar uma foto ótima, já que vamos ter dinheiro para o resto de nossas vidas. – Eu sorria.

Ergui minha mão para coçar os olhos, pontinhos brilhantes voavam na minha frente depois do flash, mas a mulherzinha - cujo nome eu não sabia - gritou meu nome mais uma vez. Revirei os olhos para Adam e ele riu. Aquilo era tão desconfortável.

– Uma foto de Delilah Hope que mais se parece com uma boneca... Uns mil eu ganho nessa! – E ele me mostrou a foto. Eu estava com a cabeça baixa e o vestido branco de alcinha que a mulher me fez vestir para me medir me fazia mesmo parecer uma boneca. Meu olhar nem parecia de verdade. Olhei estranho para a foto. Essa não sou eu, pensei.

– Deixa eu ver! – pediu Gale e Adam foi se sentar ao lado do meu irmão para lhe mostrar todas as fotos que tinha tirado de mim nos últimos dias.

Como ele me deixava tão bonita em todas elas?

– Acabamos, Senhorita Hope – avisou a mulher, mas antes mesmo dela terminar o “Senhorita” eu já estava me jogando no sofá com um “ahhh” de alívio imenso. A mulher me olhou e empinou o nariz, saindo da sala de estar e indo para a cozinha, onde três outras pessoas discutiam sobre vestidos e anotavam minhas medidas.

– Que desespero – comentou Gale, rindo.

Adam riu até se contorcer. Ele sabia como eu estava desejando do fundo da minha alma que aquela semana acabasse de vez. Eram tantas visitas, perguntas, entrevistas, palestras, regras, eu estava ficando maluca! Eu sorri e olhei para Gale, sentado do meu lado. Podia dar uma bela de uma resposta para ele, mas decidi ficar calada. Era parte do meu treinamento para a Seleção, eu prometi a mim mesma não me meter em encrencas por causa da minha língua afiada. Ainda não me decidi se era a minha língua ou meu cabelo o mais incontrolável.

– Vamos aproveitar enquanto a Senhorita Hope – Adam imitou a voz da mulherzinha e eu comecei a rir – não pode nos responder com suas respostas e comentários grosseiros – agora ele estava falando de uma vez que eu respondi a mulher dizendo que aquele era “o mais extravagante e desnecessário vestido que eu já vi”, a mulherzinha falou a mesma coisa que Adam imitava para mim naquele momento, mas a verdade é que simplesmente escapuliu, assim como as outras coisas que eu digo sempre.

– “Você não quer que eu diga tudo isso aos príncipes, ou quer, Senhorita Hope?” – imitei também, rindo.

Estranhei o fato de Adam e Gale terem parado de rir em um segundo e olharem para algo atrás de mim. Pensei por um segundo e soube que estaria encrencada.

– Os príncipes saberão da sua má conduta, Senhorita Hope! – grunhiu a mulherzinha quando eu me virei para encará-la. – Já estamos de saída.

Ela andou um pouco e se virou:

– Estamos tão aliviados quanto você ao saber que vamos sair daqui agora – ela olhou para mim com raiva e saiu pela porta da frente, o resto do pessoal foi atrás, um deles ria baixinho.

Meu sangue parou e parecia que o ar tinha sumido por alguns segundos. Eu estaria mega encrencada, depois de tudo o que eu passei pra entrar na Seleção eu tinha jogado tudo fora em um segundo.

– Talvez ela esteja blefando... – Gale estava sendo o mais otimista que poderia ser e me deu um sorrisinho de canto mais falso que aquela mulher.

Eu comecei a rir da cara dele torcendo para que aquilo fosse verdade. Eu realmente esperava que fosse, não, eu precisava...

● ● ●

Winter Wilson Moore

Eu saía correndo pela rua. Segurava meu capuz como se fosse minha vida. Nunca tinha corrido tanto e esperava que estivesse tão rápida que ninguém conseguisse me ver. Pelo menos eu sabia que, se já tivessem me visto, gritariam meu nome, como em todas as vezes que eu tentei visitar Autum. Minha respiração estava tão alta que eu podia sentir as pessoas se virando quando eu passava para ser se não era um avião passando por eles. Eu sentia que precisava fazer aquilo antes de ir embora, sabia que ele iria à despedida, mas eu queria vê-lo de novo não como a Selecionada de Midston, minha província, queria vê-lo como Winter, sua melhor amiga.

