Depois da visita misteriosa de Yuri, o príncipe desaparecido, minhas energias pareceram voltar. Se ele ainda estava por aí, Dimitri também poderia. Então eu fui para o café da manhã muito mais convicta e com esperanças renovadas e encontrei ainda alguns remanescentes do enterro simbólico de Dimitri, entre eles minha própria família e os primos do meu marido desaparecido.

— Bom dia — cumprimentei-os. — Como estão?

Após uma breve troca de olhares todos se voltaram para mim e eu ergui as sobrancelhas. Acho que eu parecia mais animada que acreditava estar.

— Oi, Layla — Demyian sorriu um pouco. — Como você está?

Dei de ombros.

— Mais ou menos, mas percebi que não posso ficar agindo assim, para baixo e tal. Vou tentar ser menos maluca com as outras pessoas — informei-o.

Demyian assentiu.

— Talvez você gostaria de exercitar isso mais tarde? Só nós dois? Dimitri ficaria orgulhoso.

— Demyian! — Sasha exclamou irritada.

Sorri para ela.

— Tudo bem, Sasha. Espero que Dimitri fique orgulhoso de mim quando voltar, afinal, sou sua esposa.

Nova troca de olhares entre Demyian e Kira. Kira limpou a garganta.

— Layla… acho que você deveria... não sei… se preparar para a pior hipótese, sabe?

Assenti.

— Tudo bem, estou trabalhando nisso — disse só para que todo mundo parasse de achar que eu era louca, já que meu comportamento era inexplicável. Eu não poderia dizer ao rei que seu filho mais velho desaparecido apareceu para mim, certo?

Mantive a boca fechada a maior parte do tempo e o clima parecia estranho ao redor da mesa muito mais cheia que o normal.

— Podemos conversar, querida? — papai se dirigiu pela primeira vez a mim. Ele parecia preocupado com a minha sanidade.

— Claro — eu disse. — No meu quarto?

Ele concordou e fomos em silêncio para o terceiro andar.

Papai puxou a cadeira da escrivaninha para si e eu sentei na beirada da cama.

— Você se casou com o príncipe de outra nação — começou.

— Eu sei disso.

— E também sabe que, na Rússia, a coroa passa para o casal na linha de sucessão assim que eles se casam, certo?

Anuí.

— Você agora é a princesa em linha de sucessão da Rússia, sabe disso, não é?

— Sim, papai, eu sei.

Ele respirou fundo.

— Você deveria ter nos dito que estava noiva e que se casou. Se não queria um grande evento ao mesmo deveria nos avisar. A Rússia é um país tão longe, dói ter que pensar que só vou poder ver minha filhinha em poucos eventos.

Eu sorri para ele.

— Lembre-se que quem quis me mandar para cá para começo de conversa foi você — eu disse fingindo severidade, mas minha voz se suavizou. — E é só um pequeno oceano entre nós, papai. Vocês podem vir me visitar sempre que quiserem.

Ele abraçou meus ombros.

— Você não poderia se casar com alguém melhor. Quando saiu de Illéa você era uma garota, agora é uma mulher e não é só porque se casou. Você agora parece mais segura, convicta.

— Dimitri sabe como ajudar uma pessoa a ter confiança em si mesma — sorri.

Ele sorriu com certa melancolia.

— Não é só isso, Layla. Eu sei que as coisas não tem sido fáceis. O desaparecimento de Dimitri e a ameaça dos franceses — ele disse e eu fiz careta. Depois do meu anúncio global de que tinha me casado com Dimitri, a França ameaçou cortar relação com Illéa e com a Rússia, acusando os dois países de golpe para gerar uma aliança por uma decisão que foi única e exclusivamente minha e do meu marido. Eu os odiava por serem tão mesquinhos; Dimitri e eu estávamos apaixonados, e isso aparentemente não batia com o cronograma perfeito dos franceses. Ou será que eles achavam que a gente tinha desaparecido com o príncipe de propósito? Papai continuou como se não tivesse notado minha expressão. — O perigo pairando sobre sua cabeça e agora a coroa também… isso é muito para qualquer um, e você tem aguentado melhor que eu jamais poderia esperar. Seu irmão está sendo um pouco pesado com você com tudo isso e sua mãe não parece ter assimilado muito bem os últimos acontecimentos ainda, mas todos nós nos orgulhamos muito de você, Lay.

— Robert sendo um idiota e a mamãe achando que eu pirei. Qual a novidade? — perguntei com sarcasmo fingido.

Papai riu.

— Sei que nos últimos anos estive muito com o seu irmão e também que fui bastante severo com você, mas eu a amo e me orgulho muito de você, mesmo quando você estava fazendo bico e sendo mandona. Você é a minha princesinha e sempre será.

Alguém bateu à porta nos interrompendo. Fui olhar o que era e topei com o rei Ivan.

Papai beijou meus cabelos.

— Eu, sua mãe e Robert estamos indo para casa, amor. Até outro momento.

Me despedi dele com um abraço apertado.

— Majestade — eu disse quando papai desapareceu no corredor, me voltando para o rei. Não tínhamos nos falado muito desde o enterro de Dimitri, tanto pela falta de tempo quanto por eu o evitar. O rei estava tão infeliz com o desaparecimento de Dimitri quanto eu e era difícil não comentar sobre Yuri para tentar aliviar seus ânimos, mas eu não era burra ao ponto de cair nessa bobagem, pois ele ficaria ainda mais infeliz ao saber que o filho o culpava por praticamente tudo que deu errado para eles.

— Princesa — ele assentiu para mim. O rei exibia uma fachada perfeita e séria, mas eu podia ver o cansaço em suas linhas. Ele estava acabado. — Precisamos discutir sobre a sua coroação.

Eu podia sentir que vinha coisa ruim por aí.

Deixei um suspiro sair de minha garganta.

— Eu preciso mesmo?

— Infelizmente sim — ele respirou fundo. — Você deve se casar com Demyian no equinócio de primavera.

Assim, curto e grosso "Você deve se casar com Demyian no equinócio de primavera".

Todo o ar foi drenado dos meus pulmões.

— O quê? Não vou me casar com Demyian! Não vou trair Dimitri.

— Você precisa. Querendo ou não, é parte deste clã. Precisa produzir herdeiros e precisamos de um rei com o sangue Serov nas veias.

Engoli em seco.

— Por que Demyian não pode se casar com outra pessoa e eu renunciar ao posto que é de direito de seu clã?

— Sangue direto, você é a princesa da Rússia — explicou dando de ombros. — Sei que você não quer aceitar isso, mas é parte das leis russas. Você deveria ter pensado nisso antes de se casar com meu filho sem ninguém saber.

E então eu entendi o motivo de meu pai ter me chamado para conversar. Ele não queria dizer que estava orgulhoso, ele estava me preparando para o meu dever como princesa da Rússia.