Apoio-me no parapeito da janela e respiro profundamente. O ar frio da noite balança meus cabelos negros e faz com que minha pele nua se arrepie. Estou usando apenas uma blusa azul marinho que é grande demais para mim, chega até quase metade de minha coxa.

Olho de relance para trás e vejo que ele deixou a porta do banheiro aberta, como se fosse um pedido mudo para que eu o acompanhasse, mesmo que o nosso último encontro tenha sido há uns dois ou três minutos atrás. Quando ouço o barulho do chuveiro sendo ligado, viro o rosto novamente em direção à vista para onde a janela leva. Se tem uma coisa em que aprendi a não confiar, é em meu corpo, ele geralmente me traí. Às vezes, meu corpo quer uma coisa e minha mente, outra. Essa divergência já me causou muitos problemas.

Essa linha de pensamento vaga pela minha mente no mesmo instante em que observo a piscina que há lá em baixo

Água.

Seus olhos verde-mar me observavam como se eu fizesse parte de seu experimento secreto.

Viro-me e caminho até o único espelho que há no quarto. O som do chuveiro ainda ecoa pelos meus ouvidos.

Encaro meu reflexo.

Era incrível a maneira como cada toque seu me fazia esquecer até mesmo onde eu estava. Então Percy inclinou-se para a frente e segurou meu queixo com os dedos, selando nossos lábios logo em seguida.

O meu reflexo estreita os olhos e aperta os punhos, apontando as mãos para mim, como se estivesse pronto para me dar um soco.

Eu sabia que havia algo de errado. Havia ali, mascarado pelo seu singelo sorriso. Quem sabe a decepção que eu teria que passar dali a pouco? Talvez, ao longo da via, minha própria mente criou uma forma de descobrir como uma noticia ruim estava a caminho. Quando alguém diz algo que sabe que terá chances de receber tapas depois de se expressar, seu olhar muda. O jeito como pisca se torna incontrolável. Até mesmo a maneira como tira o cabelo negro da frente dos olhos se diferencia.

E eu sabia, antes mesmo de Percy dizer. Sabia o que iria ouvir. O que não significa que não doeu.

E quando ele abriu os lábios e começou a emitir sons, eu apenas fiquei quieto. Mas não ouvia palavras e explicações. Ouvia mentiras sem fim e promessas vagas. Um ou outro nome ali, outro plano sendo quebrado, uma promessa de um futuro que nós dois sabíamos que não seria nada promissor.

Um sorriso que dizia adeus.

Uma porta sendo fechada e então estou de volta com meu silencio.

Ouço o som de vidro se quebrando e só depois de abrir os olhos vejo o sangue que escorre de minha mão. Meus joelhos cedem e eu não fico surpreso ao constatar que não me importo se os cacos de vidro estão me cortando, se estão arrancando parte de mim ou me deixando machucado, dolorido. As lágrimas rolam pelo meu rosto como soda caustica. Aquelas pequenas gotas salgadas machucam mais que pedaços de um espelho quebrado pelo meu lado sombrio, elas corroem meu rosto, minha alma, servindo apenas para lembrar-me de um passado que tive e de um futuro que nunca terei. De planos que nunca serão realizados.

Ouço alguém chamar meu nome. Por um instante desejo que aqueles olhos verdes me encarem pelo menos por uma última vez, por um último segundo, que sussurrem uma última promessa, mesmo que eu saiba que será uma mentira. Mas o que vejo não são olhos verdes.

São azuis.

E aquilo me deixa mais feliz que nunca.