Um jeito de ser bom de novo escrita por Sassenach


Capítulo 19
Capítulo 16




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As esposas de Farid veio até nós e se apresentou para mim. A mais nova disse se chamar Uzuri e a mais velha era Cheydan. Eu as cumprimentei, igualmente aos seus cinco filhos. Sohrab se enturmou com os garotos e logo eles estavam indo juntos em direção a casa. Soraya ia à frente conversando em alta voz com Uzuri, demonstrando que estas também haviam se dado bem. Fui fechar o portão e encontrei Farid esperando por mim. Ele estava meio sério:

— Será que depois você poderia me contar o que aconteceu com Sohrab? Não pude deixar de notar na cicatriz no pulso dele...

— Tudo bem Farid, eu sei que é mesmo difícil evitar olhar nas primeiras vezes, mas depois você acaba se acostumando. Vamos conversar mais tarde.

— Sim, claro, e também gostaria que me esclarecesse o que aconteceu aquele dia na casa do talib. Foi aterrorizante te encontrar naquele estado.

— Pode deixar, vou contar a história inteira. Primeiro vamos almoçar. — eu realmente iria contar tudo, e gostaria de fazer isso no escritório, longe do ouvido das mulheres, ainda mais quando chegássemos no “assunto talib”. Nós dois sabíamos que o que importava mesmo era o que aconteceu depois, era o que estava acontecendo naquele momento: o risco de sermos pegos que nos espreitava por toda a cidade. Naquele momento porém, eu queria apenas confraternizar com aquelas pessoas queridas e me esquecer um pouco das preocupações. Entramos e nos sentamos à mesa.

Os pratos que Soraya preparou estavam deliciosos, ainda mais porque eu os escolhi, já que indiretamente quais seriam, quando comprei os ingredientes. Comemos até nos fartarmos e depois veio à sobremesa. Uzuri numa conversa entrosada com Soraya sobre suas roupas, pois como suponho, ela nunca deve ter usado roupas americanas. Cheydan estava de olho nas crianças e logo percebi que era o oposto da mulher mais nova: era contida, calma e estava sempre perto das crianças. Conclui pelo jeito como estava sempre a postos para qualquer coisa que elas a chamassem que as meninas que morreram naquela explosão deveriam ser suas. Quando estávamos todos cheios, procurei um modo de sair da mesa sem ser mal educado:

— Sohrab porque você não vai jogar panjpar com os meninos?

— Sim Sohrab, vá jogar com eles na sala enquanto nós duas — disse Soraya colocando a mão no ombro de Uzuri — tiramos a mesa e depois podemos dar um passeio.

— Isso mesmo. — disse Uzuri — Vão brincar e depois podemos sair todos juntos.

— E quanto a nós Farid — disse eu fazendo menção de me levantar

— Me deixe apresentar o resto da casa para você. — apontei para as escadas e ele foi até elas. Subi atrás dele e fomos pelo corredor até a sala de fumar.

No escritório apontei para o sofá de couro preto onde e se sentou. Eu comprara bebidas novas para colocar no bar de baba e ofereci algo a Farid, que acetou um trago de uísque. Puxei uma poltrona para perto do sofá e me sentei meio que de frente para Farid.

— E então — comecei eu — Como foi a viagem até aqui? Digo você deram com mais alguém atrás de nós ou foram seguidos de novo?

— Não, não, na verdade dessa vez foi bem mais tranquilo. Tive o cuidado de não pegar a mesma estrada que usei para voltar daquela primeira vez. Só que... Num posto de gasolina pelo qual passei tinham dois caras que me encararam por u tempo e...

Me inclinei para frente com tudo, me lembrando que passei pela mesma situação quando cheguei a Cabul:

— Farid! Está falando serio? Encararam você num posto de gasolina?

— Sim... — disse ele assustado — Sim, me encararam, mas não aconteceu nada de mais. Por que você está tão inquieto assim?

— Porque quando cheguei aqui na cidade nós pegamos um taxi. Quando fomos abastecer num posto de gasolina o motorista foi calibrar os pneus. Três caras ficaram encarando nós três, que estávamos na loja de conveniência. Eles ficaram conversando e depois o motorista veio nos dizer que estavam procurando pelo americano e um garoto. Ele não nos entregou, mas disse que não queria mais nos levar.

