The 69th: For What I Believe In escrita por Luísa Carvalho


Capítulo 37
Bastidores


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!!



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(POV June)

Chegamos à Capital depois de mais ou menos um dia, então toda a burocracia de antes da Arena já começou. Os tributos se encontraram com sua equipe de preparação e foi como se virassem pessoas novas por fora. Depois, houve o famoso desfile: roupas das mais sofisticadas foram elaboradas e eles atravessaram uma longa passarela em carruagens só para ouvir um monólogo de trinta segundos do Presidente Snow. É claro que os conjuntos desenhados esse ano, inspirados em trilhos de trem, não foram tão surpreendentes quanto os da minha edição - quando eu e Cameron fomos camuflados na carruagem para representar os meios de transporte fabricados no Distrito 6. Ainda assim, as estilistas, Fennie e Grace, são as mesmas, e fiquei feliz em descobrir que Rietta teria o prazer de vestir os lindos modelos de Fennie.

Ficamos relativamente próximas já no trem, e talvez isso tenha a ver com a estranha simpatia logo que a vi caminhar para o palco na Colheita. Rietta não parece demonstrar fraquezas na maior parte do tempo, mas não demorou muito para que eu descobrisse que está tão desesperada quanto os mais frágeis dos tributos. Quanto a isso, eu soube desde o início que poderia ajudá-la.

Ela vem ao meu quarto à noite e conversamos sobre o medo e o nervosismo anteriores à Arena. Eu conto sobre como lidei com tudo isso em minha edição, pelo menos em frente às câmeras. É claro que não a aconselho a cometer os mesmos erros que eu, como mentir na primeira entrevista - coisa de que me arrependi logo que a imagem de Cameron foi ao ar e ele conquistou a multidão com um discurso puramente verdadeiro. No geral, Rietta parece gostar de ter alguém que a entende com quem conversar, e eu me sinto ainda melhor em ajudá-la agora que Burton e eu não estamos nos falando.

Não é como uma competição propriamente dita, mas eu sei que há um quê disso em nossa relação agora - e, se bem o conheço, Burton também vê as coisas desse jeito. Dou todos os conselhos em que consigo pensar a Rietta enquanto não sou capaz de me aproximar de Elijah, que não me fez uma pergunta sequer desde que nos “conhecemos". Mesmo não colocando muita fé em sua futura trajetória na Arena, juro que o ajudaria se pudesse, ou melhor, se ele de fato quisesse minha ajuda. Em vez disso, Elijah conversa constantemente com Burton e pede sugestões de táticas e armas como se seu mentor realmente entendesse alguma coisa do assunto. Eu sei muito bem como é receber conselhos de alguém que se escondeu durante os Jogos inteiros.

Devo admitir, porém, que sua intuição estava certa ano passado quando me indicou as facas, e quem sabe a lança seja realmente a arma para Elijah. Mas, de qualquer jeito, o jantar da noite anterior deixou claro que nenhum de nós está disposto a fazer qualquer elogio que seja em frente ao outro.

Como em qualquer outro momento que ficamos todos juntos - tributos, mentores, estilistas - até então, estávamos em silêncio. Comíamos um jantar quente e saboroso preparado há pouquíssimo tempo, mas nenhum de nós ousava comentar a respeito da refeição ou de qualquer outro assunto. Isso, porém, só até Burton limpar a garganta após tomar um longo gole d’água.

– Então, Rietta, o que você está achando de tudo isso até agora? - Ele poderia ter feito uma pergunta a qualquer uma das pessoas sentadas à mesa, mas escolheu Rietta. Eu sabia onde isso acabaria e não estava gostando nem um pouco. - O lugar, os tributos, sua mentora…

O final de sua fala alarmou a sala de jantar por inteiro. Apesar de estar na cara que essa era a nossa situação desde o trem, ninguém havia ousado admitir em voz alta que eu e Burton nos dividimos, assim como os tributos.

– Isso não é importante - apressei-me em dizer, para cortar a discussão pela raiz. Mas eu queria tanto deixar uma coisinha escapar, fazer um único comentário… - Não é como se eu pudesse perguntar a Elijah suas impressões a respeito do quão ridículo você está sendo esse ano, por exemplo.

– Eu realmente não acho que seja uma boa hora… - Ouvi Fennie arriscar uma tentativa de intervir, mas não a deixamos terminar.

