A Dama da Lua escrita por Malcolm Beckster


Capítulo 2
Aprendendo a Falar




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Elizabeth Moon… Considerada uma das mais importantes astrônomas do século XXX, foi responsável pela descoberta dos padrões de viagem interplanetária, ainda que fosse muito pouco interessada na história do mundo quando jovem, com cerca de 25 anos surgiu nela um grande interesse por reaprender tudo que tinha esquecido. Divulgou ainda em vida campanhas feministas em prol da igualdade entre os sexos (devido a uma certa opressão profissional feminina quando trabalhos braçais pararam de ser exigidos e a mulher já tinha se assegurado como eficiente em trabalhos mais intelectuais), conseguiu ver um mundo igual antes de morrer aos cem anos. Grande amiga de Thomas Smith, foi responsável pela pesquisa de…

Grandes Personalidades, Revista Conquista ed. 56

Elizabeth Moon foi levada para a residência habitual de Smith em Unna, uma cidade a 270 quilômetros de Nova, reconstruída depois do atentado do vilão Kaiser. Enquanto andavam, Elizabeth percebeu que ele usava um pequena anel de prata no dedo, um anel onde duas fitas de prata se entrelaçavam, os antigos sacerdotes dos cultos antigos usavam depois que se casavam com mulheres, mulheres que eles amavam, não com quem eram ordenados a copular.

– É casado, senhor Smith? - perguntou, o homem era alto, tinha um corpo forte. Usava uma jaqueta da cor da terra e carregava a longa espingarda, ou rifle como ele dizia, nas costas. Não falava muito, mas prestava bastante atenção, na outra mão para o desconforto da jovem selena, carregava um pássaro morto que lembrava as codornas selenas.

– Sim, há um ano mais ou menos - disse - O nome dela é Júlia Vasco, agora Júlia Smith.

– Ela é de… - quase pronunciou “Terras Polares” onde as pessoas costumavam ter nomes estranhos grafados com acentos. Não precisou terminar.

– Do Brasil, sim, ela está se habituando a chamarem-na de Djulia - disse ressaltando a grafia - e não Júlia.

– Essas coisas de nome são confusas.

– Ainda mais de onde você vem, não é?

– Como assim? - ela perguntou inocente, Smith não podia ser tão bom assim.

– Eu a vi caindo, eu pensei que você era um pássaro, não haviam aviões, você brotou no céu.

– Ah, bem.

– Agora, duvido que consiga me dizer quem foi Jason Hunter.

“Que beleza” ela pensou consigo mesma “Fui pega por um caçador esperto”. Ela continuou andando, pensando no que ia dizer, quem diabos era Jason Hunter? Um caçador como Smith? Não, muito óbvio, deveria ser alguém de respeito, talvez um líder político, mas Smith não parecia nem um pouco interessado em política, logo só poderia ser um militar.

– Ele foi um grandioso e impetuoso - pensou nas palavras mais caras de seu vocabulário - general - lembrou-se do título.

– Em que ano ele nasceu? Somos obrigados a decorar isso na escola.

Ela não era adivinha, e por cinco minutos ficou calada enquanto andavam. Enfim, Thomas parou e apontou a espingarda para a testa da garota.

– Você tem cinco minutos para dizer quem é e de onde você veio ou eu vou atirar em você e acredite, eu já matei muitas pessoas.

– E por que quem eu sou importa?

– Porque da última vez que eu levei uma pessoa que eu conheci vinte minutos antes para minha casa ela matou meu melhor amigo.

Ela imaginou a cena, imaginou uma grande reunião, um jantar ou algo do tipo e do nada alguém pegando os talheres e matando um homem de 45 anos ou mais, Smith parecia ser mais jovem, 30 anos, mas parecia ser culto do que isso, e jovens são tão tolos que irritam, ela bem entendia, e se estranhou ao perceber que vinte mil anos antes as coisas eram minimamente parecidas. Depois realizou novamente o cano apontado para sua cabeça.

– Meu nome é Luna Stone - ela disse, a boca ficando seca - eu sou uma descendente direta dos humanos, mas de um futuro muito distante. E eu nasci e fui criada a minha vida inteira na Lua, meus pais são Obadiah e Caroline Stone, eles são bastante ricos e por isso tenho um conhecimento razoável da História da Terra, não que seja grande coisa, mas…

– Pare - o rosto ficou sombrio - Você pode até estar falando a verdade, mas minha esposa está grávida, e acredite, se você encostar um dedo nesta criança, você pode vir do quinto dos infernos do Universo e ter tecnologias que corrompem as leis da realidade - seu tom era obscuro, assustando a garota - você pode fugir, mas eu vou achá-la, e vou matá-la. Agora - disse depois de uma pausa seu rosto se iluminou, a garota ficou confusa - por que diabos você está aqui?

– Bem… Eu… Desculpe, eu não consigo. Ah, eu não sei explicar.

– O que acontece com a Terra?

