Silent Hill: The Artifact escrita por Walter


Capítulo 37
Língua Estranha


Notas iniciais do capítulo

"Manejar sabiamente uma língua é praticar uma espécie de feitiçaria evocatória." - Charles Baudelaire



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/529086/chapter/37

Não há nem um monstro, nenhuma criatura sequer. O Selo de Metatron continua em minha mão, emitindo um brilho fraco que ilumina pelo menos o rosto de Don. As portas metálicas do elevador estão abertas, mas nos falta coragem para sair. Ficamos alguns segundos parados, até que vejo um brilho fraco balançando alguns metros à minha frente. Definitivamente, não estou preparado para enfrentar mais nada. A luta com “minha mãe” foi fisicamente e emocionalmente cansativa demais e não conseguiria mais matar nada agora, ou talvez nunca mais.

–Matt... E aquela luz ali?

–Eu não sei Don...

Aproximo a mão com o objeto brilhante mais perto da porta e vejo a luz se mexer com o mesmo movimento. Então percebo que é uma espécie de superfície refletiva, e que aquela pequena luz não é nada mais que o brilho do objeto sendo refletido de volta.

–Don... É só um reflexo.

Ele pega a lanterna do bolso agora tendo certeza de que não é uma criatura e a liga. Quando a luz se projeta para a parede da frente, imediatamente vejo, além do chão podre e das paredes deterioradas e enferrujadas, vários cacos de espelho pendurados por fios de arame farpado sujos de sangue. A luz se projeta pelo corredor, e como se tivesse poder suficiente, desperta o cheiro de morte no lugar fazendo com que eu e Don tapássemos o nariz. Don começa a andar para frente, tendo cuidado para não tocar nos espelhos e vira à esquerda. Eu o sigo, observando que os cacos mostram apenas o meu reflexo, mas não o reflexo dele.

–Esses espelhos não estavam aqui antes... – ele fala com uma voz trêmula – e eles não me refletem...

–Talvez... – respiro fundo antes de admitir – eles estejam aqui por minha causa. Estou me vendo nitidamente neles, mesmo com o fraco brilho do Selo de Metatron.

Vejo-o assentir com a cabeça à minha frente e continuar andando até parar diante de uma porta de metal enferrujada. Ele espera até que chegue até ele e me coloque do seu lado. Ele acena com a mão avisando que era ali, e sem falar nada, gira a maçaneta até o seu final, fazendo um rangido. Ele empurra a porta para dentro da sala e a ilumina com a lanterna, mostrando algumas estantes dispostas nas laterais da sala com alguns poucos objetos em cima. Enferrujadas, as estantes dão ao lugar uma cara de almoxarifado. Não entendo porque Anette estaria aqui se precisava de cuidados o mais rápido possível, de uma maca, de medicamentos...

Don fecha a porta e entra na sala. Um forte cheiro de ferrugem envolve o lugar, o que me deixa um pouco irritado. Ele caminha para o meio da sala pela cerâmica completamente suja, mas não vai até o final. Em meio as estantes, ele vai para a esquerda até encontrar uma espécie de armário de madeira. Don começa a empurrar para o lado, fazendo um barulho horrível na cerâmica. Quando termina de empurrar, vejo diante dele uma porta de madeira. Há algo escrito nela e não há maçaneta, apenas uma fechadura.

–Se eles... – ele fala ofegante por causa do esforço – trouxeram Anette para o hospital, só pode estar aqui. Está protegida, não há como abrir isso aqui sem a chave. Tem essas coisas escritas, mas não sei ler... Talvez o Protetor Sagrado saiba.

–Protetor Sagrado? Don!!! Eu sei que me chamaram assim, mas não quer dizer nada...

–Ora não? Você encontrou o Selo de Metatron, é o único que consegue usá-lo. Eu ouvi algumas histórias de Carl e Chang e definitivamente... Você tem uma ligação com essa cidade!

Respiro fundo. Não há mais como esconder nada dele. Don finalmente deixou de ser tão idiota e agora está ligando as coisas. Além do mais, ele está me ajudando. Talvez possa confiar nele, afinal, ele me contou sobre seu pai.

–Don... Eu tenho sim uma ligação com esse lugar...

–Eu sabia! Sabia desde o momento em que você usou o Selo no hotel!! Eu tive certeza, embora não num bom momento, porque contei isso para Carl depois. Acho que isso piorou as coisas pra você.

–Talvez... Mas de qualquer jeito, confiei demais em Chang. Ele que me traiu, mas você... Bem, nem tanto!

