She's Lost Control escrita por Pinguim Pirata


Capítulo 2
Como chegou tão longe?


Notas iniciais do capítulo

Pode parecer confuso, mas é simples: "Um dia antes" é o que aconteceu antes dos eventos do prólogo, e "Naquela manhã" é depois. Entenderam? Não? Beleza.



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Um dia antes

A garota morena estava ajoelhada em frente a uma lápide simples e relativamente nova, com o corpo levemente curvado e a cabeça baixa. Quem observasse de perto veria seus ombros tremendo levemente em intervalos irregulares. Se observasse mais de perto e mantivesse os ouvidos atentos, ouviria seus soluços, a causa do tremor. Mas não havia ninguém por perto para observar Lena Harber chorando sobre o túmulo da mãe. Ela não deveria estar sozinha, o pai deveria estar ali com ela.

Aquela tarde de outono estava particularmente fria, o vento soprava as folhas secas por todo o gramado do cemitério. Lena agarrou-se ao sobretudo fino que pegara na pressa de sair de casa e levantou-se. O buquê de tulipas roxas em cima do túmulo ameaçava voar com o vento, mas era pesado demais para fazer mais do que rolar alguns centímetros. O Sol se punha, derramando uma infinidade de tons de laranja sobre a cidade. Lana chegara ali pouco depois das três da tarde. Não havia pretendido passar tanto tempo lá, mas agora tudo o que menos queria era voltar para casa.

Ainda passou uns minutos olhando as inscrições na lápide antes de se virar e ir embora, com passos vacilantes de salto alto no terreno fofo. Pensou em chamar um táxi, mas não fazia ideia para onde ir, então apenas passou a andar sem prestar atenção no caminho, com a cabeça cheia de nada. Somente quando o frio se tornou mais intenso é que ela pegou os comprimidos na bolsa. Prozac. O antidepressivo ajudava-a a lidar com a sensação de peso dentro de si, mas quando começou a usá-lo ingeria grandes quantidades, por causa da maravilhosa sensação de leveza e “desligamento” que proporcionava. Foi assim que tudo começara, mas agora os comprimidos quase não surtiam efeito nenhum em seu organismo e logo seu corpo pediria por algo mais pesado.

Depois de alguns minutos de caminhada, parou e olhou em volta, percebendo onde sua mente distraída a levara. O subúrbio de classe média onde crescera com sua mãe. Fazia meses que não visitava aquele lugar, mas tudo parecia igual: casas praticamente idênticas em seu exterior, apenas com variedade de cores, quintais pequenos e grupos distintos de adolescentes nas ruas agora já escuras.

Por um momento pensou em dar meia volta e ir embora, mas por fim acabou decidindo ir encontrar alguns velhos amigos. Ela precisaria de algo mais forte depois, de qualquer jeito. Com um meio sorriso nos lábios, dirigiu-se até o familiar grupinho que se encontrava na entrada de um beco sem saída entre um bar e uma loja de ferramentas. Não levou mais do que alguns instantes para que os adolescentes a reconhecessem e começassem a cumprimenta-la daquele jeito barulhento com o qual ela já estava acostumada.

Lena cumprimentou cada um deles com um abraço, sem deixar de reparar na fragilidade de seus corpos. O estado dos amigos piorara desde que ela parou de frequentar o bairro. Na verdade eles haviam começado a mudar quando as drogas chegaram àquela parte da cidade, alguns mais rápido do que outros. Ver seus rostos provocou em Lena uma sensação de medo e tristeza, mas foi Mia quem realmente a fez ficar sem palavras.

Mia Fitzgerald fora uma garota perfeita, com seus cachos dourados, pele bronzeada e olhos castanhos brilhantes, daquele tipo de garota que faria um comercial de absorventes na TV. Agora seu cabelo caia como palha, sem vida sobre os ombros, sua pele era cinza e marcada por inúmeras feridas e hematomas, seu sorriso parecia doer e seus olhos estavam mortos. A garota estava tão magra e tremulante que Lena temeu machuca-la se a abraçasse por muito tempo.

“Seja lá o que for que ela use, preciso de um pouco disso. Mas só um pouco.” Pensou ela.