– Basicamente dentro de dez mil anos ocorrerá uma catástrofe chamada Nêmesis. Ela foi…

– Não quero saber - ele respondeu.

– Mas os humanos não morreram, claro, a Terra foi anulada, mas existem outros planetas e há uma chance de recuperação dentro de mais ou menos um milhão de anos, até lá, nós que estamos na Lua teremos crescido bastante e teremos nos consolidado, ninguém poderá nos vencer e reestabeleceremos a entidade humana no Universo. Da maneira como era.

Smith parecia se sentir nauseado, mas reagia bem para alguém que acreditava numa menina caída no céu.

– Os humanos existem apenas na Lua?

– Não - ela disse como se Smith fosse um idiota - Claro que não. A humanidade dominava o segredo das viagens interplanetárias há… - ela viu que não estava conjugando os verbos corretamente - A humanidade dominará o segredo das viagens interplanetárias dentro de séculos, os contatos com alienígenas vão contribuir muito com isso.

– Alienígenas? Então eles existem.

– Sim, por quê?

– Marcus Baltazar dizia que o homem devia pensar no homem e apenas nele, o conceito de vida extraterrestre era desacreditado pelos filósofos, a maioria das pessoas pode se dizer antropocentrista - ele disse - e por acaso, Marcus Baltazar foi o maior estrategista militar do planeta, nasceu em Roma há cerca de quase um século e meio atrás, ele instalou o Senado Romano e se proclamou o Primeiro Cônsul.

– E Jason Hunter?

– Jason Hunter foi o salvador da Terra, ele construiu as Capitais, nasceu em 2058.

– E em que ano estamos? - ela perguntou. Smith a encarou.

– 2960. Hoje são as Calendas.

– Calendas?

– A morte de Baltazar.

– Ah, por que Calendas?

– É baseado numa figura romana da Era Clássica antes da Queda do Homem, como nossa maior figura romana é Baltazar, se consideram as Calendas o dia de sua morte.

– Mas e Hunter, ele não é o Salvador?

– Sim, mas ele não foi um herói, ele nunca se mostrou como um herói. Era realista e seus fundamentos eram de sobrevivência, como Polokov.

– Quem?

– Não interessa agora, enfim, Baltazar foi quem trouxe os Estados ao seu auge, ele superou a queda das Capitais, remodelou a burocracia e desenvolveu uma frota militar invejável. Ele veio até a América e a conquistou ao longo de muitos anos, o que você vê - levantou os braços, como se tudo ao redor fosse seu exemplo - é obra dele.

– A grama?

– Não - Smith ficava admirado, era um tolo nos assuntos dela e ela uma completa idiota nos dele - Não. Veja, mil’anos atrás isso era um deserto radioativo, nada havia aqui a não ser poeira e gases verdes esfumaçantes, e possivelmente cadáveres de corpos semi-desintegrados, isso por um conflito muito antigo e muito velho que culminou na Queda do Homem. Todas as civilizações foram perdidas e o conhecimento de qualquer coisa antes disso se baseia nas mentes de antigos historiadores, e muito se perdeu disso também com os bárbaros - ele explicou - Hunter foi quem uniu tribos ainda civilizadas que falavam as línguas humanas como alemão, grego, francês e inglês e reconstruiu com eles a civilização humana nos Estados, onde a radiação era contida por campos magnéticos e é até hoje - apontou uma construção que parecia uma enorme parede se misturando ao horizonte - aquilo é uma fortaleza, por exemplo, nada radioativo passa por ela - Mas acontece que mais tarde bárbaros poderosos vieram e tomaram controle sobre os estados num regime que durou quase cem anos. Surge a resistência liderada por Polokov que acaba morrendo ao jogar uma fortaleza aérea sobre a cidade de Udrassna que corrompe o poder dos Magos do Norte, os controladores bárbaros, espalhados pela Europa.

– Então Polokov foi quem libertou seu povo?

– Sim.

– E por que não é lembrado como Baltazar?

– Por que Hunter e Polokov exerceram seus feitos quase por obrigação, precisavam lutar por sobrevivência e liberdade, eram ambos geniais, mas Marcus foi quem restaurou a glória dos estados com ouro, prata, joias, especiarias de todos os cantos do mundo, domava as bestas e fez praticamente tudo. Restaurou a tecnologia e civilizou a América até então esquecida. Ele sim é um grande herói da nação, muito mais que Hunter e Polokov.

– Vocês são confusos - ela disse, cansada de tanta informação.

Chegaram na casa, era simples e sem muita decoração, próxima da cidade e confortável por onde passava um pequeno riacho. Parecia ser feita de mármore, mas se mostrava repleta de aço e também vidro, uma casa simples para um homem simples como Smith. Ele chamou a mulher, impressionada por ele trazer uma garota com os cabelos molhados e pingando, mas não parecia ser ciúme.

– Quem é ela? - perguntou se aproximando do marido a bela Júlia Smith.

