Silent Hill: The Artifact escrita por Walter


Capítulo 38
Cinzas, parte I


Notas iniciais do capítulo

"O amor. Claro, o amor. Fogo e chamas por um ano, cinzas por trinta. Ele bem sabia o que era o amor." - Giuseppe Lampedusa



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[É novembro e o inverno se aproxima cada vez mais. O frio do outono faz com que a casa fique bastante fria, principalmente com a forte chuva lá fora. Estou olhando pela janela do quarto e vejo as gotas pesadas de água atingirem o asfalto, formando algumas poças em alguns pontos mais irregulares. O céu, cinza e trancado, prenuncia algo que pelo menos eu já sabia que iria acontecer. Meus pensamentos voavam de uma extremidade da cidade à outra tentando encontrar respostas, tentando encontrar refúgio, tentando encontrar qualquer coisa que me acalmasse naquele momento, pois o ódio e o desespero tomavam conta de mim e tudo que vinha à minha era acabar com aquele sofrimento.

Ao longo da rua, um pequeno vulto surge. Estava com um guarda-chuva vermelho, que se destacava em meio à paisagem preta e cinzenta formada pelo asfalto e pelas nuvens, além de contar com as paredes praticamente sem cor a não ser branco e tons pastéis. Logo essa pessoa vai se aproximando, e então duas lágrimas escorrem pelo meu rosto abaixo. Aquela pessoa é Tyler, meu pai. Ele é a pessoa a quem menos quero ver agora, a pessoa que promoveu todos esses sentimentos horríveis em mim. Limpo rapidamente o rosto quando vejo a figura com o guarda-chuva vermelho se aproximar mais e tocar a campainha.

Desço as escadas devagar, a escadaria da qual fui jogado a alguns meses atrás. Meus olhos, ainda cheios de água não negam tudo o que sinto, todas as dores causadas, toda a raiva dele. Vou até à porta e a abro, olhando para aquela figura molhada de rosto quadrado. Ele tenta sorrir para mim, mas não lhe retribuo e o deixo ali na porta. Ele entra com cara de desapontado, passa pelas escadas e vai até à cozinha, sentando-se à mesa e colocando as sacolas de compra ali.

–Matt! Vem cá!

Eu o ignoro enquanto subo as escadas. Não quero mais falar com ele, não quero mais nem olhar no seu rosto. Penso em voltar para a minha janela e me deixar trancado no quarto até que minha mãe volte do hospital. E ao lembrar disso, voltam às minhas memórias os gritos da noite passada, do barulho, dos baques de queda no chão, do sangue pelo corredor, que foi cuidadosamente limpo por minha tia, que já voltou para Silent Hill. Meu coração não suporta mais aqueles acontecimentos, não suporta mais Tyler alcoólatra, não suporta mais a minha mãe indo parar no hospital todas as vezes que ele bebe. Eu sinto que algo precisa ser feito, e rápido. Chego até meu quarto e olho novamente pela janela, para aquela paisagem cinzenta que chega até meus olhos... Tudo aquilo é insuportável! Lembrar de todas as coisas... E é então que volta à minha mente algo peculiar: Silent Hill. Aquele cinza me lembra aquela cidade horrível, que meu pai sempre me manda para lá quando se cansa da minha presença, pra casa de Yana. Eu odeio aquela cidade, eu odeio o fato de que meu pai quer que eu more naquele lugar. Eu sei o que ele quer: matar minha mãe! E se me mandar pra lá, eu nunca ficarei sabendo, porque aquele lugar é uma porcaria, é sem comunicação, sem nada.

–Matthew!!

O ignoro uma segunda vez. Eu não posso deixar que as coisas continuem desse jeito, eu preciso resolver de alguma forma. Não, mas eu não conseguiria de jeito algum. É uma dor muito grande, mas mesmo assim eu não sei se posso arrancá-la. Respiro fundo. Saio do quarto e caminho pelo corredor até o banheiro. Acendo a luz amarela e vou até a pia. Enxugo minhas lágrimas com a toalha e lavo o rosto, enxugando novamente. É então que olho para o espelho e vejo meu rosto, meio amarelado por causa da luz incandescente. Embora eu esteja uma pilha de emoções por dentro, consigo notar que não expresso praticamente nada com o rosto. Me sinto frio, sem emoções mesmo sabendo que as tenho.

–Matthew, desce logo aqui!!