– Até porque você nunca daria tanta atenção assim para ele - Burton rebateu meu argumento, e vi o rosto de Elijah corar quando percebeu que virara alvo da discussão. - Você só quis saber de Rietta desde que chegamos, mas não é culpa de ninguém ela ser exatamente como você. “Ela é determinada, pode ser fraca mas sabe mostrar às pessoas o que quer". - Seu tom era exageradamente forçado, como se ele imitasse minha voz. - Ah, corta essa, June!

Ele não percebia que soltava aqueles absurdos sem filtro na frente de todos sentados à mesa?! É claro que eu não estava agindo para beneficiar meu “tributo favorito.” Isso era o que ele sabia fazer de melhor.

– Não que esse seja o caso - comecei -, mas quer dizer que dessa vez é errado ter preferência? Pelo jeito os erros não são erros quando é você quem os comete.

Burton revirou os olhos.

– Não estou dizendo que você escolheu um tributo. - O jeito como ele falou deu a entender que quis dizer “não é disso que estou falando agora” mais do que “você nunca fez isso”. - O problema é que você quer, como sempre, fazer tudo sozinha. Mas você é uma mentora, pelo amor de Deus! Há vidas em jogo, não é hora de se preocupar em provar que consegue fazer isso ou aquilo sem ajuda!

– Já chega. - Elise não gritou, mas afirmou com um tom de voz tão alto que foi impossível ignorá-la. - Acho que vocês já tiveram um jantar longo o bastante, e os tributos também.

Dada essa deixa, levantei-me da mesa e peguei meu prato para levá-lo à cozinha como sempre. Mas é claro que não consegui deixar o cômodo sem antes virar-me para Burton.

– Ótimo - afirmei. Eu precisava que ele soubesse que eu não retiraria nada do que tinha dito.

– Ótimo. - Ele provavelmente pensava o mesmo.

No fim, era realmente como se cada tributo tivesse seu mentor particular. Com certeza não era isso o que os Idealizadores tinham em mente quando permitiram que tanto eu quanto Burton fôssemos esse ano, e sei que não era o melhor a ser feito, dado que aparentemente tenho menos experiência que qualquer outro Vitorioso. Porém, esse era o jeito de que as coisas estavam, pelo menos até a entrevista dos tributos.

Rietta volta ao sexto andar tarde, ensopada de suor de seu primeiro dia no Centro de Treinamento. Deve ter sido uma das últimas a sair de lá, senão a última. Estou curiosa para saber como se saiu com a espada, mas ela vira alvo da equipe de preparação tão rápido que não tenho tempo de perguntar-lhe nada. Na noite anterior, Rietta mencionou que tem reflexos rápidos e que percebe, quando trabalha na fábrica, que é cuidadosa e precisa naquilo que faz. Disse que andou pensando na espada e, tendo pouco conhecimento a respeito de armas fora as facas, eu respondi que parecia uma ótima alternativa. Agora, resta-me saber como as coisas estão funcionando para ela na prática, e torço muito para que a resposta seja que tudo corre bem.

Enquanto Rietta está nas mãos de Fennie e sua equipe, fico sozinha em meu quarto no Edifício dos Tributos. Continua quase igual àquele em que passei minhas noites anteriores à Arena ano passado, mas noto mais detalhes dessa vez, quem sabe porque agora os Jogos não me deixam apavorada cem por cento do tempo. Enquanto me distraio olhando pela janela com vista às ruas da Capital, ouço batidas familiares à porta.

Não sinto necessidade de perguntar quem é antes de gritar:

– Pode entrar, Elise!

O cômodo torna-se repentinamente mais extravagante, pois é esse o efeito que Elise causa. Movimento meu corpo até que esteja sentada de um lado da cama de modo a liberar espaço para que ela faça o mesmo do outro. Sinto o peso de um braço em meu ombro e a sensação de mangas bufantes pinicando meu pescoço.

– June, ah, June… - Elise arqueia as sobrancelhas ao olhar para mim. Fico aliviada ao perceber que não está zangada comigo pela noite anterior. - O que está acontecendo, querida?

Não é necessário que ela diga ao que exatamente se refere; sei tanto quanto ela que há um nome implícito nesse “o quê”.

– Eu gosto de ter razão, e ele também. - Não sei muito bem o que dizer, mas penso ser melhor começar com o que é óbvio nisso tudo. - Dessa vez, acho que nos esforçamos demais para estarmos certos.

– Você quer dizer que falou besteira?

– Ele falou mais ainda - me apresso em responder, e Elise suspira.

– Viu? - indaga, e demoro alguns instantes para entender do que ela está falando. Percebo logo que recapitulo minha última fala. - Baixe a guarda, June, você não precisa ficar na defensiva o tempo todo. - Suspira. - Ah, eu me lembro de quando tinha a sua idade…

Franzo o cenho, estranhando a mudança de assunto.