Eu não conseguia ver as pessoas na minha frente, só o chão por causa do capuz, e isso me rendeu algumas boas ofensas enquanto eu esbarrava em todos na minha corrida. Não achei que o hospital fosse tão longe até ter que correr até lá. Pelo menos se eu tivesse falta de ar já estaria no lugar certo. Minha respiração estava tão precária que eu me sentia sugando o ar do hospital inteiro e cada centímetro do meu corpo ardia de tão quente que eu estava depois da corrida. Senti-me com vontade de arrancar toda a minha roupa e me jogar no enorme aquário que tinha na sala de espera do hospital, mas não, não seria ético e as Selecionadas devem aprender conceitos de moral e blá, blá, blá.

Ali, com Autum, ser uma Selecionada estava fora de questão, eu era simplesmente a Winter.

Dirigi-me ao balcão e abri meu casaco. Esperava que com os trinta quilos de maquiagem que eu coloquei as pessoas não fossem me reconhecer, mas a recepcionista só ergueu o olhar para mim e fez uma cara de surpresa e felicidade muito confusa. Eu coloquei o dedo na frente da boca pedindo silêncio e ela olhou para os lados antes de se ajeitar. Coloquei o capuz para que ninguém mais me visse.

– Oi – eu disse, quando cheguei bem perto. Não tinha percebido como eu respirava mal até tentar falar alguma coisa e sair como um guaxinim morrendo.

– Senhorita, Moore – disse ela.

A recepcionista fez uma reverência com a cabeça muito desnecessária, mas eu agradeci antes de continuar:

– Eu queria visitar o quarto 281, por favor – pedi.

Ela fez uma cara triste automaticamente.

– Me desculpe, o horário de visitas acabou há meia hora.

– O quê?! Eu preciso visitar o menino que está nesse quarto, por favor!

A cara que ela fez foi ainda pior, ela parecia sentir toda a dor e frustração que eu sentia naquele momento. Como eu fui me esquecer dessa desgraça de horário de visitas? Se ela não me deixasse entrar por bem, mostraria a verdadeira Winter e entraria de qualquer jeito.

– Me desculpe, Senhorita, eu queria fazer isso por você, mas é por motivos de segurança – ela olhou para os papéis que estavam na mesa dela, tentando não olhar para meu rosto que perdia a cor lentamente.

– Por favor, eu prometo não demorar! – juntei as mãos e olhei para ela com cara de cachorro que caiu do caminhão de mudanças. – Eu vou ir para o palácio amanhã e a senhora sabe como essas coisas de Seleção demoram, eu queria pelo menos ter um momento com o paciente do quarto 281, eu não vou poder vê-lo tão cedo...

– Ai, Senhorita Moore... – ela fez uma careta preocupada.

– Pode me chamar de Winter, sei que posso confiar em você – apelei.

Ela suspirou e olhou para os lados. Logo depois andou com a cadeira de rodinhas para trás e agarrou a chave do quarto 281 com as mãos na velocidade da luz. Ela olhou para os lados mais uma vez antes de me entregar as chaves rapidamente:

– Você tem meia hora antes de irem limpar o quarto 281 e os pacientes serem colocados para descansar, ok? – ela explicou, e então sorriu, parecia satisfeita por estar falando com uma das possíveis futuras rainhas de Illéa. – Nossa província torce por você, Senhori... Opa, Winter.

E a recepcionista piscou para mim assim que eu agradeci e saí correndo para o corredor.

Era difícil passar sem ser percebida, mas eu sabia exatamente o que fazer, já tinha entrado algumas vezes escondida no hospital. A vontade de ver Autum como antes era tanta que eu não podia esperar para vê-lo na escola (isso se ele estivesse bem) e o estado dele não melhorava como antes, o que eram mais horas no hospital tomando remédios e fazendo tratamentos caros, tratamentos que sua família não podia pagar.