–Desculpa... Eu estava cego.

–Tudo bem... Já passou.

–Okay, agora pode me contar como está ligado à Silent Hill?

–Acho que estou ligado de uma forma mais profunda do que imagino... Mas... Posso começar pelo que sei. Meus pais moravam aqui, embora eu não tenha nascido aqui. Eu tinha uma tia aqui, se chamava Yana. Meu pai havia feito uma promessa de que com doze anos de idade, eu viria para cá e moraria com ela. Não sei por que fez isso, mas sempre achei que ele me odiava embora não demonstrasse. Afinal, que tipo de pai faria isso com seu filho?

–Talvez ele estivesse ligado a algum ritual, sei lá... E você fizesse parte disso.

–Nunca pensei por esse lado.

–Talvez fosse o momento de pensar agora. Mas... continue!

–Okay... Meu pai sempre me trazia aqui quando criança, atravessávamos o lago de barco. Esse lugar era tão abandonado quanto hoje, sabe... Mas nunca me lembro de Carl ou Chang. Bem, meu pai morreu poucos dias depois de que eu completei doze anos de idade e então minha mãe não permitiu que eu viesse morar aqui. Infelizmente – sinto uma lágrima escorrer pelo meu rosto – minha mãe morreu. De família, eu tinha apenas minha tia Yana que queria me trazer a qualquer custo para cá... Mas ela morreu de câncer, e então fui morar com uma das amigas de minha mãe. Desde então, tenho tido sonhos com esse lugar, mas ele caiu no esquecimento em minhas memórias, pois eu tinha decidido refazer minha vida, até que me matriculei naquela maldita disciplina e tudo foi voltando à tona aos poucos, minhas memórias foram arrancadas do meu subconsciente e agora estou aqui, tentando salvar uma menina da qual eu sou o protetor por ter achado essa droga de artefato.

Sinto-me mal por ter mentido sobre a morte de minha tia, mas não poderia falar isso. Don com certeza não iria ver isso de uma forma legal, ainda mais porque eu quase o matei ao me contar sobre o que fez com seu pai. Ele está arrependido, mas não me arrependo nem um pouco por ter feito o que fiz com minha tia. Era ela ou minha vida. Mas pensando um pouco sobre o que Don dissera, talvez eu estivesse ligado a tudo isso, não por vontade própria, mas por mais alguma coisa do meu pai. Ele realmente insistia muito para que eu viesse morar aqui, e por causa disso, eu estava ligado e em dívida com a cidade. Mas um motivo para odiá-lo.

–Ainda acho que você deveria considerar a ideia de seu pai ter te ligado a essa cidade quando nasceu – ele começa quebrando meus pensamentos – sério, pense nisso! Ouvi-os falando sobre uma Alessa durante a viagem de carro, e parece que ela foi oferecida pela própria mãe no ritual. Pode ser que não seja tão diferente com você, embora não tenha sido queimado.

–É... Talvez faça. Mas vamos abrir logo essa porta antes que sejamos descobertos.

–Certo. Se conseguir ler isso, talvez consiga alguma informação.

Aproximo-me da inscrição. Vejo o mesmo símbolo circular que estava em baixo da mesa que Anette foi queimada, o que me dá certeza que a encontrarei atrás dessa porta. Há várias inscrições ao redor do símbolo, mas embaixo vejo uma que é familiar. Parecia o alfabeto base de alguns idiomas exotéricos, que supostamente, era usado para se comunicar com os espíritos presentes no ambiente. Não consigo lembrar exatamente qual alfabeto, mas consigo traduzir em inglês com um pouco de esforço:

Quando me canso da paisagem
Do leste, viro a cadeira
Para oeste.”

Espero alguma coisa acontecer apenas pela menção da frase, mas nada acontece.

–Isso não faz sentido algum! Porque teria escrito alguma coisa dessas na porta?

–Don... É um enigma. Talvez haja a solução dele de alguma forma. Pensa... Quando me canso da paisagem, viro a cadeira... Para Oeste. Aqui não tem nenhuma paisagem e tão pouco cadeira...

–E a única que me lembro de ter visto por aqui eram as da cozinha e aquela lá em cima, aquela poltrona sei lá...

–Don! Lembra que a sala estava completamente deteriorada, mas a cadeira estava intacta? Talvez seja lá! Virar a cadeira para oeste... Só pode ser lá!

–Faz sentido! Boa Matthew!!! Sabia que o Protetor Sagrado não iria falhar!!! Okay... Quem vai lá? Eu ou você?