Nós dois nos recostamos nos encostos e respirei fundo. Farid disse num tom preocupado:

— Você sabe que não estamos seguros aqui não é agha? Bom, depois daquele encontro desagradável vocês não estão seguros em lugar nenhum... — eu sabia onde ele queria chegar, qual era o assunto em que ele queria entrar. Assim o fez: — Bem, você vai me explicar o que aconteceu naquele dia? Quem era aquele cara?

— Vou. — disse eu, desconfortável com a ideia de falar novamente o nome daquele indivíduo. Olhei para ele com olhar de súplica, mas ele estava decidido a falar sobre aquilo. Vendo que não haveria saída olhei para o teto, respirei fundo e comecei: — Muito bem. Aquele homem se chama... Bom, acho que nomes são desnecessários — seu nome custaria a sair da minha boca — Quando eu e o pai de Sohrab tínhamos mais ou menos a idade dele aquele cara nos importunava sempre que podia. Um dia ele... Atacou o pai de Sohrab e eu não o defendi. Vinte e seis anos depois ele pegou Sohrab naquele orfanato e o machucou como fez com seu pai.

— Meu Deus! Vocês se conheciam desde a infância?!

— Exato. Ele queria colocar as coisas a limpo e resolveu que brigaríamos pelo garoto até que um de nós morresse. Obviamente eu não morri, e ele tão pouco. Aquele maldito está bem vivo e a nossa procura. Sohrab naquela sala pegou seu estilingue e atirou no olho dele. Sohrab fez o que eu deveria ter feito e salvou minha vida.

— Nossa. Eu nem poderia imaginar que você conhecia um homem como ele.

— Infelizmente conheço sim.

— Certo... E Sohrab? O que exatamente aconteceu com ele? Quero dizer, você disse que ele tentou por um fim... A vida dele?

— Sim. — um silêncio se instalou na sala por um momento, antes que eu continuasse. — Depois que você nos deixou no hotel eu liguei para Soraya E expliquei para ela o que estava acontecendo e o real motivo de eu ter vindo até aqui. Ela ficou empolgada com a ideia de levar Sohrab para nossa casa e disse que ia ver o que podia ser feito. Eu fui em vários lugares com Sohrab, para ver quais os procedimentos eram precisos para adotá-lo.

— Vocês queriam uma adoção legal?

— É, mas você sabe que adoções legais em Cabul são quase impossíveis. Fui num assistente social que me disse que para poder adotá-lo eu ia precisar de documentos que provassem que os pais dele estavam mortos. O que é impossível já que quase a maioria das pessoas não tem nem certidão de nascimento.

— E então, o que você fez?

— Chamei um advogado para me dar ajuda. Me arrependo por ter chamado aquele homem ali. Ele me disse que a minha melhor opção seria deixar Sohrab em outro orfanato e e depois entrar com um pedido formal de adoção. Eu sabia que tinha prometido não deixa-lo mais entrar em orfanatos, mas era a única opção...

— Amir agha, o que você fez?!

— Não cheguei a leva-lo para lugar algum se é o que você quer saber. Só, tentei conversar com ele sobre a ideia. Ele ficou apavorado. Chorou como se eu estivesse o condenando à morte! Fui um idiota! Ele estava começando a ceder e a confiar em mim. E eu estraguei tudo dizendo que queria leva-lo para um orfanato. Como fui burro!

— Foi ai que ele...

— Foi. Eu fui dormir e deixei o coitado ir tomar seu banho. Acordei duas horas mais tarde com o telefone. Soraya me ligou dizendo que eu não precisava deixa-lo em lugar nenhum, e que conseguiu um jeito de leva-lo para os Estados Unidos direto. Não sabe o alívio que senti! Então fui contar à Sohrab que estava no banheiro e quando cheguei lá... Ele estava desacordado na banheira.

— Ah! Meu Deus... Pobre criança... E como foi depois?

— Chamaram uma ambulância e no hospital precisaram reanimá-lo duas vezes. Ele sobreviveu e fiou internado numa UTI por quase uma semana. Fiquei o tempo todo no hospital. Eu ficava sentado do lado dele olhando pros pulsos enfaixados enquanto ele só dormia. — minha voz estava ficando embragada — Tive que voltar para o hotel, mas o dono me mandou sair de lá. Ele acordou um tempo depois...

— Nem imagino seu sofrimento...

— Foi horrível. Eu nem sabia se ele ia acordar e ficava imaginando como contaria para Soraya. Quando ele acordou foi um alívio enorme. Tentei me reaproximar, mas ele se afastava sempre que eu chegava perto. Não falava mais comigo. Ele saiu do hospital e levei ele para os Estados Unidos pouco depois.


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