Mas agora eu poderia, eu era uma Selecionada, não era mais uma Cinco. Sempre achei que podia dar a vida para que Autum tivesse a dele e agora eu estava deixando minha liberdade para salvar a vida de Autum. Era um preço baixo a pagar por alguém como Autum, meu irmão de outra mãe. Eu faria qualquer coisa para tê-lo comigo. A Seleção era a saída mais fácil e eficaz para ter meu melhor amigo vivo, era uma coisa que eu devia fazer. E havia meu pai, ele devia estar no palácio e eu precisava vê-lo de novo...

Depois de me esconder atrás de tudo quanto é coisa, cheguei ao quarto 281. Ia tanto lá que eu conhecia o caminho de olhos fechados, poderia chegar lá só pela passagem de ar condicionado se eu precisasse (eu era pequena o bastante, anã de carteirinha). Parei na frente da porta de Autum e pensei. O que eu iria falar com ele? “Oi, estou indo pra Seleção amanhã, te vejo quando isso tudo acabar, mas você vai estar vivo por que depois de você ter salvado a minha vida, eu salvo a sua com o dinheiro da Seleção.” Percebi que tinha que ter decorado algum texto antes. Talvez assim eu não estivesse parada na porta pensando no que falar.

– Entra! – ouvi Autum chamar. Como ele sabia que eu estava ali? Não disse nada, não movi um músculo. – Doutora, o que está fazendo?

A voz dele parecia tão fraca e dolorida. Leucemia é tão horrível. Senti vontade de chorar, mas eu sabia que tinha que ser forte por Autum. Abri a porta e entrei lentamente no quarto, olhando para Autum enquanto entrava. Ele estava com tubos no nariz, nunca tinha visto isso. Seus olhos estavam fechados e eu levei a mão à boca. Por que com ele?

Autum olhou na minha direção e franziu a sobrancelha, seus olhos estavam meio vermelhos e ele não parecia estar me vendo.

– Suas roupas estão estranhas, já vai?

Fiquei sem fala, ele achava mesmo que eu era a doutora? Ele não estava me vendo? Nunca achei que chegar depois do horário de visitas fosse um problema, agora eu vejo por que nunca me deixaram entrar ali depois das cinco horas.

– Autum – consegui dizer.

Ao ouvir minha voz, ele ficou surpreso. Não, mais que surpreso, eu diria assustado. Se apoiou em um braço para se levantar ou ajeitar na maca, mas não conseguiu muita coisa. Fechei a porta correndo e fui até ele para ajeitá-lo no travesseiro. Ele levou a mão até os olhos e os esfregou, arregalando-os para mim.

– Winter, que surpresa – ele sorriu, meio envergonhado por eu tê-lo visto naquela situação talvez, eu não conseguia ver sua expressão com tantos tubos passando pelo seu rosto.

– Autum – comecei, mas não disse mais nada. Não queria chorar, mas não estava mais me contendo.

– O que está fazendo aqui há essa hora? – Podia ver um sorrisinho por detrás dos tubos. – Está tarde para princesas saírem por aí.

Ele tentou rir, mas saiu como uma tosse abafada. Eu não conseguia dizer nada. Não o via há três dias e quando minha mãe tentou me dizer que ele não estava melhorando, eu não achei que ele estivesse piorando. Eu iria para um palácio onde teria tudo do bom e do melhor e ele ficaria ali sozinho em um hospital. Lembre-se de que você precisa ir, Winter, precisa salvar a vida de Autum, ele salvou sua vida, agora é sua vez, pensei. Mas eu não posso deixá-lo, não assim...

– Ah, ok, isso é péssimo, mas ainda consigo falar e me mexer. E comer, comer é legal, a comida daqui é ótima – ele disse sorrindo, como se ajudasse. Ele só estava morrendo aos poucos, poderia morrer a cada segundo que eu gastava sem dizer nada.

Sem pensar, eu só o abracei. Não queria chorar mesmo, mas foi inevitável, eu nem percebi que estava chorando, mas depois de um tempo a camisa branca do hospital que Autum usava estava toda molhada e suja de rímel.

– Está borrando sua maquiagem, princesa – disse Autum. Suas mãos faziam carinho em meus cabelos e seu sorriso me confortava mesmo que eu não pudesse vê-lo.