Em pouco tempo, já estavam todos dentro do bar, rindo e conversando muito alto, o que fez o proprietário olhá-los com impaciência nos primeiros minutos, mas logo voltou à indiferença habitual. Todos procuravam manter o assunto positivo, forçando sorrisos pelo máximo de tempo possível, contando piadas ruins ou simplesmente escutando a conversa e tomando cerveja barata. Qualquer assunto divertido para mantê-los longe de sua realidade dolorosa. Apesar de toda a distração em sua volta, Lena não podia deixar de pensar de pensar se já havia chegado ao mesmo ponto que eles.

Já estava muito escuro quando aconteceu. Um garoto gordinho apelidado de Teddy, não podia ter mais do que catorze anos, que passara a noite toda quieto, com seus modos evasivos, aos poucos começou a tremer. Logo veio o suor. E então se fez silêncio. Todos conheciam os efeitos da abstinência. Por um tempo todos só ficaram ali, observando o pobre garoto se encolher enquanto o tremor e o suor se tornavam mais intensos, até que um dos garotos mais velhos se levantou relutante, e pegou Teddy pelo braço, conduzindo até o banheiro sem dizer uma palavra.

Depois disso ninguém mais tentou voltar ao clima superficial e divertido de antes. A maioria apenas ficou encarando seus copos sujos, sem vontade de ficar ali, sem querer ir embora. Logo começaram a sussurrar uns com os outros, e sair em duplas ou trios. Alguns iam para os banheiros, outros saiam do bar, mas todos com a mesma postura curvada, como se carregassem um grande peso.

Por só restavam Lena e Mia na mesa. Apesar de estar frio do lado de fora, o bar estava abafado, então Lena deixou o sobretudo encima da mesa. Mia remexia em algo na bolsa encardida, e Lena se perguntava o que era. A morena começou a pensar em quanto tempo fazia que não tomava algo forte. Desde ontem, talvez? Quanto tempo até ela própria começar a sofrer abstinência? Por fim, respirou fundo e perguntou para Mia:

–O que você tem ai?

A garota olhou-a como se dissesse “achei que nunca perguntaria”, mas não sorriu. Em silêncio, Mia pegou a bolsa e se dirigiu ao banheiro feminino, seguida por Lena. Já havia meninas no banheiro. Duas delas dividiam um cubículo e preparavam cocaína na superfície de um espelho, encima do vaso sanitário fechado, e outra fumava maconha sentada na pia.

Enquanto Lena observava as garotas, Mia já entrara em um cubículo e preparava a droga com uma colher e isqueiro. Ela hesitou por um momento. Já usara comprimidos, cheirara pó e fumara, mas nunca tivera coragem para injetar algo na veia. Suas duas experiências inalando o pó da heroína foram, em sua opinião, assustadoras e incríveis. Antes que tivesse mais tempo para pensar em recusar, o conteúdo líquido de aparência suja já estava na seringa. Rápida e com aparência selvagem, Mia amarrou uma tira de pano abaixo do ombro e inseriu a agulha no meio do braço, apertando o êmbolo até a metade.

Mia recostou-se na parede à medida que a droga entrava em sua corrente sanguínea. Seu rosto assumiu uma expressão apática, com a boca entreaberta e os olhos vidrados no nada. Foi como se uma névoa roubasse o pouco que restava do brilho em seus olhos, se é que ainda restava algum.

Antes de cair completamente na subconsciência, a loira entregou a Lena a seringa e a tira de pano. Com dificuldade e um pouco de nervosismo, conseguiu amarrar a tira como Mia fizera. Errou a veia duas vezes, com as mãos trêmulas, e quando encontrou o ponto certo, não apertou o êmbolo até o fim.

Por alguns segundos, a única diferença que Lena sentiu foi que a fumaça do cigarro da outra garota parecia formar o rosto de sua professora do primário. Então um turbilhão de sentidos a acertou de uma vez, e tudo ficou escuro.

Naquela manhã.

O pai a olhara de cima a baixo antes de entrarem no carro, mas não disse palavra alguma. Ele e Lena permaneceram em um silêncio desconfortável, em que ele formulava uma pergunta em sua mente e ela tremia só de pensar em ter que responder. Por fim, depois de muito rodarem, Jason Harber perguntou-lhe, com sua voz controlada encobrindo um princípio de impaciência.

–Vai me dizer o que aconteceu?