– O que isso tem a ver? - Não hesito antes de perguntar, e noto que talvez tenha soado um pouco ríspida demais. - Desculpe.

Elise faz um gesto de indiferença antes de responder minha pergunta.

– A gente nunca aprende como se ama, June, mas eu vou te dar uma dica que teria sido muito útil para mim quando eu tinha a sua idade: amar alguém é amar também seus defeitos. Não significa que você vá achar lindo quando Burton faz pose de durão na frente dos outros, mas que vai aceitar que ele é assim em vez de tentar mudá-lo.

Fica claro que ela - assim como provavelmente todo o trem - ouviu os dois lados de nossa primeira discussão. Busco espaço para defender meu ponto de vista:

– Mas…

Ela levanta uma das mãos como se mandasse deixá-la falar.

– É claro que a gente sempre vai querer discutir, cavar fundo por uma melhora. Mas precisamos aceitar que essa vem com o tempo, o que é de longe o mais difícil a se fazer. - A expressão de Elise indica que ela quer chegar a algum lugar ainda mais específico, mas que não entendo a princípio. Ela logo se esclarece. - Você vai ser essa melhora, June.

Então é essa a questão: deixar que o tempo faça seu trabalho e que a convivência dite o progresso. Se Burton for capaz de manter-me consigo será porque já está melhor que antes, e eu o mudei.

Enquanto isso, porém, eu teria de amar todas as partes dele, inclusive - e principalmente - as que me aborrecem.

Pensando assim, talvez eu realmente tenha sido dura demais com ele. Mas isso não significa que ele também não tenha passado dos limites.

– Sabe, Elise, Burton também disse algumas coisas que…

Ela realmente não está de bom humor para me ouvir falar.

– Eu ouvi tudo – ela reitera, e abre um sorriso de lado como se dissesse “é, vocês sabem gritar bem alto”. - E não acho que nenhum dos dois esteja mais certo que o outro.

Solto todo o ar de uma vez.

– Então como raios a gente resolve isso?

– Engula seu orgulho - Elise me aconselha -, faça sua parte. Conheço Burton o bastante para saber que ele vai fazer a dele.

**

– Senhoras e senhores, diretamente do Distrito 6, Rietta Triston!

Ela está linda como todo tributo de Fennie deve ser. Seu vestido é de cor creme, curto e repleto de babados e detalhes brilhantes. Uma gola comportada e uma espécie de gravata completam o modelo, que destaca perfeitamente o ar reservado e simplista de Rietta. Os fios escuros de seu cabelo estão presos para trás, com o comprimento solto caindo com graça por seu pescoço e início das costas. A maquiagem destaca principalmente seus olhos, os quais imagino, baseado naquilo que ela me disse que faria, estarem focados na multidão de forma certeira e determinada.

Rietta caminha até Caesar Flickerman, que esse ano exibe fios de cabelo verdes. Ele beija sua mão e ela sorri de forma educada, mas dura. Uma vez controlados os poucos aplausos, a entrevista oficialmente começa.

– Conte para nós, Rietta, como foi ser sorteada na Colheita.

Ela respira fundo antes de responder com o peito levemente estufado.

– Foi tudo tão rápido na hora que eu não sabia muito bem como me sentir ouvindo meu nome nos autos falantes. Para falar a verdade, eu nem sequer sei agora como deveria estar lidando com tudo isso, mesmo já tendo aceitado que sou um tributo. Mas, de um jeito ou de outro, vou fazer o que for necessário para aguentar até o fim.

Gosto de como ela consegue ser ao mesmo tempo tão frágil e tão forte. É realista. Enquanto se esforça para parecer determinada e o faz com uma naturalidade impressionante, deixa claro que é uma garota do Distrito 6 e que não fugirá do que está ao seu alcance. Eu mesma gostaria de ser tão segura emocionalmente a ponto de pensar em forma de balança como ela faz.

Caesar limpa a garganta antes de fazer a próxima pergunta.

– Você e seu parceiro de distrito, Elijah, têm dois mentores na competição, já que a Vitoriosa June Haylon é vista como uma excessão por vir da Capital. Correto?

– Correto - ela afirma com um sorriso. Confesso que é estranho ouvir meu nome saindo da boca de Caesar mais uma vez quando não sou mais um tributo.

– E como você usa essa condição a seu favor? - É claro que ele não trataria essa “condição” como uma vantagem. Não; os Idealizadores nunca permitiriam a visão de que beneficiaram os tributos de alguma forma.