–Acho melhor você ir. Você tem balas na sua arma ainda, e eu estou muito cansado para lutar caso apareça algo. Eu te espero aqui.

–Okay. Vê se fica de olho caso algo aconteça. Vou em um pé e volto em outro.

–Certo!

Sento no chão com as costas viradas para a porta enquanto vejo Don sair pela porta. Fico em silêncio escutando apenas a minha respiração, até que ouço o barulho dos cabos do elevador ecoando por todo o hospital. Espero que esteja certo e que Don consiga fazer o que se pede.

Fico mais alguns momentos em silêncio. O lugar estaria completamente escuro se não fosse pelo objeto brilhante em minha mão. De repente, ouço um estalido atrás de mim. É a porta, que começa a se mover com a pressão das minhas costas sobre ela. Levanto-a e fico segurando-a para que não se feche. É então que, do silêncio, ouço algumas palavras estranhas ecoando pelo corredor.

–Eeikee sharaban... Eeikee sharaban...

De repente me sinto triste ao ouvi-las. Triste por estar fazendo as coisas da forma errada. Eu não deveria ir contra o nascimento de deus, eu deveria proteger a mãe sagrada e garantir seu nascimento. Sinto vontade de entregar o selo a Carl e finalmente acabar com isso. Abro a porta totalmente e vejo uma pequena sala com um alçapão. Deixo a porta entreaberta para que Don passe e vou até o alçapão, abrindo-o. Pulo para dentro e caio em uma escada. É longa e de madeira, levando sempre para baixo. Começo a descer, tendo total certeza de que encontrarei Carl para terminar com tudo.

– Eeikee sharaban... Eeikee sharaban...

A voz continua mais alto e mais suave. Quanto mais desço pela escadaria, mas sinto vontade de terminar tudo de uma vez. Afinal, eu estava indo contra deus, e precisava proteger Anette...

– Eeikee sharaban... Eeikee sharaban...

A escada termina e vejo uma porta dupla. Ela se abre e vejo um cara de mais ou menos 23 anos. É Chang. Ele pega minha mão e me guia. A voz ainda ecoa alto na minha mente.

– Eeikee sharaban... Eeikee sharaban...

É um corredor com várias portas à direita e à esquerda. Chang destranca uma delas e abre. Vejo uma maca, há uma mulher em cima. Ela está completamente queimada. É Anette e quando a vejo, a voz simplesmente para de ecoar e sinto muito, mais muito ódio ao ver uma pessoa em pé, bem ao lado da cama olhando serenamente para moça queimada e cheia de fios e tubos ligados ao corpo. Ele se vira para mim, e seus olhos parecem faiscar ao me olhar... É Carl Thomas Thompson.

–Seja bem vindo de volta, Matthew!


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Trecho correspondente à história de Chang.

—Então... está gostando do chá? – Carl perguntou ansiosamente quando Chang baixa a sua xícara e coloca na mesa de centro.

—Sim, está bom! Mas eu queria saber da minha irmã...

—Pois bem, rapazinho. Há muito tempo atrás, a sua irmã foi escolhida. Ela foi escolhida para um importante trabalho, o trabalho de trazer deus para a Terra.

—Como assim? – ele perguntou com uma expressão triste – Ela foi busca-lo?

Carl riu.

—Não, não!! Ele iria nascer dela. Ela ia ser a mãe de deus!

—Ela iria ser a mamãe de deus? Então eu ia ser tio dele? – o garoto perguntou sem entender o que Carl dissera.

—Sim, você seria! Mas pra você entender, meu pequeno Chang, primeiro você tem que estudar um pouco. Se não, um garotinho de apenas 10 anos como você não vai conseguir entender.

—Eu tenho 12!

—Ahh! Então você vai entender se estudar um pouco. Se você quiser, eu posso te ajudar. Você pode até vir morar comigo, se quiser...

—Er... Er... É que minha irmã disse que se acontecesse alguma coisa, era com tia Veronica que eu deveria ficar.

—Mas ela não iria querer que você ficasse triste, não é? E aposto que ela nem gosta de cuidar de você. Bom, se você vier morar comigo, eu prometo cuidar bem de você como se fosse seu irmão mais velho.

—Jura? – ele sorriu.

—Sim! E ainda posso lhe ajudar a trazer sua irmã de volta?

—Jura de novo??

—Sim, sim! Vou te ensinar tudo o que sei, e você será meu aprendiz! E então? O que acha?



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Silent Hill: The Artifact" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.