–Ele é um idiota – repito para mim mesmo. Já chega. Tyler não é meu pai e nunca foi. Talvez quando eu era mais novo, porém não mais. Não consigo suportar mais a ideia de conviver com ele na mesma casa, mas também sei que não posso fugir. Não posso simplesmente abandonar minha mãe aos cuidados dele e, se fugisse, para onde iria?

–MATTHEW LIWARD, DESÇA LOGO AQUI!

Olho mais uma vez para o espelho. Acabou. Não posso mais continuar, não posso mais viver com isso... está na hora de tomar uma atitude, e eu sei que não consigo... talvez se não fosse mais eu... Olho para o espelho e vejo a imagem de um garotinho de 12 anos, eu. A luz amarela e pálida iluminando tudo. Respiro fundo e cerro meus punhos, reunindo todas as minhas forças neles, e então, sem pensar qualquer coisa do tipo, a minha mão direita vai de encontro ao espelho com toda força, fazendo com que a esquerda a imite. Começo a esmurrar o espelho como se fosse eu mesmo, e ele começa a rachar, e logo em seguida a estilhaçar. Sague vermelho começa a escorrer por aquele local, e então olho para o meu rosto partido, sujo de sangue. Se eu não consigo, outra pessoa o fará! Então, volto a esmurrar o espelho com ainda mais força. Sentindo a dor dos cacos de vidro penetrando em minhas mãos, já escorregadias no vidro por causa do sangue. Sinto como se minhas emoções estivessem indo embora nesse momento, e junto com elas o Matthew que sonhava, que tinha esperanças, que tinha sentimentos e emoções. O espelho finalmente se quebra totalmente, e ali na pia, debaixo da luz amarelada do local, vejo vários cacos de vidro e sangue vermelho. Minhas mãos, completamente destruídas, mostram para mim que acabou, que aquela criança que havia dentro de mim tinha ido embora, que eu a tinha matado dentro de mim aos poucos, e que hoje ela estava morta de uma vez por todas.

–Matthew, que barulho foi esse aí em cima?

Ainda ofegante, olho para dentro da pia, pensando no que acabei de fazer. Respiro fundo, e então consigo responder finalmente.

–Não foi nada, papai! Já estou descendo para conversar com o senhor.

Devagar e com cuidado, removo os cacos da pia um a um e vou jogando-os no lixo. A moldura elíptica que ainda estava na parede segurava alguns cacos, que eu deixarei para me lembrar que eu já não sou mais eu. Termino de tirar os cacos da pia com cuidado e ligo a torneira, que começa a levar o sangue ralo abaixo. Coloco minhas mãos ensanguentadas embaixo da água corrente. Alguns minutos depois, desligo a torneira e abro o armário ao lado da pia, onde minha mãe guarda álcool, gaze, e outros produtos para ferimentos. Faço dois curativos improvisados nas mãos e vou até a cozinha.

–Finalmente! Olha, eu trouxe isso para você! É um ursinho de pelúcia novo, para substituir aquele seu antigo que já está bem velho!

Olho para ele, que nem deve ter percebido minhas mãos enfaixadas, ou se percebeu, nem se preocupa. Ele me entrega o urso, que seguro com cuidado para não causar dor nas mãos. Assinto com a cabeça como se estivesse agradecendo.

–Matt, tudo bem? E essas suas mãos enfaixadas?

–É... – olho pra elas soltando o urso no chão, fazendo pouco caso disso – O espelho lá em cima quebrou, e eu tive que tirar os cacos. Acabei me cortando feio.

Ele pega o urso no chão e me entrega novamente, olhando para mim com cara de preocupação.

–Quer que eu vá à farmácia para comprar remédio?

–Não pai... eu mesmo vou. E você acabou de voltar da rua.

Ele abre a carteira e tira uma quantia de dinheiro. Me entrega, e eu sem contar, coloco dentro do bolso de trás da calça. Esboço um falso sorriso para ele, e subo as escadas.

–Vou guardar meu ursinho, obrigado papai!

Subo até o outro andar novamente e entro no banheiro, ainda com a luz amarela acesa. Aquele lugar agora parece vazio, e sem significado. Olho para o cesto de lixo com os cacos ensanguentados. Ali jaz o pequeno, Matthew. Pego o urso e jogo ali dentro, que se suja de sangue e é um pouco rasgado por um caco pontudo do espelho. Então, desço novamente as escadas e vou em direção à porta. A abro e vejo que a chuva continua muito forte lá fora, com os mesmos tons de cores. Tyler vem até a porta também, segurando o guarda-chuva vermelho.