–Você realmente se importa?- Lena não estava apenas sendo insolente, ela estava se afastando da resposta verdadeira.

O pai suspirou, abriu e fechou a boca várias vezes, como se pretendesse dizer algo e mudasse de ideia logo em seguida.

–É claro que me importo. Poderia me responder diretamente agora?

–Ah, é mesmo? Ontem você disse que a morte da minha mãe não importava. Eu sei que você não ligava pra ela, mas poderia ao menos ter um pouco de consideração por mim. Consideração essa que você não teve pelos primeiros dezesseis anos da minha vida...

Suas mãos estavam suadas e sua voz começava a vacilar. Mantenha a conversa afastada desse tema. Mantenha a conversa afastada. Pode ver pelo canto dos olhos que o rosto do pai começava a ficar vermelho, e esperou que ele gritasse com ela, mas isso não aconteceu. Ao invés disso, ele respirou fundo três vezes até seu rosto voltar a cor normal. Do bolso, puxou um pequeno saquinho contendo um pó branco acinzentado dentro. O coração de Lena falhou por um momento quando reconheceu que aquele era o saquinho que guardava no fundo falso de sua gaveta. O pai jogou o saquinho em sua perna com um gesto rápido, sem olhar em sua direção.

–A empregada achou isso caído no chão, por um buraco em uma das gavetas do seu guarda-roupa. Eu queria te pedir explicações, mas depois disso... - Ele balançou a mão na direção dela. –Eu acho que não há nada mais para ser explicado.

Com a garganta completamente seca, Lena cuspia frases desconexas de desculpas esfarrapadas, sentindo sua cabeça girar levemente, até que seu pai interrompeu, com um tom de voz tão cheio de ternura que ela teve certeza que era forçado

–Eu queria que você confiasse ,em mim o suficiente para pedir ajuda, Lena.

“Eu venho pedido ajuda a meses, pai, se você parasse um minuto para olhar para mim veria isso. Eu estava bem na sua frente, mas você nunca olhou para mim.” Esses pensanmentos foram gritados na mente dela e empurrados para sua garganta, mas ela não o disse. Afundou-se ainda mais no banco de couro do carro, sentindo as lágrimas em seus olhos e prometendo a si mesma que não choraria. Esperou uma bronca, repreensão, ou qualquer coisa vinda do pai, mas ele se manteu em silêncio até chegarem na casa exageradamente grande. Lena mal esperou o carro parar para saltar, e quando o fez, correu direto para o seu quarto, fugindo do que quer que estava por vir.

O pai não foi atrás dela. Ninguém foi. Durante a tarde toda, Lena ouviu seu pai e madrasta discutindo da sala, sem compreender uma palavra do que falavam. Deitada em sua cama, olhando para a parede, ela se condenava por ter ligado para o pai. Afinal, ela apenas estava assustada quando acordou, certo?

Lena não sabia dizer quanto tempo se passou quando o pai entrou em seu quarto. Ele não disse nada, ela apenas sentia seu olhar queimando sobre as costas do vestido preto sujo que não se incomodara em mudar. Depois de um longo suspiro, ouviu o barulho de algo sendo colocado em sua cômoda.

–Achamos que isso seria o melhor para você.

Ouviu a porta ser fechada. Precisou reunir toda a coragem que tinha para levantar-se e andar até o grosso panfleto que o pai colocara em deixara para ela. A simples ideia de ficar sem drogas a apavorava, e esse pensamento a apavorava mais ainda. Como tudo isso chegara a esse ponto?

No panfleto, sob a imagem de uma enorme casa colonial se lia, em letras grandes e cursivas:

“Instituto Saint Clair Para Adolescentes Problemáticos”

Lentamente, a tensão em seus ombros diminuiu. Eles não a mandariam para uma clínica de reabilitação? Era a coisa mais lógica a se fazer. No entanto... talvez não seja tão ruim assim.


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Notas finais do capítulo

Bem, tenho que pedir desculpas pela demora. Eu reescrevi esse capítulo um milhão e meio de vezes, e nunca achei bom. Por fim, essa versão me pareceu a melhorzinha, apesar do capítulo ser bastante parado. Eu vou continuar a fic independente de ter reviews ou não, mas é bem legal quando vocês comentam, sabiam? Beijos.



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