– O nome dela é Elizabeth Moon, ela estava nadando e foi levada pela correnteza - disse num tom que a viajante do tempo podia ouvir - Coloque ela no quarto de hóspedes e peça para Ti… Howard colocar um prato a mais na mesa, acho que ela gosta de peixe, mas verifique com ela. Eu vou depenar esse pássaro - terminou, mostrando a codorna e finalmente entrando na casa.

As duas se olharam, Elizabeth percebeu uma protuberância na barriga da moça de cabelos castanhos escuros. Estava grávida, e sentiu-se maravilhada com isso, eram poucas as mulheres que podiam ter filhos na Lua, especialmente com os surtos demográficos. A esposa do caçador porém notou os cabelos loiros na trança pingando e as roupas estranhas encharcadas.

– Entre, Elizabeth, meu nome é Júlia - disse numa voz calma - Sou esposa do Thomas, venha para cá.

Ela andou e subiu os dois degraus que separavam ela do piso da varanda.

– Venha - continuou Júlia encaminhando a jovem para dentro. Passaram por uma porta de vidro, desceram as escadarias de aço e alcançaram um pequeno banheiro. Ágil, a mulher pegou uma toalha e disse - Caso precise de roupas veja se qualquer coisa minha lhe cabe, quando já estiver vestida vou levar você até o quarto de hóspedes.

– Sim, obrigada, mas…

– Mas nada, vá tomar um banho, depois conversamos, tudo bem? - perguntou ela, retoricamente, sorrindo.

– Sim, claro, muito obrigada.

– Por nada, com licença - ela subiu novamente as escadas deixando a jovem sozinha.

Elizabeth tomou seu banho com calma, limpou especialmente os pés que ao entrar em contato com a terra transformaram o piso em lama, molhou os ombros e se acalmou, sentou no vaso com a tampa fechada e se secou calmamante por longos minutos até sair, tinha sorte de ter descoberto como funcionava o chuveiro e para que a toalha. Saiu enrolada na toalha como as Sacerdotisas costumavam fazer nos balneários e entrou no quarto de hóspedes.

“Que sorte, esse é o quarto de hóspedes” pensou ao perceber que havia uma roupa estirada na pequena cama de solteiro.

– Espero que caibam - ouviu a voz de Júlia ao fundo - Tem mais roupas no armário se precisar.

O jantar foi calmo, a comida se baseava especialmente em peixe e em molhos, Elizabeth quase pegou o filé quente com as mãos, mas percebeu a presença de uma pequena lâmina simples com cabo e um espeto de três pontas curvo. Percebeu que o espeto servia para ajudar no corte do filé com a lâmina e para espetar o pedaço cortado e se colocar a comida na boca.

– Isso é bom, o que é?

– Peixe - respondeu o cozinheiro Howard - Os molhos são misturas da África e da Ásia, temperado com orégano francês.

– Delicioso - disse com um sorriso - E Júlia - se virou para a moça - obrigada pelas roupas, são maravilhosas.

– Por nada. Eu não tenho coisas muito estravagantes como seu vestido, lindo ele afinal, mas que bom que gostou.

– Onde eu vivo aqueles vestidos também não são grande coisa - falou, vestido era um substantivo novo para ela - Algumas andam como pavões.

– O que são pavões? - perguntou.

“Sua burra!”

– São… São aves, eu ouvi falar delas numa feira de paleontologia - “Paleontologia é o estudo de fósseis de bestas, gênio!” - Elas tinham caudas enfeitadas em forma de leque - “Pronto, missão cumprida, Dama da Lua, você conseguiu ser descoberta porque confundiu as eras - Mas ela não deve ter passado aqui na cidade.

– Uma pena de fato, em Nova tinha muito dessas feiras científicas e eu ia quase sempre, Unna não tem muito dessas coisas.

– O que aconteceu em Nova?

Smith colocou a mão na testa e Júlia fez uma cara de estranheza.

– Como não sabe? Passou em todos os meios midiáticos do mundo.

“Midiáticos? Não é aquela coisa de televisão, rádio e… Qual era o nome? Isso, Indornet, não! Internet, isso!”

– Eu não utilizo esses meios - disse num sorriso torto - eu vivo em meio às tribos do…

– Do Sul Africano?

– Isso.

– Mas então por que está aqui?

– Eu concluí meu doutorado em Astrofísica que fiz remotamente - mentiu sem pensar no que estava falando - e estava aqui procurando por emprego.

– Ah… Então foi por isso que encontrou Smith?

– Não, eu tinha acabado de chegar e…

– Acho que você não entendeu. Eu acabo de inaugurar um observatório na cidade.

– Então - ela encarou os dois - acho que seria uma ótima oportunidade para - “Cala a boca! Cala a boca!” - pedir emprego.

– Claro, seria ótimo ter você conosco.

Terminaram o jantar e se deitaram, tinha acabado o primeiro dia de Elizabeth Moon na Terra.

O primeiro de muitos.


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