–Pra que você não se molhe, Matt.

Assinto com a cabeça.

–Obrigado.

Me viro para sair, mas ele chama meu nome mais uma vez antes que eu passe completamente da porta.

–Matthew... Eu peço desculpas por ontem, por sua mãe... eu estava fora de mim, sabe?! Eu sei que você a ama muito, e eu também a amo. O que eu fiz ontem foi um erro, e mais tarde eu vou ao hospital busca-la. Eu ficaria com ela, mas quis ver como você está! Me desculpa mesmo, meu filho!

–Tudo bem, pai – respondo secamente.

Ele se abaixa, ajoelhando-se e ficando cara a cara comigo, pegando a minha mão.

–Apesar do que eu faço... saiba que eu te amo.

Solto a mão dele e me viro, abrindo o guarda-chuva e ficando no meio da rua asfaltada. Olho para ele, e consigo forçar uma última frase antes de ir:

–Eu... também te amo... papai.]

...

–Adormeceu de novo, caro Matt?

Abro os olhos e me vejo sentado em uma cadeira. Estou amarrado, e Chang está ao meu lado. Vejo à minha frente uma maca, e Anette está lá, queimada, ligada a aparelhos. Ao lado dela está Carl, rindo de mim.

–Meu caro Matt, você sabia que se seu pai não estivesse morto, você seria o meu aprendiz e estaria no lugar de Chang?

Ainda estou meio sonolento, então não consigo pensar em nada. Carl começa a andar pelo quarto, sempre fitando seus olhos no corpo adormecido da garota, que estava ali, viva por algum milagre. Eu não me lembrava mais do que havia acontecido, mas com certeza havia sido algo ruim.

–Tyler Liward... ah, como eu o amaldiçoei! Toda a família Liward, um bando de idiotas! Nunca achei que eles se voltariam contra suas próprias crenças!

–Que... que crenças??

–Ah é... Você é o mais inocente nessa história toda!! Meu caro Matt, você faz parte de uma das famílias da Ordem! A família Liward. Eles eram responsáveis por cuidar de todos aqueles que davam suas vidas pela Ordem, em outras palavras... aqueles que seriam sacrificados!

–E quando o ritual deu errado com a minha irmãzinha, ela se reencarnou em Anette, – começou Chang – entretanto, um dos membros da sua família deixou que ela fosse levada daqui! Anette é Elle, a minha irmã! Só trazendo deus de volta através dela, é que a poderei ter de volta, e ela se lembrará de mim! Por isso Matt, eu te peço... Não deixe que eu a perca! Por favor, não interfira no nascimento de deus!

–E quem disse que ele pode? – Carl ri.

–É, você está amarrado assim para não impedir. Eu sei que você não concorda, amigo, com o que estamos fazendo aqui. Mas vai ser melhor assim, acredite!! Nós sabemos o que estamos fazendo!

De repente, Anette começa a gritar de dor. Eu me contorço, tentando sair da cadeira, mas as cordas são muito fortes. Começo a pensar onde diabos está Don agora.

–Socorro!! Me tirem daqui!! Temos que salvá-la, e não matá-la!! Estão vendo o sofrimento dela?

–O sofrimento é importante para o nascimento de deus. E você, trate de honrar o nome da sua família, rapaz!!! Você é o único que resta!

–Eu... vou honrar!! Vou pegar vocês.

–Uuuhhh, que coragem!! Amarrado desse jeito...

–AAAAAAHHHH!!!

–ANETTE!!!

–Chang, está acontecendo. Deus está se desenvolvendo dentro dela.

–DOOONN!!! SOCORRO!!!

–Silêncio! Eu quero ouvir a deus.

–Chang, eu sei que você não quer fazer isso! O ritual deu errado uma vez, pode dar errado novamente!!! Salve Anette enquanto pode, por favor... É a sua irmã!

–CHEGA!! Igh darz nikijaga cyriaa...

Começo a sentir sono novamente, as coisas vão ficando cada vez mais turvas e então, tudo apaga.


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Notas finais do capítulo

Perdoem-me pela demora. Tentarei demorar menos a partir de agora (:



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