Um jeito de ser bom de novo escrita por Sassenach


Capítulo 21
Capítulo 18




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OS DIAS QUE SE SEGURIAM A estadia de Farid em nossa casa foram num geral repletos de bons momentos. Dois dias depois de suas chegada ele estava decidido a ficar no casebre em vez da casa principal. Soraya fez uma espécie de programação para cumprir com as crianças, Uzuri e Cheydan. Eu e Farid queríamos ir junto com todos, mas por questões de segurança concluímos que seria melhor nos revezarmos. Num dia eu iria com eles e no outro Farid iria, para poder acompanhar a mulher e os filhos. Soraya estava finalmente feliz. Nos Estados Unidos uma presença infantil não tinha surtado o efeito que esperávamos. Mas em Cabul, ela estava repleta por pessoas novas, novas crianças e alguém com quem conversar. Não pude deixar de notar que sempre que estávamos sentados em volta da mesa, Sohrab ficava numa ponta ou numa das últimas cadeiras. Quando Soraya saía com todos e eu ficava em casa, ele sempre ia atrás do grupo.

Ele tinha esse costume de evitar multidões ou aglomeramentos. Quando levei-o para San Francisco pensei que seria melhor se ele se enturmasse. Mas aprendi que ele gostava de ter seu próprio espaço, como uma zona de segurança. Entendo esse tipo de atitude. Quando você se machuca uma vez, procura reduzir o máximo possível o número de pessoas que podem ser afetadas por isso. Além disso ele tinha uma grande dificuldade pra confiar nas pessoas, e eu sabia que graças aos céus, eu era uma das poucas pessoas em que ele confiava. Parei de tentar fazê-lo se entrosar com os outros e fiquei feliz ao ver que ele estava fazendo amizade com os meninos de Farid. Isso me fez pensar que quando voltássemos para os Estados Unidos poderíamos repensar naquela ideia de coloca-lo numa escola, levando em consideração que ele enfrentaria sempre a mesma dificuldade que eu, que era de ser sempre o mais velho da classe. Percebi que precisava reavaliar esse meu conceito de “voltar para casa”. Onde exatamente era a minha casa? Era em San Francisco certo? Onde morava com minha mulher antes de tudo isso. Mas agora não era só a minha opinião que vali. Onde ele considerava ser sua verdadeira casa? Será que aceitaria fácil a ideia de voltar a deixar tudo para trás mais uma vez? E eu queria deixar tudo para traz? Afinal, agora a casa era minha, querendo ou não, e mesmo que fosse embora eu tinha que fazer alguma coisa com ela.

Numa das ocasiões em que saí com eles e Farid ficou em casa resolvi procurar por um lugar em que ia na infância. Queria encontrar o cinema Park, mesmo que não fosse possível entrar nesse, mas só para poder mostrar onde ele ficava. Peguei o carro e disse para que todos entrassem. Naquele dia, porém, Uzuri e seus filhos acharam melhor não ir. Disseram que estava roubando o nosso tempo ara ficarmos juntos e disse para irmos apenas eu, Soraya e Sohrab. Na verdade eu gostei da ideia. Não queria que todos fossem até lá. Tinha a sensação de que aquele era um dos vários monumentos em memória de Hassan, e que compartilhá-lo com outras pessoas seria errado. Conclui que levar Soraya e Sohrab até lá não traria problemas. Fomos de carro até a região onde este se encontrava, mas fiquei meio perdido. Me localizei com a ajuda de minha querida livraria, que ficava em frente ao cinema. Esse agora era um prédio abandonado, em pior estado do que antes.

Fechei o carro e fomos até a fachada. Ficamos observando as portas e os velhos cartazes com anúncios de filmes. Estavam na sua maioria ilegíveis, como quase todos da região. Aliás, aquele era o lugar mais parecido com o cenário “cidade abandonada” dentre todos os que fomos. Me lembrei daquele dia em que Hassan chorou lá entro, depois do encontro com o guarda. Foi uma das poucas vezes em que eu o protegi, colocando as mãos em seus ombros.

— Quando eu vinha aqui com Hassan assistíamos nossos westerns favoritos. O que nós mais gostávamos era um que assistimos umas treze vezes. Se chamava...

— Sete homens e um destino. Foi o que disse uma voz me interrompendo. Olhei surpreso para Sohrab e ele ria — O pai me contou. Disse que era um dos filmes favorito de vocês e que entre todos os que assistiram, vocês decoraram as falas desse.

— Treze vezes Amir? — perguntou Soraya — Como não enjoavam?

— Acredite agha, é um filme muito bom. Não dá pra enjoar. — disse Sohrab

Nós rimos. Aquilo me encantava em Sohrab. Uma caixinha de surpresas.

Quase nunca falava, muito menos interrompia quando falávamos, mas se resolvia dizer algum coisa, era algo que me fazia parar e pensar. Ele disse que o pai o contou e que era um filme muito bom. Isso me levou a acreditar que ele assistira com a família. Que outros momentos bons ele teve com os pais e ainda não compartilhara conosco? Estávamos ali observando o prédio quando vi que um carro fazia a curva. Era uma picape com homens na carroceria. Forcei os olhos... E vi as armas em suas mãos. Mandei que eles continuassem olhando para o prédio e não encarassem em hipótese alguma as pessoas que iriam passar. Ouvimos o carro se aproximar e Sohrab imediatamente fitou a porta. Ele estava paralisado e Soraya estava assustada. Eu não tinha explicado para ela como as coisas funcionavam quando se tratava de contato com os talibs. Simples: inexistente, e se eles te chamassem você devia responder. Caso contrário... Haveria consequências.


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