Um jeito de ser bom de novo escrita por Sassenach
O carro passou pela porta do cinema e ouvi um bramido. Estavam nos chamando em farsi. Me virei e ignorando o que eu mesmo disse olhei diretamente para o sujeito barbudo que estava na caçamba do carro. Ele me encarou com a mesma intensidade, e manifestava desprezo e surpresa. É claro que ninguém nunca olhava para ele dessa maneira. Soraya estava se contendo para manter a calma e também se virou. Ela ficou olhando para o chão. Sohrab parecia uma máquina. Ele se virou na mesma hora e ficou fitando os próprios pés. Aquilo doeu. Ele estava acostumado com aquilo: submissão. O homem de barba e arma na mão me fez uma pergunta em farsi, que foi a língua que usamos na discussão, me olhando desconfiado. Achei melhor não falar em inglês em momento algum, pois logo eles perceberiam que agora era americano.
— E você quem é?
— Sou afegão senhor. Estou aqui de passagem e...
— Bas! Sim afegão claro. Vestido... Desse jeito? — minhas roupas eram americanas
— Temos vários bens senhor. As roupas são um deles.
— E quem são esses dois? — disse apontando com a arma para Soraya e Sohrab
— Minha mulher e meu filho senhor.
— Sim, claro. Seu filho. — dise com ar de descrença. Gritou alguma cosia para os homens atrás de si em pashto e não consegui entender. Todos riram — Seu filho claro, é igual a você! — e riu. Aquilo estava me deixando aterrorizado e o suor frio escorria por minha espinha. Ao meu lado Sohrab olhava para o chão, para o chão...
— Bem — ele disse por fim — Se virem um americano e um garoto como o seu filho — ele fez uma pausa e encarou o menino ao meu lado por alguns segundos, longos segundos — Avisem-nos entendido?
— Sim senhor.
Ele riu e disse alguma coisa que mais parecia um código para seus colegas. Depois deu uma batida na lataria do carro com a arma, e o homem que dirigia a picape saiu cantando pneus. A picape foi-se embora e senti meus músculos relaxarem. Virei para Soraya que estava com o rosto lívido. Ela me olhou assustada e me abraçou. Afaguei seus cabelos e ela respirou fundo várias vezes antes de me soltar. Então me virei para o outro lado, e um Sohrab de rosto um tanto pálido olhava fixamente para a rua. Ele estava branco e lágrimas rolavam silenciosas pelo seu rosto. Agachei em sua frente e ele permanecia imóvel:
— Ei. — segurei seus braços — Está tudo bem. Tudo bem eu prometo. Não vai mais acontecer. Pode ficar calmo. Não tem que ter medo. — do nada ele tirou os olhos da rua e olhou no fundo dos meus. Não aguentei encará-lo e tive que desviar os olhos. Quando voltei a olhar em seus olhos, ele chorava e respirava sofregamente. Continuou com seu choro silenciosos, seu olhar perdido e respiração curta, como num transe e eu o abracei com força até que ele se acalmasse. — Está tudo bem ok? Pode ficar calmo, pois tudo está bem agora certo? Acho melhor irmos embora... — disse me virando para Soraya. Ela concordou com a cabeça e fomos para o carro. Quando chegamos em casa contei a Farid o ocorrido. Ele ficou preocupadíssimo e disse:
— Sabe o que quer dizer? Eles sabem que é você. Temos que tomar mais cuidado a partir de agora agha.
— Eu sei Farid. Acho que o melhor a fazer seria voltar para casa, mas... Eu não posso fazer isso com ele entende? Ele parece tão bem aqui...
— E ficará ainda melhor se estiver em segurança! Estou falando sério agha! Melhor saírem menos e andarem mais comigo.
— Como se você também não estivesse sendo procurado não é? — percebi a ironia e irritação em minha voz. Não quis soar grosseiro, ele parecia ofendido — Quero dizer... se for para ir embora, vamos todos juntos.
— Uma semana. Mais uma semana e você voltam entendeu?
Assenti com a cabeça. Uma semana...
Não quer ver anúncios?
Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!
Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!