Sussurrei o nome dele mais uma vez e percebi que eu nunca ia conseguir falar nada. Subi na maca que ele estava e me acomodei perto de Autum, bem na ponta para não incomodá-lo. As lágrimas não paravam de sair e sua camisa ficava mais suja e molhada a cada minuto que se passava. Apoiei-me no peito dele e olhei para o aparelho que media seus batimentos cardíacos. Ele estava calmo, muito calmo. Como ele estava calmo naquele momento? Senti vontade de chorar de novo, mas nada aconteceu, meu estoque de lágrimas acabou.

Fiquei ali parada. Não sabia o que dizer e não conseguia dizer nada. Autum passava a mão no meu cabelo e estava sorrindo, eu podia sentir isso.

– Obrigado por estar aqui, Winnie – ele falou.

E quando eu achei que não tinha mais lágrima nenhuma para descer, uma enxurrada molhou toda a parte da camisa de Autum na qual eu estava apoiada. Que idiota eu, achei que iria lá para apoiá-lo, contar que eu ia para a Seleção, que ele ficaria vivo, fui para lá feliz, e quando cheguei tudo o que eu consegui fazer foi chorar e molhar Autum inteiro.

– Obrigada por nunca me deixar, Autum – consegui dizer. E, percebendo que o som finalmente saiu, continuei: – Eu vou para o palácio amanhã... Não acho maneira melhor de te dizer isso, então vou te dizer logo...

Tentei parar de fungar e soluçar o tempo todo, mas a cada frase que eu dava, cinco soluços saíam no final.

– Vou para a Seleção e vou conseguir dinheiro para você, Autum... Você me disse... Me disse para não desistir e eu não vou fazer isso... E-eu não posso deixar de lado quando você... Quando você disse que era pra seu ter uma vida mesmo que... – As próximas palavras doeram e renderam uma nova leva de lágrimas: – Mesmo que você não tivesse... E eu aprendi a viver de novo depois disso, Autum... Eu preciso te agradecer e vou pagar seu tratamento, tudo o que você precisar... Minha mãe aceitou, o dinheiro vai para ela, mas para você também... E eu quero que aceite, eu te amo, Autum, não quero que você se... S-se vá e eu fique assistindo, eu vou lutar por você, prometo.

Eu devo ter soluçado umas cem vezes ao dizer isso e continuei depois. O silêncio era quebrado de tempos em tempos quando eu fungava e quando Autum respirava mais profundamente. Eu disse, disse tudo, não esperava que Autum fosse dizer alguma coisa, agradecia por simplesmente estar ao lado dele naquele momento e por ter a chance de senti-lo sorrir pela penúltima vez naquela semana.

Depois de três minutos percebi que ele não estava sorrindo como eu achei. O ouvi chorar baixinho e levantei a cabeça só para ver meu melhor amigo todo vermelho e cheio de lágrimas. Aquilo acabou comigo de verdade. Logo, éramos os dois chorando.

– Nunca vou conseguir te agradecer o bastante por isso, Winnie, nunca – ele disse entre um soluço e outro.

Segurei seu rosto com as duas mãos e olhei em seus olhos. Fazia “shii” com os lábios para acalmá-lo e estava dando certo. Ele olhou para mim, já parando de soluçar e eu também parei. Meus olhos doíam de tanto chorar e eu sentia meu corpo todo mole, queria ficar ali do lado dele para sempre.

– Não precisa agradecer, você já fez muita coisa por mim – eu cochichei. Ele fez que sim com a cabeça, fungando e fechando os olhos com força para afastar as lágrimas. – Só me prometa que vai ficar sempre comigo, não importa o que aconteça.

– Winnie, eu estou-

– Por favor... – interrompi, quase me despedaçando de novo ao supor o que ele ia dizer. Ele ia dizer que estava prestes a morrer... Mas eu não ia deixar, não podia... – Eu só preciso ouvir isso de você, Autum, só quero saber que vai ficar bem e que depois de tudo ainda vai estar lá comigo.

– Prometo, Winnie, vou estar com você em todos os momentos – ele falou. E depois, me olhando nos olhos e com seu típico sorriso sincero ele completou: – Eu te amo, Winnie, nunca se esqueça disso.


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Notas finais do capítulo

Depois desse final: http://imgur.com/NhCqkY1