Rietta parece preparar-se de forma especial para essa resposta, voltando-se diretamente para a câmera principal em vez de para Caesar.

– Acredito que é de conhecimento de vocês que June Haylon e Burton Robertsen são mais do que mentor e ex-tributo. - Estremeço. Por que raios ela tocaria nesse assunto? Meu rosto não precisa de mais do que alguns segundos para ficar completamente corado. - Bom, eu mesma nunca amei ninguém ou tive próximo a mim qualquer exemplo de amor senão meus pais. Mas ouvi histórias no Distrito 6, muitas delas sobre Burton e June. - Dou-me conta de que estou completamente perdida. Há tanta coisa fora do lugar que sinto meus pensamentos se embaralharem. Rietta não está respondendo à pergunta de Caesar, pois eu agora sou o assunto da entrevista; bom, eu e Burton.

E como nós dois estamos, afinal? Será que Burton engoliria seu orgulho como Elise disse? E será que eu quero que ele o faça? June, você está vendo a entrevista de Rietta.

– Logo depois que fui sorteada, quando ainda estava confusa a respeito dos Jogos, procurei algum lado bom em tudo aquilo. Conhecer June e Burton e vê-los juntos de tão perto foi a melhor coisa em que consegui pensar.

A multidão emite uma exclamação em coro, emocionada pela história de Rietta. Quanto a mim, não sei onde raios ela quer chegar com aquilo, sendo que Burton e eu não estamos exatamente juntos no momento.

Caesar parece estar realmente interessado.

– Você quer dizer que ver seus mentores apaixonados é a melhor coisa a respeito dessa experiência?

Como se houvesse muitas opções, penso, e acho que o mesmo vale para Rietta.

Mas ela não parece se incomodar com essa parte da fala dele. Pelo contrário: responde Caesar quase imediatamente.

– Isso era o que eu pensava, mas os Jogos trouxeram alguns problemas e eles não se falam há dias. - Sua expressão é agora desapontada. Não sei se estou irritada ou assustada com o fato de Rietta falar tão abertamente sobre minha relação com Burton. - Então acabou não sendo nada como eu pensava.

Caesar leva uma mão ao peito.

– Rietta, diga-nos: há alguma coisa que possamos fazer para ajudar? - ele pergunta, e algo em seu tom de voz me diz que o mesmo não é forçado.

Ela não nega.

– Bom, vocês, assim como eu, com certeza vêm acompanhando a relação deles e sabem como é bonita. Quem sabe se mostrarem aos dois o quão bonita…

E é aí que tudo acontece. Como em um passe de mágica, toda a plateia se coloca de pé e começa a aplaudir. Um aplauso do tipo ovação, com palmas estridentes e gritos encorajadores. Quando acho que simplesmente não posso sentir meu rosto mais vermelho, percebo alguém bem atrás de mim. De repente, tenho dois braços entrelaçados ao redor de minha cintura e um rosto apoiado na parte de trás de minha cabeça.

Eu nunca quis uma relação aberta ao público, algo que funcionasse como fachada e que pudesse em um piscar de olhos tornar-se só mais uma mentira da televisão. A questão é que tudo é diferente quando se tem um país inteiro na torcida. Ainda que venha de pessoas da Capital, aquelas que mais desprezo, o som dos aplausos é um sinal. É quase como se as exclamações entusiasmadas puxassem o gatilho de todas as coisas boas daquele abraço e as trouxessem à tona de modo a ser impossível ignorá-las.

Assim, ao som das manifestações calorosas da plateia, viro-me para olhar Burton nos olhos. Ele não precisa dizer nada; assim como eu, sente muito e está disposto a jogar tudo para o alto tanto quanto quero jogar meu corpo contra o dele. Um abraço de verdade. O aperto de seus braços é tudo de que preciso agora.

Não sei durante quanto tempo ficamos ali, mas meu rosto permanece encostado contra seu peito antes de meus olhos irem à procura dos dele. Nossos lábios entreabertos se aproximam e deixo que um beijo sele o que aprendemos durante esses dias. Sua boca está quente como de costume; por ela, eu deixo passar facilmente qualquer um dos defeitos que Elise diz que com o tempo aprendemos a aceitar.

– June… - Burton murmura, e aponta para o espaço atrás de mim.

Sem me desprender de seu abraço, viro o corpo até me deparar com uma grande câmera voltada para nós dois.

Não sei se Rietta ainda é o centro da entrevista, mas enquanto meus lábios ainda carregassem resquícios daquele beijo, eu não me incomodaria se fosse eu.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, me digam se sim (:



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